Em carta publicada no Blog do Noblat, do jornal Metrópoles, o ex-governador do Distrito Federal Cristovam Buarque apela aos professores universitários que acabem com a greve nacional das instituições federais de ensino. Fazendo coro aos pedidos da imprensa capitalista, Buarque parte para uma chantagem emocional contra os professores, procurando convencê-los a abandonar as suas reivindicações e culpando-os pelos problemas educacionais no Brasil.
O texto começa já com um apelo muito desonesto. Buarque diz que “faço parte daqueles que nos últimos anos sofrem perda salarial: sou um professor aposentado pela UnB e esta é minha única remuneração. Por esta razão pessoal e por saber da importância do ensino para o progresso do Brasil, entendo a justificativa da luta de todos colegas em greve pela recuperação de nossos salários. Torço, como brasileiro e como professor aposentado, para aue [sic] a greve termine com resultados positivos”.
Se esse argumento fosse válido, não havia nenhuma greve no planeta. Afinal, em todo movimento paredista, há aquele que se vê conformado com as suas condições. Há também aquele que, por temer as consequências de uma greve, finge que suas condições são suficientes. E há ainda aquele que, por ter sido corrompido por seus superiores, de fato esbanja condições mais que suficientes para suprir suas necessidades. Que haja uma pessoa que veja a greve como desnecessária, portanto, não é argumento para que não aconteça uma greve.
O argumento de Buarque, no entanto, além de cínico, é mentiroso. Ele finge que vive a mesma situação de um professor aposentado qualquer. Entretanto, seu salário, de acordo com artigo do jornal O Globo, é de R$23 mil, o que é superior à esmagadora maioria dos docentes. Foi com base na tranquilidade desse salário que Buarque, em 2016, votou a favor do impeachment de Dilma Rousseff (PT), um golpe de Estado que levou ao roubo da aposentadoria de milhões de pessoas, bem como outro conjunto de ataques. Naquela época, Buarque também poderia ter dito: “sou um pobre coitado que recebe um salário de R$23 mil, façam como eu e fiquem felizes também”.
Mas mais importante que o valor nominal do salário de Cristovam Buarque é o fato de que ele é um ex-governador e um ex-senador. Com o prestígio social adquirido e com as relações estabelecidas, dificilmente Buarque passará por algum tipo de necessidade. Tanto é assim que ele está viajando pelo País para lançar o seu mais recente livro, Conversa com Edmar Bacha.
O segundo parágrafo da carta também é um espetáculo de muito cinismo:
“Percebo os custos da greve para o país, o sofrimento de centenas de milhares de alunos com seus cursos interrompidos e dezenas de milhares deles com suas formaturas adiadas: são jovens com seus planos pessoais sacrificados e um pais perdendo pormeses [sic] o trabalho de engenheiros, professores, médicos e outros profissionais de que tanto carecemos. Sei também do custo moral pelo desgaste na opinião pública e entre os jovens que hoje evitam entrar em universidades federais por causa de greves [grifo nosso].”
Aqui, além de jogar nas costas dos professores a responsabilidade por algo que não é culpa sua, Buarque está, na verdade, defendendo o golpe de Estado que ele ajudou a promover. Segundo ele, três a cada quatro jovens entre 18 e 24 anos estão fora das universidades porque (1) eles querem e porque (2) as greves os levou a não querer estudar. É de um cinismo inacreditável, que deixa de lado os cortes orçamentários dos governos golpistas, o teto de gastos e a própria queda nas condições de vida da população, que faz com que muita gente tenha que abandonar os estudos.
O argumento grotesco do “sofrimento de milhares de alunos” é, na verdade, uma apologia do sofrimento dos milhares de professores. A culpa do sofrimento dos alunos é, conforme dito, do próprio golpe de Estado. Por outro lado, ao dizer que os professores não deveriam entrar em greve devido ao transtorno causado, Cristovam Buarque está, na verdade, defendendo que os professores vivam em sofrimento. Isto é, os professores seriam uma categoria que poderia sofrer à vontade, para que assim não causassem o sofrimento de ninguém. É ridículo e só poderia vir de alguém que, como disse o próprio autor da carta, já conseguiu a sua aposentadoria.
Mas o argumento mais calhorda de Buarque ficaria por último. Diz ele:
“A greve é um instrumento último quando os patrões se negam a negociar reivindicações de seus trabalhadores porque não querem reduzir seus lucros. O presidente Lula não é o patrão, porque para aumentar nossos salários terá de reduzir gastos com outros setores tão importantes quanto as universidades.”
Segundo dá a entender, cada R$600 de aumento que o governo Lula desse aos professores, um pobre a mais deixaria de receber o auxílio do Bolsa Família. Afinal, segundo os cálculos do nosso genial professor aposentado, para gastar com os professores, o governo teria de reduzir os gastos em outras áreas sociais. É uma verdadeira palhaçada.
Mais da metade do orçamento federal está comprometido com o pagamento das dívidas públicas, contraídas de maneira criminosa junto aos bancos. Não bastasse isso, as riquezas nacionais estão sendo saqueadas por meio de privatizações como a da Eletrobrás e por meio de operações como o pagamento de superdividendos aos acionistas da Petrobrás. Não falta dinheiro, o problema é que ele está sendo sugado pelos vampiros incrustados no Estado.
Esses vampiros, por sua vez, são os mesmos que organizaram o golpe de 2016. No final das contas, Buarque está apenas defendendo os mesmos interesses que os levaram a ser conhecido como “vovô golpista”.