Texto recente publicado pelo Brasil 247 redigido por Tainá de Paula revela o nível de desorganização que o identitarismo trouxe para a luta dos negros e das mulheres. Tainá, que é “arquiteta e urbanista e ativista feminista”, afirma: “fraudes no fundo eleitoral: quem mais perde com esses golpes são as mulheres negras”.
No caso, ela fez referência à operação da Polícia Federal para investigar desvios do Fundo Eleitoral que poderiam chegar a 36 milhões de reais. A PF afirma que visou “desarticular organização criminosa responsável por desviar e se apropriar de recursos do fundo partidário e eleitoral nas eleições de 2022, destinados a um partido político”, e teria cumprido mais de 10 mandados de prisão.
O problema aí não é novidade na política brasileira. Trata-se de uma forma utilizada pela burguesia (e seus partidos) para não gastar as verbas do fundo eleitoral para aquilo que foram destinadas, e recolher esse dinheiro para o próprio bolso dos envolvidos. Isso não é exceção, mas a rotina da burguesia brasileira e seus lacaios.
Mas Tainá acredita que “a operação que vemos a PF deflagrar na manhã desta quarta-feira é a ponta de um iceberg que precisa ser quebrado, valorizando as candidaturas de pessoa que são, realmente, comprometidas com a política coletiva, com o bem estar daqueles que, até então, não foram representados pelos ‘representantes do povo'”.
Isso porque, em um dos casos, o partido investigado (o antigo PSL) teria utilizado uma mulher (Zuleide Aparecida Oliveira) como candidata laranja para cumprir a cota de candidatas femininas, e enviou recursos eleitorais para ela na monta de R$60.000,00 para campanha partidária, mas que ela ficaria apenas com R$15.000,00 e o restante seria entregue ao partido.
“Infelizmente, essa prática é recorrente no Brasil e não vemos punição para os líderes partidários que cometem os crimes. E esses valores poderiam ter sido repassados para candidaturas reais, que possuem projetos de melhorias na qualidade de vida das pessoas que mais precisam, daqueles indivíduos que estão em situação de vulnerabilidade social.
(…)
As mulheres não negras, que ainda circundam os ambientes majoritariamente masculinos, são privilegiadas em detrimento de mulheres negras, que possuem trajetória na luta de bases e que as políticas públicas raramente chegaram para incentivar”, afirma Tainá.
Antes de mais nada, é preciso denunciar o aspecto policialesco que assola o movimento negro e de mulheres. Tudo, absolutamente tudo é caso de polícia, e o resultado disso é pedir, a todo momento, mais prisões, mais investigações, mais e mais penas, fortalecendo aquele que, historicamente, é um dos principais inimigos do negro: o sistema repressivo.
Por isso, ela diz: “infelizmente, essa prática é recorrente no Brasil e não vemos punição para os líderes partidários que cometem os crimes”. Na linha de raciocínio de Tainá e de outros tantos, o problema do negro, homem ou mulher, está na repressão aos crimes. As quase um milhão de almas presas nos campos de concentração do Brasil (penitenciárias) deveriam poder se manifestar sobre essa política.
Por outro lado, o ar da moralidade, de combate à corrupção, que também é parte da esquerda identitária, não pode resultar em uma política de luta progressista diante do problema que é a falta de negros na política brasileira, embora essa população, tal qual as mulheres, seja a maioria do País.
Apesar da burguesia e seus partidos serem, de fato, um poço de criminalidade, o problema está na ditadura que é o processo eleitoral e de formação de partidos no Brasil. Toda burocracia aí envolvida serve, sempre, para manter a situação política e econômica tal como ela se encontra.
Mesmo as cotas para mulheres e para negros, obrigação legal em uma eleição, não resolve a participação de negros e mulheres na política, e não vai resolver. E o problema não deveria ser numérico, pois basta ver Hélio Negão, do PL do Rio de Janeiro, ou Bia Kicis (PL-DF), um negro e uma mulher representantes do que há de mais reacionário no Brasil.
Em se tratando das eleições, ao negro, seria necessário reivindicar que um partido pudesse ser criado com as maiores facilidades possíveis, deveria ser livre a criação de partidos políticos no Brasil. Livre significa sem impedimento, qualquer que seja ele. E que esse partido tivesse os mesmos direitos políticos dos demais partidos, e os mesmos recursos públicos para que possa, pelo menos nesse campo, lutar em pé de igualdade.
Não é com mais operações da Polícia Federal que o negro vai conseguir alterar a correlação de forças na sociedade, alterar seu valor social. Muito pelo contrário. O investimento e apoio para forças e órgãos de repressão servem para reprimir o povo pobre e trabalhador, como sempre foi.
Por outro lado, Tainá afirma que as mulheres negras “possuem trajetória na luta de bases”. É quase que uma afirmação do tipo “político-biológica”. O fato de ser negro seria sinal de “trajetória de luta”. Assim o dizem, também, sobre a comunidade LGBT, que, por algum motivo, seria de esquerda, naturalmente, biologicamente. É um argumento medieval.
A história de luta se faz com um programa de luta. Por isso, o problema da participação do negro e da mulher não pode ser numérico, apenas. O problema, encarado assim, só serve para o TSE editar uma resolução obrigando os partidos a cumprirem uma cota de mulheres e negros, o que é uma invasão na política partidária, uma ditadura, em último caso.
O partido se organiza e faz o que ele bem entender. Essa é a autonomia partidária e de qualquer associação política. Se a composição, o programa e os candidatos dos partidos forem determinados pelo TSE, é melhor deixar um único partido no Brasil. O partido dos ministros do TSE.
As cotas para mulheres e negros nos partidos são uma farsa completa, e servem para enganar as pessoas no sentido de que o regime passa uma imagem de democrático, quando, na verdade, é uma ditadura.