Há 60 anos, no dia 12 de junho de 1964, o poder judiciário sul-africano condenava Nelson Rolihlahla Mandela, do partido Congresso Nacional Africano (CNA), à prisão perpétua, por incitar greves, por deixar o país sem permissão e outras duas acusações. A promotoria sul-africana, por sua vez, pedia a pena de morte contra Mandela, que passaria 27 anos preso pela ditadura do país.
Em meio à efervescência revolucionária que vivia a África do Sul, Mandela seria solto em 1990, dando início a uma transição do regime de apartheid, sistema de segregação racial criado pelo colonialismo britânico e institucionalizado na África do Sul a partir de 1948. O termo “apartheid” significa “separação” em africâner, e o regime foi caracterizado pela separação legal e forçada das raças, privilegiando a minoria branca e oprimindo a maioria negra.
O regime social acabaria com a eleição de Mandela para a presidência, porém a vitória do candidato do CNA teria uma outra função especial: por fim à insurreição revolucionária que se operava no país africano.
Ainda em 1976, estudantes negros promovem o Levante de Soweto (distrito negro da capital, Joanesburgo), em protesto à barreira burocrática criada para dificultar o acesso dos alunos negros às escolas secundaristas. Estima-se que entre 10 e 20 mil estudantes protestaram contra as medidas da ditadura sul-africana, que respondeu com uma repressão brutal, com um número incerto de mortos, chegando a 700 em algumas estimativas, entre eles, Hector Pieterson, de apenas 13 anos.
O massacre colocaria o movimento contra o apartheid em uma defensiva, mas ao longo dos anos 1980, a mobilização popular cresceria novamente. Em 21 de março de 1985, manifestantes dirigiram-se ao cemitério da cidade de Langa, para um funeral de uma vítima da ditadura sul-africana. A exemplo do que ocorreu incontáveis vezes na Palestina, os funerais frequentemente se transformavam em protestos políticos contra o apartheid, porém, naquela ocasião, a ditadura decidiu intervir.
Armadas e em veículos blindados, forças de repressão interceptaram a procissão, com a polícia abrindo fogo contra os manifestantes. Pelo menos 35 pessoas foram assassinadas muitas outras feridas. O Massacre de Langa de 1985 foi o mais sanguinário desde o Levante de Soweto, mas, antes deste, a mesma cidade seria palco de outro, em 1984, quando a polícia atirando contra manifestantes que protestavam contra o aumento das tarifas do sistema de transporte.
Já no começo de 1986, no distrito de Gugulethu (próximo à Cidade do Cabo), a ditadura assassina sete membros do movimento de resistência armada, ligados ao uMkhonto we Sizwe ou MK, o braço armado do CNA, mortos em uma emboscada. Apesar da crescente selvageria da repressão sul-africana, os movimentos de libertação crescem e se radicalizam ao longo da década, obrigando o imperialismo a partir para uma política de arrefecer o espírito revolucionário cada vez maior, por meio de alguém que mandara prender décadas antes: o próprio Mandela.
Era a política de “entregar os anéis para salvar os dedos”. Tirado da cadeia em 1990, Mandela disputa as eleições, marcada para 1994. Antes, em abril de 1993, Chris Hani, líder do MK e do partido comunista sul-africano, representando a ala revolucionária do CNA, é assassinado por um fascista polonês. Na mesma noite, Mandela vai à televisão do país fazer um pronunciamento apaziguador:
“Um homem branco, cheio de preconceito e ódio, veio ao nosso país e cometeu um ato tão hediondo que nossa nação inteira agora oscila à beira do desastre. Uma mulher branca, de origem bôer, arriscou sua vida para que pudéssemos conhecer esse assassino e fazer justiça”.
O CNA conquista 62% dos votos nas eleições de 1994 e, com isso, Mandela é alçado ao posto de presidente do país. Seu governo seria marcado por criar a Comissão da Verdade e Reconciliação, que, como o nome indica, estava encarregada de apurar os crimes cometidos pela ditadura sul-africana contra as massas pobres e negras, mas nada além de torná-los conhecidos.
Uma transição entre o regime do apartheid e pós-apartheid é realizada, similar à operada no Brasil após a Ditadura Militar (1964-1985). Os brancos mantiveram o domínio da política econômica, com grande parte das possessões fundiárias nas mãos da minoria branca e a maioria negra ainda na miséria. Décadas depois, porém, o imperialismo busca retomar o controle perdido, pressionando o CNA para uma política direitista e colocando o regime político da África do Sul sob novo impasse.
Com uma crise interna intrinsecamente ligada à crise externa que assola o imperialismo, África do Sul se alinhou aos BRICS, o conjunto das nações atrasadas mais desenvolvidas e importantes do mundo, sendo, porém, o calcanhar de Aquiles desse bloco de enfrentamento à ditadura dos países desenvolvidos. Em alguma medida, o cenário político sul-africano equipara-se ao do também membro dos BRICS, o Brasil, governado pelo PT.
O acirramento da crise mundial coloca ao CNA a necessidade de afirmar sua política, se governa para os brancos, o que será uma operação insustentável para o partido, ou se faz um acordo com a esquerda e radicaliza ainda mais o país. Será preciso aguardar o desenvolvimento dessa situação fluida em que o país africano se encontra, porém é certo que o acordo responsável por tirar Mandela da cadeia e alçá-lo à liderança do país acabou.