Imitando a classe média de países imperialistas, os setores mais reacionários da classe média brasileira desprezam o futebol nacional. A esquerda pequeno-burguesa, em vez de defender o futebol brasileiro diante da pressão dos grandes monopólios internacionais, em vez de defendes os seus craques diante dos abutres da grande imprensa, faz coro com o imperialismo jogando lama, a todo momento, em um dos aspectos mais importantes da cultura nacional. Nesse sentido, causa surpresa o empenho do portal Esquerda Diário, do Movimento Revolucionário dos Trabalhadores (MRT), em supostamente defender o atacante Vinicius Júnior, do Real Madrid.
No artigo O último gol de Vini Jr e o futebol da política, um tal Iuri Tonelo, que se apresenta como “Doutor em Sociologia”, comemora “a notícia de que três dos torcedores foram condenados pelo racismo (delito contra a integridade moral) a oito meses de prisão”. Como o autor não se dá ao trabalho a explicar o que aconteceu, apresentaremos, em primeiro lugar, os fatos.
- O “racismo” em questão teria sido os cânticos e gestos praticados por vários torcedores do Valência, clube de futebol espanhol. Não foram apenas três pessoas que o fizeram – seria, na verdade, impossível escutar o que três pessoas gritavam em um estádio com milhares de torcedores. A condenação, portanto, se voltou apenas contra três elementos em meio a uma multidão;
- Ainda que os torcedores tenham disparado ofensas racistas contra Vinicius Júnior, elas não passam de… ofensas. São xingamentos, palavras, e não propriamente uma discriminação motivada pela cor da pele;
- Os três torcedores, para ter a sua pena reduzida de 12 a oito meses de prisão, foram obrigados a assinar uma carta em que pedem desculpas e em que apelam aos espanhóis que eliminem qualquer vestígio de racismo e de intolerância no futebol;
- Os torcedores ainda foram banidos por dois anos de qualquer estádio de futebol;
- Conforme reconhecido pela própria imprensa espanhola, a condenação foi o resultado de um acordo firmado entre a defesa dos torcedores e o próprio Estado espanhol.
Levando os fatos em consideração, não haveria motivo algum para comemoração. O Esquerda Diário, que nunca, em toda a sua existência, publicou um único artigo em defesa do jogador Vinicius Júnior, mesmo quando a seleção brasileira era alvo de uma campanha venal da grande imprensa durante a Copa do Mundo de 2022, não comemora, aqui, qualquer medida que tenha sido positiva para o atacante do Real Madrid. O que o MRT comemora é, no final das contas, o “gol” marcado pelo regime espanhol, que, em um único caso, conseguiu driblar uma quantidade inacreditável de direitos democráticos.
Ao comemorar a decisão, o MRT comemora, por exemplo, que as opiniões possam ser classificadas como ofensa, e que as ofensas sejam equiparadas a um tipo penal. Em outras palavras, o grupo comemora que o regime espanhol tenha transformado opinião em crime. No Brasil, a mesma escola jurídica do MRT está sendo utilizada para dizer que chamar uma pessoa que apoia o assassinato de crianças de “nazista” é uma ofensa e, portanto, um crime. Palmas para o MRT!
O MRT também comemora o impedimento, hoje em vigor no Brasil, de pessoas de frequentarem estádios de futebol. Para quem não gosta de futebol, pode parecer basteira. No entanto, trata-se de mais um direito democrático que está sendo atropelado e, o que é pior, que não está previsto em nenhuma lei. Não é muito diferente de o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) decidir que um militante não possa frequentar a sede de seu partido por dois anos. Uma barbaridade.
