Numa coluna sobre tecnologia é praticamente impossível não falar sobre monopólios. A indústria da computação, nascida num estágio avançado da era imperialista, praticamente não conhece o mercado de livre concorrência. Na última semana, as ações da NVIDIA, empresa de tecnologia dedicada ao projeto de chips de alto desempenho, ultrapassaram a marca dos US$3 trilhões de valor do mercado, mantendo o crescimento aparentemente perpétuo do índice NASDAQ 100, que acompanha as 100 maiores empresas não financeiras listadas no mercado de ações Nasdaq.
O número é astronômico, mas, de certa forma, também são os feitos da empresa. Alguns leitores devem conhecer a marca por suas placas de vídeo, dedicadas a renderizar imagens, usadas principalmente para jogar videogames. Seu uso em computadores pessoais também se expande para rápida codificação de vídeo (usada para acelerar transmissões pelo YouTube, por exemplo), para simulações científicas e, inclusive, para a infame mineração de criptomoedas.
Nenhuma dessas aplicações, porém, explica o recente crescimento no valor das ações da empresa. A NVIDIA achou um mercado gigantesco em centros de processamento de dados, com demanda cada vez maior por chips aceleradores, em função de sua aplicação em inteligência artificial. Basicamente, do consumo individual ao uso corporativo, a NVIDIA dominou o mercado de chips aceleradores e, por isso, seu valor mais que triplicou no último ano. Na verdade, quem comprou papéis da empresa cinco anos atrás, antes da corrida da “inteligência artificial”, viu seu valor aumentar em 3.363,14%.
É a consolidação de mais um monopólio norte-americano de alta tecnologia e seu funcionamento segue a cartilha dos demais. A NVIDIA é uma empresa fabless, isto é, “sem fábrica”. Ela não fabrica os chips que projeta, que, em sua maioria, são fundidos em Taiuã e montados na China. As empresas que cuidam desses processos, fundamentais para que os chips existam no mundo real, não valem uma fração da nova menina dos olhos do mercado financeiro.
É como suas companheiras: Apple e Microsoft. Como diz a etiqueta dos produtos da empresa fundada por Steve Jobs: Designed in California, manufactured in China. Para além das montadoras desses chips (que necessitam diversos componentes), há os fabricantes do maquinário necessário para sua fabricação, que poucos sequer sabem o nome.
Assim como é o caso de grandes montadoras de automóveis, essas empresas que projetam chips dominam a cadeia produtiva e limitam acesso a peças e às próprias fábricas às suas concorrentes. Fábricas de chip são um dos produtos em maior escassez no mercado internacional: 50% da fabricação mundial acontece apenas na ilha de Taiuã. O número aumenta ainda mais quando se trata de chips de alto desempenho.
Reforçando, a NVIDIA ultrapassou a marca dos US$3 trilhões. Juntou-se a outros dois monopólios gigantescos e já está longe da Alphabet (Google), avaliado em pouco mais US$2 trilhões. É um retrato, em muitos aspectos, da dominação econômica mundial do imperialismo norte-americano. Empresas de alta tecnologia, que detém determinada propriedade intelectual (essência de seu valor), e que, como ventríloquos, controlam as forças produtivas espalhadas pelo globo, raramente localizadas em solo norte-americano. Os valores que desafiam o senso comum completam a imagem de um imperialismo dominado pela especulação financeira.
A febre da inteligência artificial veio para ficar? Parece estar perdendo um pouco de tração, mas os chips projetados pela NVIDIA ainda terão muitas aplicações, especialmente militares. O avanço da NVIDIA não se refletiu num aumento na acessibilidade de sua tecnologia e, não por acaso, seu CEO e co-fundador, Jensen Huang, falou em recente palestra na Computex sobre a “inflação da computação”. Não é uma inflação real, é apenas a NVIDIA cobrando o preço que o mercado suporta em favor de seus acionistas, isto é, impostos coletados por uma empresa que ocupa uma posição monopolista. Não deixa de ser um desenvolvimento tecnológico, mas não podemos deixar de imaginar como esse desenvolvimento se daria num outro cenário econômico, sob outro modo de produção.