Nessa quarta-feira (5), o Senado Federal aprovou, em votação considerada “simbólica”, a taxação de 20% para compras internacionais de até 50 dólares (aproximadamente R$265). A medida causará um impacto principalmente nos produtos que são adquiridos nos portais asiáticos para compras virtuais, como é o caso da AliExpress, da Shein e da Shopee. Anteriormente, compras nesse valor eram isentas de imposto de importação.
Ainda que, anteriormente, os compradores não pagassem uma taxa por compra internacional, as vendas de produtos na Internet já acarretavam pagamento de um tributo altíssimo: o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), que incide em 17% no valor do produto. Com o advento do novo imposto, a carga tributária para compras internacionais de até R$265 poderá chegar a 44,5%.
A medida praticamente inviabiliza a compra desses produtos para grande parcela da população. Ela fará com que o preço dos produtos praticamente dobre, devido à altíssima carga tributária. Trata-se de uma medida, portanto, que liquida o grande atrativo dessas empresas: o seu baixo custo em relação ao mercado brasileiro, o que é possibilitado pela baixa mão de obra asiática e por sua capacidade de escoar sua produção pelo mundo inteiro.
A medida foi considerada “simbólica” porque não enfrentou resistência no Senado. No dia 29 de maio, a Câmara dos Deputados já havia aprovado o projeto de lei. Na oportunidade, o governo federal e o Congresso Nacional já haviam chegado a um acordo. A taxação de compras internacionais foi uma condição da burguesia brasileira, que perde na concorrência com os portais asiáticos, para que o governo conseguisse aprovar o seu plano de incentivo à indústria automobilística, o projeto de lei (PL 914/2024), que institui o Programa Mobilidade Verde e Inovação (Mover). O objetivo do projeto é disponibilizar incentivos financeiros de R$19,3 bilhões durante cinco anos e reduzir o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para estimular a pesquisa e o desenvolvimento de soluções tecnológicas e a produção de veículos com menor emissão de gases do efeito estufa. O presidente Lula era inicialmente contra o projeto, mas acabou cedendo às negociações.
Além da taxação sobre compras de até 50 dólares, ficou estabelecido ainda o imposto de 60% sobre compras internacionais cujo valor esteja situado entre 50 e 3.000 dólares.
A aprovação do novo imposto é mais uma demonstração de como o imposto sobre o consumo é um ataque fundamentalmente contra os setores mais pobres da população. Segundo um relatório do Itaú BBA, apenas a Shein já domina 27% do comércio virtual (e-commerce) de roupas e calçados no Brasil e 5% de todo o varejo de vestuário no País. Em 2022, a empresa vendeu quase R$8 bilhões no Brasil e quadruplicou de tamanho. Os dados mostram como uma situação internacional específica possibilitou a um amplo setor da população encontrar um meio para driblar os preços abusivos do mercado interno. Os produtos vendidos pela Shein, em geral, não são artigos de luxo, mas sim os artigos que podem ser encontrados na galeria da esquina, mas com o dobro do valor.
Apenas em 2022, os brasileiros gastaram mais de R$50 bilhões em mercadorias internacionais, especialmente da China e do Vietnã. De acordo com a Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo (SBVC), o volume representa 20% de todo o comércio virtual brasileiro. O aplicativo da Shopee, com sede em Singapura, que opera em vários países do sudeste asiático e também no Brasil, se tornou o mais baixado do Brasil entre as varejistas, superando empresas locais como Magazine Luiza e Casas Bahia. Outro destaque é o AliExpress, que, além de faturar com as vendas dos produtos dos lojistas ligados a sua plataforma, vende anúncios dentro da sua ferramenta de busca.
Do ponto de vista fiscal, o problema do imposto sobre consumo está no fato de que, proporcionalmente, o salário do trabalhador é muito mais gasto em consumo do que o salário de uma pessoa rica. Um operário com R$3.625 na conta, já descontado o imposto de renda, vai basicamente gastar esse dinheiro com a compra de alimentos, com transporte, com a compra de medicamentos, com a compra de combustíveis, se tiver carro, e com o aluguel de sua casa. Praticamente tudo é considerado “consumo” – e, portanto, é taxado. O juiz, por outro lado, não gasta todo o seu salário e dedica sua maior parte em investimentos e propriedades, que não são taxadas como consumo e, muitas vezes, sequer são taxados. Se ele for acionista da Petrobrás e receber dividendos por isso, por exemplo, não será taxado. Se ele comprar uma lancha, também não será taxado por isso.
Ainda que o governo precise aumentar a arrecadação para conseguir driblar as imposições da política neoliberal, que pressiona Lula para “cortar gastos”, a taxação sobre produtos baratos será um tiro no pé. Não resolverá o problema da arrecadação, manterá os ricos isentos de pagamento de impostos e, acima de tudo, fará com que o governo perca apoio, em um momento no qual o apoio popular é a única força com a qual o governo pode contar no enfrentamento com a direita.