De acordo com um correspondente do Diário Causa Operária, a prefeitura da cidade gaúcha de Sapucaia do Sul proibiu jornalistas de registrarem em áudio, vídeo ou fotografia a situação dos abrigos públicos para pessoas desalojadas devido às enchentes no Rio Grande do Sul. O correspondente ainda relatou que há soldados da Brigada Militar (a PM gaúcha) e da Guarda Municipal de Sapucaia do Sul dentro e fora das instalações, garantindo que a ordem decretada pela prefeitura seja cumprida.
Nosso correspondente, que terá a identidade preservada por receio de retaliação do próprio aparato de repressão da cidade gaúcha, é morador de Sapucaia do Sul e foi encarregado de visitar os principais abrigos da cidade. Eles ficam na Av. Sebastião Faut, 245, Fortuna, no Ginásio e Dependências da Escola Otaviano Silveira; e na Rua Adelaide Corrêa, 50, Colonial, na EMEF Hugo Gerdau.
Sapucaia do Sul é uma das mais de 460 cidades que ficaram parcialmente submersas após fortes chuvas no Rio Grande do Sul. Com 141 mil habitantes, a cidade está a cerca de 60 km da capital gaúcha.
Na segunda-feira (13), nosso correspondente havia conseguido entrar nos abrigos e conversar com as pessoas que lá estavam. Contudo, no interior, já se notava a presença da Guarda Municipal, que proibia filmar e fotografar o local e as condições das pessoas:
“Estive nos abrigos, conversei bastante com as pessoas. Mas a Guarda Municipal não deixa fazer vídeos nem tirar fotos dentro dos abrigos”.
Apesar da proibição, o correspondente conseguiu fazer alguns registros. Veja nos vídeos abaixo:
No dia seguinte, terça-feira (14), nosso correspondente tentou retornar aos abrigos para colher depoimentos e fazer mais registros da situação dos desalojados. Foi, primeiro, ao abrigo da Escola Otaviano Silveira. Lá, havia duas viaturas da GCM. Soldados na entrada do abrigo estavam controlando a entrada das pessoas, revistando aqueles que podiam entrar. Segundo nosso correspondente, foi lhe dito expressamente que era proibido filmar e tirar fotos:
“Tem duas viaturas da guarda municipal que fazem um pente fino. Eles me fizeram várias perguntas sobre por que eu estava aqui. Primeiro, perguntaram o que eu estava fazendo, segundo, mandaram guardar o telefone e disseram que não era permitido filmar. Fiz uma imagem logo no início de um atendimento e eles me botaram na parede, quase perdi o telefone”.
Além das viaturas estacionadas na frente da escola, nosso correspondente informou que “em cada esquina tinha um carro da guarda municipal” e que “há um cercamento total”.
Ele relatou que o local onde estão os desabrigados está isolado, de tal modo que nenhum jornalista ou cidadão comum pode ver o que se passa lá. “A parte interna onde o pessoal fica está fechado por uma espécie de isopor”, disse, acrescentando que, agora, “só entra o pessoal da prefeitura e pessoal do abrigo. Sem crachá, ninguém entra”. Nosso correspondente ainda fornece detalhes de como a entrada ao abrigo é barrada:
“É muito difícil conseguir entrar. Colocaram cadeiras e mesas na entrada, com o pessoal da prefeitura sentado sem deixar ninguém entrar. Quando cheguei, desci com o telefone na mão e, então, os guardas já vieram me pressionar, dizendo que não podia estar com o telefone, querendo ver o que eu tinha gravado. Quase me tomaram o telefone.”
A mesma situação foi vista na EMEF Hugo Gerdau:
“Vim aqui na outra escola, a Gerdau, mas está difícil. A Brigada Militar está na porta, perguntam tudo. Você não consegue ter acesso à escola se você não tiver cadastro na prefeitura, crachá… Até para pegar o telefone, tirar o telefone do bolso eles não deixam. Ficam em cima de você.”
Independentemente de decisão da prefeitura, a atividade jornalística está resguarda pela Constituição Federal. Em seu artigo 5º, inciso XIV, ela estabelece que “é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional“. Já em seu artigo 220º, parágrafo 1º, a Constituição declara que “nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social […]“.
Nosso correspondente ainda destacou que, no abrigo da escola Hugo Gerdau, “só entra mesmo quem é da prefeitura, quem é candidato a vereador… aí entra. Se não for ligado a eles, você não consegue entrar”. O mesmo foi visto no abrigo da Escola Otaviano Silveira. Conforme o correspondente do DCO, “vi muitos pré-candidatos a vereador dentro do abrigo. Mas se a pessoa comum não tiver crachá, eles não deixam entrar”. No mês de outubro, ocorrerão as eleições municipais, quando são eleitos vereadores e prefeitos.
O prefeito de Sapucaia do Sul, Volmir Rodrigues (PP), foi eleito como presidente do Consórcio Público de Saneamento Básico da Bacia Hidrográfica do Rio dos Sinos (Pró-Sinos), para o biênio 2023/2024. Em mensagem eletrônica, perguntamos ao gabinete do prefeito que medidas ele tomou enquanto presidente desse consórcio para evitar a situação atual. Não houve, contudo, qualquer resposta.
Além de denunciar a ditadura que a prefeitura de Sapucaia do Sul está fazendo contra seus moradores e contra todos aqueles que tentam expor a situação precária dentro dos abrigos, nosso correspondente também conversou com os desabrigados que estão na rua, que lhe relataram o descaso geral da prefeitura:
“Conversei com as pessoas nas ruas, na entrada [do abrigo], e elas perderam tudo. Muitos estavam bravos porque tinham que refazer os documentos que perderam, mas a Secretaria da Prefeitura não ajudava ninguém a fazer os documentos. Uma senhora, em uma cadeira de rodas, me disse que teria que fazer o cadastro para o Bolsa Família de novo.”
Nosso correspondente, conversando com outros moradores, relatou ainda que, mesmo nas partes altas da cidade, que não foram inundadas, está faltando água. Além disso, “os donativos não estão chegando para as pessoas, uma situação grave”.
O Diário Causa Operária tentou entrar em contato com os seguintes órgãos estatais: Prefeitura de Sapucaia do Sul; Gabinete do Prefeito Volmir Rodrigues; Secretaria de Governo e Articulações de Sapucaia do Sul; Secretaria de Comunicação do Governo do Rio Grande do Sul; e Gabinete do Governador do Rio Grande do Sul.
Contudo, até o fechamento desta edição, este Diário não obteve resposta.