O jornalista Moisés Mendes, em sua coluna no site Brasil 247, lança a pergunta: “O que nos resta é pegar Sergio Moro como caluniador?”. O jornalista lamenta, com razão, que Moro não tenha sido condenado por todas as ilegalidades que cometeu à frente da Lava Jato, e sim por fazer troça com o nome do decano do STF. Moro acaba de ser condenado pela corte suprema pelo crime de calúnia, cometido contra Gilmar Mendes.
O vídeo que circula pela internet mostra Sergio Moro numa festa junina, supostamente entre amigos, fazendo o que hoje chama de “piada infeliz”, na qual fala em “comprar um habeas corpus do Gilmar Mendes”. O fato é que ninguém se escandaliza, o clima é de descontração. Nada parece indicar que a reputação do ministro Gilmar Mendes vá ser abalada por causa da pilhéria. Ocorre, porém, que a coisa toda foi filmada e, naturalmente, foi divulgada nas redes sociais.
Segundo o entendimento do STF, houve crime de calúnia, a modalidade mais grave de ofensa à honra, pois Moro teria imputado um crime a Gilmar Mendes. Se estivesse em causa o mérito da questão, isso seria discutível, uma vez que o lava-jatista não fez uma acusação específica etc. etc. Como apontará Moisés Mendes, em seu artigo, o buraco é mais embaixo. Se não, vejamos.
O próprio Sergio Moro já tinha sido chamado por Gilmar Mendes de “ladrão de galinhas”. Na ocasião, Editorial do 247 comemorava:
Agiu muito bem, com sua sinceridade habitual adequada aos tempos excepcionais impostos ao país, o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, ao dirigir-se ao ex-juiz Sergio Moro classificando, a ele e ao ex-procurador Deltan Dallagnol, sonoramente como “ladrão de galinhas”.
E explicava: “O pito de Mendes em Moro ocorre em meio ao julgamento da legalidade da eleição deste como senador, no âmbito do Tribunal Regional Eleitoral (TRE) do Paraná, e de sua atuação como juiz, no Conselho Nacional de Justiça”.
O eventual leitor destas linhas por certo considerará mais grave acusar um juiz de vender habeas corpus, mesmo sendo uma brincadeirinha em ambiente informal, do que atribuir a outro juiz, mesmo que sonora e publicamente, o epíteto de ladrão de galinhas. Seria bem interessante ver a corte suprema debruçada sobre os dicionários e alfarrábios para mensurar o alcance da expressão “ladrão de galinhas”.
Enquanto os magistrados resolvem suas picuinhas nos tribunais, os simples mortais vão-se acostumando aos “tempos excepcionais impostos ao país”, em que fala o que quer quem pode pagar. Uma jornalista do canal 247 comentava candidamente que agora não se pode “xingar” de “fascista”, porque é crime, e a outra respondia que iria “tomar cuidado”.
Segundo artigo publicado no site JusBrasil, o entendimento de que chamar de fascista é crime data de 2017, quando a revista Carta Capital foi condenada a pagar uma indenização de R$ 15 mil a uma vítima da referida injúria em texto de reportagem. Sendo assim, resta saber se chamar o Bolsonaro de fascista também é crime, pois toda a imprensa e boa parte das redes sociais o caracterizam sistematicamente dessa forma.
Ao que tudo indica, os processos de injúria não avaliam a propriedade ou não do emprego do termo, afinal, que tribunal poderia julgar o merecimento da alcunha? Seria Moro, de fato, um ladrão de galinhas? Seria Bolsonaro, de fato, fascista? É injúria tudo aquilo que for sentido como tal pelo atingido.
Só para não dizer que não falamos de flores, vamos rememorar que essa onda começou com as palavras preconceituosas que os identitários apresentavam como um vocabulário estruturalmente racista, misógino, homofóbico…
Listas de expressões cotidianas eram divulgadas como potencialmente criminosas, marchinhas de Carnaval eram banidas da festa por suas letras “incorretas”, Chico Buarque deixou de cantar “Com Açúcar e com Afeto” para evitar cometer algum tipo de “violência musical”, livros de grandes escritores ganharam versões remendadas com “atualização de vocabulário”, aventou-se a reedição com cortes do “Sítio do Pica-pau Amarelo”, de Monteiro Lobato, para que as crianças não “fossem expostas” a um vocabulário “incorreto”, pessoas eram apontadas como racistas pelo interlocutor por usarem termos como “denegrir”, “escravo” ou “índio” – e por aí afora.
Quem não tiver dinheiro para pagar indenizações vai acabar ficando bem quietinho. Afinal, como qualquer um pode se sentir ofendido com qualquer coisa, se o caso der com os costados em algum tribunal, a decisão judicial, bem como o valor da indenização em caso de condenação, só pode depender da subjetividade do julgador. Caluda!