Antes da criação do Estado de “Israel”, uma maioria de palestinos convivia com a minoria de imigrantes sionistas da Europa sob o domínio do imperialismo inglês. Era o Mandato Britânico da Palestina. Naquele momento, a esquerda mundial já discutia a questão palestina. Uma organização ligada ao movimento trotskista The New International publicou um texto em 1942 sobre a colonização do país pelo movimento sionista. Suas observações são muito interessantes para entender como era a sociedade que foi destruída pela Nakba, a Catástrofe palestina.
O texto, intitulado A Colonização Judaica na Palestina, descreve o perfil da população: “cerca de 55% dos árabes palestinos são felahin [camponeses], enquanto cerca de 20% estão envolvidos na indústria e no transporte. Os primeiros incluem cerca de 17% que constituem um proletariado agrícola em um sentido mais amplo. As camadas restantes consistem de proprietários de terras, profissionais e comerciantes. O proletariado urbano está nas posições mais não qualificadas e mal remuneradas. A imigração judaica aqui resultou na duplicação dos salários reais dos trabalhadores árabes e na provisão de novos campos de emprego nas plantações e indústrias de construção judaicas principalmente”.
Ele descreve então como a colonização desenvolvia economicamente a Palestina devido à criação de um capitalismo. Mas, ao mesmo tempo, deixava os palestinos nas piores condições possíveis. Os grandes beneficiados eram os capitalistas britânicos, os imigrantes sionistas assumiam uma posição média e os palestinos eram os mais explorados.
Ele então destaca: “a classe trabalhadora judaica, com poucas exceções, esforça-se por uma penetração na economia rural e urbana. Esta política se manifesta no Kibbush Haavoda (conquista do trabalho: indústria árabe pelos judeus) visando à expulsão progressiva dos árabes das posições criadas pelo influxo de capital judaico. Não apenas a classe trabalhadora judaica acredita que assim pode ganhar raízes firmes no país. A burguesia judaica, às vezes em sacrifício do lucro, no interesse de uma Palestina dominada pelos judeus, ocasionalmente apoia a Conquista do Trabalho”. Ou seja, os sionistas, desde antes da criação de “Israel”, já possuíam um plano para dominar economicamente a Palestina e, assim, assentar as bases para a criação do “Estado judeu”.
Essa divisão entre trabalhadores europeus e árabes levanta outras questões: “o grau de sucesso do trabalho judaico em sua competição contra o trabalho árabe mais barato depende, em última análise, das condições gerais do mercado de trabalho (fatores secundários não sendo excluídos). Em tempos de crise econômica, os trabalhadores judeus, que na era anterior tinham se aglomerado nos empregos de construção e fábrica mais bem remunerados na cidade, são lançados de volta à agricultura como único meio de sustento; a política da Conquista do Trabalho é retomada com vigor renovado para desocupar os árabes das posições anteriormente abertas a eles. Mas os judeus são apenas parcialmente bem-sucedidos em ‘reconquistar’ esses campos, e seus salários são forçados a se equiparar ou apenas ligeiramente acima dos árabes. A depressão sempre tem um efeito nivelador nos salários, e as aspirações nacionais e a maior organização dos trabalhadores judeus são eficazes somente dentro da lei dos salários”.
A depressão citada se deu devido à Segunda Guerra Mundial. Grande parte da exportação de laranjas da Palestina era importada pela Alemanha Nazista. Os sionistas haviam feito um acordo com Hitler ainda em 1933 que permitiu isso, o Acordo de Haavara. Com a guerra, o imperialismo britânico interrompe essas relações. A crise afetou todos os trabalhadores, como sempre afetou desproporcionalmente os palestinos.
Essa realidade criou uma situação semelhante à da Europa atualmente com a questão dos imigrantes. Os trabalhadores palestinos, por serem muito explorados, acabavam diminuindo também os salários dos europeus sionistas: “a classe trabalhadora judaica é sincera em seu desejo de participar do processo produtivo como uma classe trabalhadora saudável? Então não pode contornar o problema de organizar o trabalho árabe. Apenas elevando os salários mínimos árabes os salários judaicos podem ser mantidos. Apesar das discrepâncias salariais e outras dificuldades políticas, essa organização deve prosseguir com vistas ao sindicalismo conjunto, a menos que os sindicatos se tornem outra ferramenta para a rivalidade nacional ser conduzida de forma mais eficaz em torno da posição privilegiada atual da classe trabalhadora judaica”.
Aqui, a organização expõe a política tradicional da esquerda, que era mais simples antes da criação de “Israel”. Unir os oprimidos, sejam os europeus, sejam os próprios palestinos, na luta contra o imperialismo inglês. O movimento sionista, por sua vez, fazia de tudo para se separar dos árabes. Isso porque seu plano era desde o princípio criar um Estado de apartheid ao estilo da África do Sul. Mas, para isso ter sucesso, a violência na Palestina foi ainda maior.
Ele conclui: “existe um sindicato judaico-árabe no campo dos transportes (transportes controlados pelo governo). Tanto os salários judaicos quanto os árabes estão equiparados aqui, e todos os esforços para aumentá-los de forma eficaz foram bloqueados pela administração da Palestina. No entanto, este sindicato é um exemplo histórico do que está por vir. Na agricultura, também existe um campo fértil para a organização conjunta. Em vez disso, a histadrut [central sindical sionista] concentrou-se em melhorar as condições apenas dos trabalhadores judeus, estabelecendo moradias gratuitas para eles e incentivando e auxiliando de outras formas o assentamento precoce para uma competição mais eficaz”.
O caso é interessante, pois mostra na prática como o sionismo sempre foi um movimento contra a classe operária. Na categoria onde árabes e europeus se uniram, os salários aumentaram para todos. Na categoria onde havia a segregação, os sindicatos garantiam benefícios. Mas, na questão mais importante, a situação dos trabalhadores europeus era pior. Isso acontecia, pois a união dos europeus com os palestinos tendia a criar um Estado único e democrático da Palestina, ou seja, inviabilizaria completamente os planos dos sionistas. Por isso o sionismo sempre fez questão de segregar as populações, às custas também dos próprios imigrantes europeus.