Mas o Esquerda Diário terá um bom pretexto para defender os ataques aos direitos democráticos! Afinal, ainda que esteja atropelando os direitos de três pobres coitados que ninguém sabe quem são, a medida teria sido importante para combater a extrema direita (!). É o que diz o nosso emérito Doutor em Sociologia:
“Estão ocorrendo eleições para o parlamento europeu e a notícia indigesta é que vem crescendo de maneira sustentada a extrema-direita no continente. […] Dos distintos elementos que se podem destacar do perfil desses partidos, chama a atenção que todos têm a característica comum de um discurso racista e xenofóbico, contra os imigrantes, de maneira geral bem aberta, ou pouco velada. […] O significado reside que um dos maiores astros do futebol atual, que foi, como ele disse, bastante aconselhado para deixar de lado qualquer coisa política e ‘apenas jogar futebol’, se propôs a enfrentar o racismo, a sua maneira.”
Ora, mas como é possível haver um crescimento da extrema direita e, ao mesmo tempo, um combate a ela, da qual a prisão dos três torcedores seria uma demonstração? Ou não há esse crescimento, ou a Espanha é uma exceção a esse crescimento, ou há uma reação tão forte ao avanço da extrema direita que ela foi capaz de impor a prisão dos rapazes. O que será que aconteceu?
Que o crescimento existe, é um fato incontestável. Em apenas 15 anos, o bloco de extrema direita do parlamento europeu aumentou de 5% para 25%. Em países de grande importância para a dominação imperialista, como a França, a vitória da extrema direita foi arrasadora. Que a Espanha é uma exceção, ninguém poderia concluir tal coisa. O principal partido da extrema direita do país, o Vox, cresceu pela quarta eleição seguida. O partido saltou de 6% para quase 9,6% e se sentiu tão à vontade com o resultado que seu presidente, Santiago Abascal, pediu que o primeiro-ministro, Pedro Sánchez, seguisse o exemplo do francês Emmanuel Macron e convocasse novas eleições. Por fim, a ausência de qualquer reação ao avanço da extrema direita pode ser verificada tanto pelo resultado eleitoral do Vox, que aconteceu no mesmo momento da condenação dos três torcedores, quanto no fato de que não há um movimento de massas se enfrentando com a extrema direita. Não há grandes enfrentamentos entre os imigrantes e a polícia, não há manifestações massivas contra a extrema direita, nem nada parecido.
O que explica, então, a contradição? Ora, o fato de que não há contradição. A condenação dos torcedores não é, em absolutamente nenhum aspecto, uma derrota para a extrema direita. Nem tampouco, como visto na discussão sobre os direitos democráticos, uma vitória para a esquerda. A condenação é uma vitória para os elementos repressivos do regime, que defendem que os direitos democráticos sejam suprimidos pela força. Trata-se, portanto, de uma vitória para a extrema direita.
Tanto a questão do racismo não importa para o Vox que o seu secretário-geral e vice-presidente, Ignacio Garriga, que é negro e filho de imigrantes equatorianos, também faz demagogia com o assunto. Em um debate, afirmou que “condenamos o racismo, a homofobia, o machismo” e que esperava que a esquerda “faça o mesmo com os seus aliados totalitários e filoterroristas”. Em discurso realizado no ano de 2023, Garriga comentou os xingamentos a Vinicius Júnior, dizendo que “a Espanha não é uma nação racista” e que “não se pode banalizar algo tão sério”. O dirigente ainda disse sofrer racismo no parlamento por ser negro e que era obrigação do país combater “todos os que se acham maior que outros, que querem atacar os outros pela cor da pele, por defender ideias políticas, por defender a Espanha, por atacar aqueles que tem uma orientação sexual diferente”.
O Vox tem, portanto, o mesmo programa do MRT: é preciso colocar na cadeia o cidadão que faz algum gesto considerado racista. Enquanto o combate ao racismo for isso, a extrema direita não se sentirá minimamente incomodada.
Pelo contrário. Para a extrema direita, quanto mais leis repressivas, quanto mais fechado o regime, menor será a capacidade de os trabalhadores reagirem à política criminosa dos capitalistas espanhóis. E, assim, mais fácil para a burguesia espanhola, seja por meio do Vox, seja por meio de um governo que se diga “social-democrata”, calar qualquer movimento de contestação.