Neste sábado, dia 1 de junho, o jornal Gazeta do Povo publicou uma coluna intitulada As enchentes e o debate burro sobre o papel do Estado, assinada por Guilherme Macalossi. O colunista busca livrar Eduardo Leite (PSDB) de qualquer responsabilidade pelas enchentes no Rio Grande do Sul, assim como defender o neoliberalismo, o corte nas áreas sociais como consequência de uma suposta “responsabilidade fiscal”, ou seja, a destinação do orçamento público não à população, mas ao capital financeiro.
“Questionado pela Folha de São Paulo sobre os reiterados alertas de chuvas no Rio Grande do Sul e as medidas tomadas para lidar com possíveis enchentes, o governador Eduardo Leite admitiu a existência de estudos e informes meteorológicos, mas que o governo ‘vive outras pautas e agendas'”,
E apresentou a justificativa furada de neoliberais, inimigos do povo, para destruir o serviço público, deixando servidores sem salários, sucateando os serviços com terceirizações que prestam serviço rebaixado e contratam funcionários em regime de absoluta precariedade e falta de direitos. No entanto, segundo Guilherme Macalossi, Leite (PSDB), apesar de toda a destruição da qual o inocenta, pecou num ponto, e separamos o parágrafo em dois para facilitar a visualização do argumento:
“Da forma como se expressou, o tucano deu a entender que a responsabilidade fiscal se contrapõe à ideia de prevenção.”
“Por óbvio, dada a realidade climática, seria uma visão no mínimo ingênua. Quanto será dispensado para a reconstrução das estruturas públicas e privadas? Todas as projeções são incipientes. Estimativas iniciais apontam para mais de R$ 200 bilhões em perdas. Todo o esforço de melhoria das condições administrativas do estado acabou por água abaixo, literalmente. Até mesmo a capacidade arrecadatória foi comprometida, uma vez que mais de 90% das empresas acabaram afetadas. Sem prevenção não há responsabilidade fiscal, e nem mesmo economia.”
Fato, a chamada “responsabilidade fiscal”, ou seja, a priorização da transferência do orçamento público a especuladores e banqueiros, se constitui no corte das áreas sociais, portanto, da prevenção. Isso ocorre em todos os sentidos. Os cortes na área de saúde impedem a atenção preventiva, o que gera doenças e ferimentos mais graves, e o agravamento dos quadros de saúde, o que encarece o tratamento. O não investimento em saneamento gera custos elevados posteriores com gastos em doenças de simples prevenção. Da mesma forma, a defesa civil, a prevenção de enchentes. A situação se repete em todas as áreas sociais. O colunista aplica uma demagogia que não explica a questão. Sim, o não investimento em prevenção é irracional, não faz sentido lógico algum. Exceto, é claro, que seja considerado o interesse econômico daqueles que controlam o governo, órgãos de imprensa, e jornalistas.
“No Século XXI, entretanto, o capitalismo incorporou o conceito de preservação. Hoje ele está menos atrelado ao Greenpeace e mais aos fundos de investimento, muitos deles condicionados na alocação de recursos em países mediante compromissos específicos com a agenda da sustentabilidade”.
“O crédito de carbono e o desenvolvimento de combustíveis alternativos são apenas dois vetores de geração de riqueza e desenvolvimento que se tornaram proeminentes em fóruns globais. Ignorar isso é brigar com a realidade e ficar alheio à própria renovação do livre mercado”.
Ora, se os fundos de investimento e o capital financeiro estão tão empenhados na questão sustentável, por que pressionam pelo corte nas áreas de pesquisa? Por que patrocinaram o golpe de 2016, que retirou das universidades nacionais as verbas necessárias para desenvolver projetos como o MagLev (trem magnético) da UFRJ? É óbvio, o redator se engaja na mais pura demagogia, na falsificação.
Se a preservação é necessária, por que o centro do capitalismo, os países imperialistas, têm a maior indústria de guerra, e fazem a maior aplicação desta? Seriam os conflitos militares formas de preservação do meio ambiente? A produção desenfreada de armas e munições, veículos blindados, não seria danosa ao meio ambiente, visto que não possuem qualquer valor real no sentido produtivo? Guilherme Macalossi nada mais faz do que defender o regime econômico que o remunera, enquanto joga na miséria e destrói a vida de bilhões de pessoas por todo o mundo.
”Com a tragédia climática no Rio Grande do Sul, uma fúria estatizante parece ter recobrado o vigor político. Prosélitos da burocracia entendem que a amplitude dos estragos causados é resultado direto do que chamam de políticas de ‘Estado mínimo’, que teriam desestruturado ou desarticulado órgãos que garantiriam a segurança das regiões urbanas e a qualidade de serviços fundamentais. Estes ignoraram que foi a falência das estruturas públicas que potencializou o caos. E nesse particular, é até possível concordar com a leitura feita por Eduardo Leite, ainda que ele não a tenha articulado da melhor forma”.
A “falência das estruturas públicas”, para Macalossi, não tem, é claro, relação com o responsável direto pela administração destas, o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), e nem os cortes promovidos por ele na defesa civil. O colunista sequer sugere que deveria haver maior investimento na área. Segundo a versão farsesca que apresenta, o “Estado faliu”, de maneira abstrata, e portanto seria bom prevenir, também de maneira abstrata. Mas e os investimentos? E a alocação de dinheiro público para o atendimento à população? Nada sobre isso. Seria preciso grande responsabilidade fiscal, cortar todo o orçamento, para então poder investir, quem sabe, algum dia.
“Ao longo das últimas décadas, o gasto desmesurado dos governos gaúchos fez com que o estado perdesse qualquer capacidade de investimento, inclusive para aquilo em que sua atuação é essencial. Na medida em que se criaram privilégios, em que a folha de pagamentos ampliou seu espaço orçamentário e que estruturas públicas custosas e inefetivas concorreram em priorização de recursos cada vez mais limitados com aquelas que cumpriam suas funções, o fundamental deu lugar ao acessório.”
O que quer dizer “inchaço da folha de pagamentos”? A contratação de servidores, a ampliação dos serviços públicos. Macalossi não demonstra de fato como isso ocorre, porque se trata de uma argumentação genérica utilizada por neoliberais para justificar, independentemente de onde, a destruição dos serviços sociais. Quem não conhece o sucateamento com vistas a privatização? A “inefetividade” proposital de estruturas públicas, provocada por neoliberais como o próprio colunista da Gazeta do Povo? É fato notório na política nacional. A solução? Vejamos:
“Não se aportou recursos em prevenção simplesmente porque não havia dinheiro para tanto, assim como não havia para segurança, saúde e outras áreas que liberais clássicos não descartam o papel do Estado.”
Ora, se não havia dinheiro, que se afogue o povo, que padeça sem saúde, educação, ou qualquer outro serviço necessário. Para Macalossi, não é necessário que o Estado invista, para gerar desenvolvimento, incrementar a arrecadação, e novamente investir depois. É uma visão infantil que cumpre o único propósito de ludibriar os incautos, uma visão patrocinada com muito dinheiro, daqueles que lucram com tal política. Como vemos, o problema não é o “debate burro”, mas a desonestidade do debate, o financiamento de certos “argumentos” falaciosos, e sua propaganda através de órgãos voltados a esmagar a população.