O juiz Fabricio Reali Zia, do Juizado Especial Criminal da Barra Funda (TJ-SP), condenou o jornalista Luan Araújo a oito meses de detenção, convertidos em prestação de serviços comunitários, e ao pagamento de multa, por suposta difamação contra a deputada bolsonarista Carla Zambelli (PL-SP). Em sua sentença, Zia utiliza o argumento de que as liberdades de expressão e de imprensa não são “absolutas”, mas limitadas, não podendo ser invocadas quando se trata da honra de uma pessoa.
Ainda, o togado considerou “discurso de ódio” críticas feitas pelo jornalista à deputada, que a poucos dias do segundo turno das eleições gerais de 2022, o perseguiu empunhando uma arma. Publicada pelo portal Poder 360 (que pode ser lida na íntegra aqui), a sentença é um indicativo da fragilidade da liberdade de expressão no País, atacada sem a menor cerimônia.
“Os dizeres de que esta [Zambelli] ‘segue com uma seita de doentes’ e de que ‘segue cometendo atrocidades atrás de atrocidades’ excederam os limites do razoável, prejudicando a imagem e a reputação da vítima perante terceiros, não guardando conexão com o exercício de informar ou de mera crítica, consubstanciando em discurso de ódio”, declarou Zia no despacho.
O fato teve repercussão nacional, sendo tema de coluna escrita por Araújo e publicada no sítio Diário do Centro do Mundo, o que posteriormente seria alvo de processo pela bolsonarista, que diz representar a defesa dos direitos democráticos como a liberdade de expressão. O caso, no entanto, mostra de maneira claro que a exemplo de outros direitistas, Zambelli não é nada além de uma demagoga, plenamente capaz de pedir censura a jornalistas, conforme seu interesse oportunista.
Zia afirmou ainda que a intenção de Araújo de difamar a deputada fica clara ao escrever que: “Zambelli, que diz estar com problemas, na verdade, está na crista da onda. Continua no partido pelo qual foi eleita, segue com uma seita de doentes de extrema direita que a segue incondicionalmente e segue cometendo atrocidades atrás de atrocidades“.
“Assim”, continua o juiz, “registro e repiso que não está em julgamento a posição social das partes, seus gêneros, suas etnias, suas posições políticas ou qualquer fato que não esteja relacionado com o julgamento de crime contra a honra por eventual excesso de linguagem”.
“Apesar do argumento defensivo de que a ‘seita de doentes de extrema-direita’ seria quem, de fato, ‘seguiria cometendo atrocidades atrás de atrocidades’, verifica-se que o sujeito das duas orações do referido parágrafo é mesmo a querelante, seja na do início: ‘Zambelli, que diz estar com problemas, na verdade está na crista da onda (…)’, como na abertura da segunda oração em que é utilizado um sujeito oculto para conjugar o verbo ‘continuar’ e, desta forma, nitidamente os termos utilizados pelo querelado se referem à Zambelli, de forma elíptica, pois extrai-se da interpretação gramatical que esta é quem ‘segue cometendo atrocidades atrás de atrocidades’.”
“A liberdade de expressão, como é cediço, não pode ser entendida como possibilidade de se proferir discurso de ódio, que se configura como violência comunicacional, violência que atinge atributo do próprio ser humano que é sua honra e sua dignidade. O ‘hate speech‘ é o discurso que exprime uma ideia de ódio, desprezo ou intolerância contra determinados grupos ou pessoas, menosprezando-os, desqualificando-os ou inferiorizando-os, motivado por preconceitos ligados à religião, etnia, gênero, orientação sexual, ou mesmo grupos políticos adversários, como se verifica no presente caso.”
A sentença de Zia reconhece que direitos como “liberdades de expressão e de imprensa e o exercício do direito de opinião, apesar da proteção constitucional” são limitadas “conforme a legislação penal”. Trata-se de um paradoxo jurídico.
Apesar disto, o despacho do magistrado é praticamente uma admissão envergonhada de que o togado reconhece estar atropelando direito constitucional, mas manterá sua decisão. Em comentário publicado pelo g1, o advogado Renan Bohus, defensor do jornalista ameaçado, afirmou que vai recorrer da sentença emitida por Zia. Além disso, Bohus também anunciou que apresentará, na próxima semana, um pedido no Supremo Tribunal Federal (STF) por violação à liberdade de imprensa.
“A defesa do Luan discorda da sentença condenatória, pois Luan jamais teve a intenção de difamar a Deputada Carla Zambelli, inclusive Luan é jornalista e estava no exercício de sua profissão, usufruindo do direito constitucional a liberdade de expressão e liberdade de imprensa quando fez críticas ao seguimento político em que a deputada faz parte.”
O fato de um jornalista ser perseguido por uma deputada armada e não poder reagir denunciando a ameaça sofrida demonstra, de maneira muito clara, porque a esquerda deve abandonar definitivamente a política reacionária de lutar contra o “discurso de ódio”. Fica evidente que, na prática, o entendimento dos juízes sobre o que é “discurso de ódio” coincidirá, inevitavelmente, com os interesses da burguesia, o que, por outro lado, está diretamente ligado à luta política da classe dominante para manter seu sistema de opressão funcionando, isto é, oprimindo o povo.