Nesta terça-feria, 4 de junho, em sessão da primeira turma do Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro Flávio Dino se contradisse em seu entendimento anterior, afirmando que o termo “nazista” não caracteriza ofensa pessoal.
O processo em tela é uma queixa-crime do deputado federal Gustavo Gayer (PL-GO) contra o deputado José Neto (PP-GO). A ocorrência é de junho de 2023, quando, em meio a um podcast, Nelto caracterizou Gayer como “fascista”, “nazista” e “idiota”.
Na ocasião, Neto ainda denunciou que Gayer foi a Brasília “bater numa enfermeira”, conforme vídeo de um protesto de funcionários do Conselho Federal de Enfermagem (Cofen) publicado em 2020.
Diante as críticas, Gayer processou Nelto, que, em abril, resultou em um parecer pela Procuradoria Geral da República (PGR), favorável à acusação. Acerca desta, o vice procurador-geral da República, Hindemburgo Chateaubriand Filho, se manifestou, dizendo que “ultrapassou os limites da liberdade de expressão e os contornos da imunidade parlamentar” e que “a liberdade de expressão é direito individual de índole constitucional, porém, sem caráter absoluto. Não se presta, por isso, como escudo para a prática de infrações penais”.
Devido à imunidade parlamentar, o caso passou ao STF, com Cármen Lúcia como sua relatora, manifestando voto favorável ao recebimento da queixa-crime. O voto foi seguido parcialmente por Dino.
A posição de Dino
O fato que ocasionou sátiras na imprensa, como “Dino evoluiu?”, foi a mudança de posicionamento do ministro, digna dos melhores malabaristas. Na votação, o ministro assumiu a posição esperada dentro de um Estado de Direito.
Dino teria declarou que: “Eu considero que a palavra nazista, fascista, não possui o caráter de ofensa pessoal ao ponto de caracterizar calúnia, injúria, difamação. É uma corrente política estruturada, na sociedade, no planeta”.
“Nazista, fascista, extrema-direita, extremista, é da ditadura, apoiou a ditadura militar, não apoiou, defende a democracia, defende o comunismo, é a favor do Muro de Berlim, essas coisas todas, que são ditas há décadas, fazem parte, infelizmente, de um certo debate político, entre aspas, normal. Mas dizer que alguém matou, agrediu outrem, a meu ver, não se encontra, a princípio, acobertado pela imunidade”, complementou o ministro.
O posicionamento natural sobre a matéria acaba gerando espanto pelo histórico do ministro, que, em outra ocasião, processou dois cidadãos em cenário semelhante.
Dino, o inquisidor “gordola”
Um caso de censura e processo por motivo trivial foi a queixa-crime do então ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, contra o apresentador Bruno Aiub, conhecido como Monark. Na época, Dino teria postado na rede social X que: “quanto aos criminosos que ofendem a minha honra, confio no Poder Judiciário, a quem entrego tais casos”.
A representação de Dino acusou Monark de calúnia, difamação e crime contra a honra, após referencias a condição de obesidade. Ainda foi solicitado equiparação a ofensa contra servidor em exercício, reparação pecuniária, retirada do vídeo e retratação.
Um repressor desde sempre
O caso que melhor ilustra a existência de vários pesos e medidas para o ministro Dino é do processo contra o maranhense Everildo Bastos Gomes. Em 2018, após ser caracterizado por Gomes, na rede social Instagram, como fascista, o então governado do Maranhão, Flávio Dino, o processou por calúnia e propaganda eleitoral negativa antecipada.
Gomes, em seu modesto perfil com pouco mais de 2,5 mil seguidores, havia criticado Dino, lançando-lhe a alcunha de “ladrão”, caracterizando como nazista e repercutindo a hashtag “#DinovoNÃO” nas redes sociais.
O Tribunal Regional Eleitoral (TRE) maranhense deu causa a Dino, arbitrando uma multa de R$5 mil a Gomes. Condenação mantida em maio de 2021 no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Em seu voto, Luis Roberto Barroso afirmou que:
“Embora alguns julgados do TSE tenham reconhecido que a divulgação de publicação antes do período permitido que ofenda a honra de candidato constitua propaganda eleitoral negativa extemporânea, não é, penso eu, qualquer crítica contundente a candidato, ou mesmo ofensa à honra, que caracterizará propaganda eleitoral negativa antecipada, sob pena de violação à liberdade de expressão”.
Entretanto, a maioria dos magistrados aderiu à tese da acusação de que houve propaganda negativa antecipada prejudicial a Dino, colocando como lastro do entendimento a caracterização como nazista. Posição maturada no voto do ministro Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, que hoje advoga em causa do ex-presidente Jair Bolsonaro nas ações de inelegibilidade que tramitam no TSE.
“Dúvida não há, ao meu modesto sentir, que as expressões pelo representado do ora agravado, a exemplo da pecha de nazista, ofenderam inexoravelmente a honra do governador Flávio Dino, consubstanciando discurso de ódio passível de enquadramento no campo da propaganda eleitoral antecipada na sua modalidade
Os fatos são públicos. Dino, simbolizando o nosso sistema judiciário, alterou-se conforme o réu. Quando se tratava de um blogueiro perseguido pelo Estado brasileiro, ou um ilustre desconhecido do Maranhão, estamos passíveis de qualquer arbitrariedade. Mas quando se está lidando com agentes políticos de determinado vulto, como os deputados em litígio, às vezes, voltamos ao que deveria ser a normalidade, em que ninguém deveria ser processado por realizar uma caracterização política.
O caso Gustavo Gayer contra José Nelto, põe por terra a censura absurda contra aqueles que criticam as autoridades públicas. Críticas a autoridades públicas não caracterizam uma ofensa pessoal. Ao contrário, quaisquer queixas contra as autoridades públicas revela uma desaprovação de sua política e devem ser tratadas como tal.