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Fábio Picchi

Militante do Partido da Causa Operária (PCO). Membro do Blog Internacionalismo e do Coletivo de Tecnologia do Partido da Causa Operária. Programador.

Coluna

Para a burguesia, devemos temer a tecnologia

Tenha medo da inteligência artificial: ela está sendo utilizada por neonazistas e extremistas

Peço perdão pelo chavão, mas o mundo dá voltas. Na ocasião do lançamento do ChatGPT, quando o furor em torno da “nova” tecnologia tomou as manchetes dos jornais mais importantes do mundo, tivemos uma posição crítica, tentando desmistificar essa nova “inteligência artificial”. Entramos até no mérito do termo: finalmente, se não sabemos ao certo como funciona a inteligência natural, como podemos pretender criar sua versão artificial? Eis que agora somos obrigados a tomar a posição contrária, defendendo o avanço tecnológico do obscurantismo da burguesia que não sabe lidar com seus opositores valendo-se da ferramenta.

Em nossa coluna da semana passada comentamos como ex-funcionários do alto escalão dos serviços de inteligência já compõem o conselho administrativo da OpenAI, a criadora do ChatGPT. Na reunião do G7 foi invocada a opinião do Papa Francisco sobre o tema, dando um ar teológico, místico à tecnologia. A tecnologia preferida dos especuladores do mercado financeiro entrou na mira de um imperialismo que cada vez mais não consegue lidar com ferramentas que impulsionem ou amplifiquem a capacidade de comunicação das massas.

Na última sexta-feira (20), foi a vez do portal Wired divulgar um relatório do Middle East Media Research Institute (MEMRI) sobre o uso que neonazistas têm feito da tecnologia para impulsionar seu “discurso extremistas”.

O relatório tem ameaçadoras 212 páginas, que provavelmente não foram analisadas pelo repórter, que optou pelo caminho mais simples de entrevistar Simon Purdue, diretor do Monitor de Ameaça de Terrorismo Doméstico do MEMRI. Para que o leitor se situe em meio à ironia: MEMRI é um instituto norte-americano pró-sionista determinado em apresentar os povos árabes e muçulmanos como antissemitas inveterados. As falsificações são tão escatológicas que renderam uma das melhores páginas de memes da internet: o MEMRI TV bot, portal que exagera ainda mais as traduções já exageradas da instituição. Ao leitor que tiver apreço por humor negro como este colunista, recomendamos seguir o “bot”.

Voltando ao tema principal, Purdeu diz que a principal tendência que observaram em 2024 “foi o crescimento dos vídeos” gerados por inteligência artificial. A ferramenta favorita dos neonazistas seria o Sora, da OpenAI, que gera pequenos clipes que eles usam para compor uma animação “ao estilo Pixar” sobre determinado tópico. “Extremistas” teriam criado vídeos em que o presidente norte-americano Joe Biden fala frases racistas e outros em que a atriz Emma Watson lê o livro de Hitler, Minha Luta, em voz alta.

Longe de perigosos neonazistas, pela própria descrição do conteúdo, logo percebemos que se trata de adolescentes que passam tempo demais na internet gerando memes envolvendo personalidades públicas. Mas, segundo os especialistas – o que seria de nós sem especialistas -, devemos ter medo desses vídeos. Eles seriam perigosas armas da extrema-direita.

Defendemos aqui que devemos ter medo desses vídeos porque sua qualidade é aterrorizante. Veja abaixo um frame do vídeo gerado com auxílio do Sora para a campanha contra o PL do aborto:

Nos valemos de um exemplo gerado pela esquerda para rebater a tese de que a tecnologia esteja sendo utilizada apenas pela extrema-direita, mas, além disso, para provar que as produções são de extremo mau gosto. Gostaríamos de conhecer esses perigosos neonazistas que são radicalizados por vídeos criados com inteligência artificial.

A matéria de Wired continua citando outros usos de inteligência artificial, como a geração de modelos específicos com conteúdos extremistas. Esses modelos direitistas seriam capazes de explicar como construir bombas e armas caseiras. Acontece que a explicação está invertida: o ChatGPT não tem a capacidade de nos explicar essas coisas não porque não saiba – foi finalmente treinado com toda a massa de texto disponível na internet -, mas porque foi enviesado para não entregar essas informações. A censura de grandes modelos de linguagem é outro tema recorrente desta coluna sobre tecnologia.

Incapaz de conter o volume de informação, visual e textual, diariamente publicado na internet, a burguesia decidiu atacar sistematicamente a credibilidade desses meios. Segundo essa lógica, redes sociais seriam povoadas de conteúdo falso e, mais recentemente, forjado. É o que deu a entender a porta-voz da Casa Branca ao referir-se aos vídeos de Biden visivelmente senil como “deepfakes“, clipes gerados com o uso de inteligência artificial.

Pode ser que algo tenha sido forjado. Não podemos excluir a possibilidade desses vídeos terríveis gerados pelo Sora terem influenciado alguém a se tornar um neonazista. Concretamente, porém, que sustenta o neonazismo, como a Brigada Azov na Ucrânia, e o nazissionsismo de “Israel” são os mesmos que querem que tenhamos medo das novas tecnologias. Aqueles que contam as maiores mentiras nos grandes jornais são aqueles que querem que tenhamos medo de tudo o que vemos nas redes sociais sob o risco de interagirmos com “notícias falsas”. É a burguesia imperialista que, se pudesse conter o progresso tecnológico, já o teria feito; que trata a população mundial como crianças, que não tivessem capacidade de julgar a informação que consomem.

O Iluminismo derrotou há séculos o obscurantismo da Igreja Católica, que condenou uma enorme parcela da humanidade à mais profunda ignorância. No século XXI, não há nada o que temer sobre nenhuma tecnologia. Por mais complexas que sejam, são criações humanas e devem ser compreendidas como tal. A inteligência artificial não é um impulsionador do neonazismo, é o imperialismo.

* A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a opinião deste Diário

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