Neste 10 de maio, completam-se 256 anos da prisão de John Wilkes, um jornalista e parlamentar inglês do século XVIII, que foi detido sob a acusação de “difamação sediciosa” contra o rei Jorge III, monarca que governou a Grã-Bretanha e a Irlanda entre 1760 e 1820. Um parlamentar pertencente à corrente ideológica do liberalismo clássico, Wilkes teve, durante boa parte de sua vida, posições políticas radicais, que contestavam o regime monárquico inglês e advogavam em favor dos direitos democráticos e da liberdade de expressão.
Nascido em 17 de outubro de 1725, filho de um industrial do ramo de bebidas destiladas, John Wilkes adentrou a vida política logo aos 20 anos, quando se prontificou a defender o governo inglês contra a Rebelião Jacobita de 1745, que visava recolocar o trono britânico sob o poder da Casa Stuart, em uma tentativa reacionária de reverter a monarquia constitucional britânica para uma monarquia de caráter absolutista. O jacobitismo, movimento embasado na doutrina do “direito divino dos reis”, visava retirar qualquer tipo de controle da população sobre o governo.
Adquirindo prestígio crescente entre as camadas médias da sociedade britânica, em 1957, Wilkes foi eleito para o parlamento como representante do distrito eleitoral de Aylesbury. Como parlamentar, Wilkes intensificou sua atividade política, se aproximando da pauta defendida pelos Whigs, organização partidária de tendências liberais que, entre os séculos XVII e XIX, polarizou a política britânica em oposição aos Tories, de tendências conservadoras. Sendo ainda um entusiasta da participação da Inglaterra na Guerra dos Sete Anos (1756-1763), Wilkes adquiriu uma ideologia de caráter nacionalista e se tornou um ardoroso defensor das políticas do Ministro da Guerra William Pitt, o Conde de Chatham.
Quando, em 1962, a presidência do parlamento inglês, que até então vinha sendo exercida pelos Whigs, foi ocupada por John Stuart, Conde de Bute, um aristocrata escocês pertencente aos Tories, Wilkes decidiu radicalizar sua atuação, passando a exercer uma atividade jornalística por meio da publicação do semanário The North Briton, criado em resposta ao jornal The Briton, que expressava posições pró-governo. A cada número da publicação, Wilkes intensificava suas críticas ao Conde de Bute, se valendo de um tom mordaz e satírico, denunciando o que entendia como posições jacobitas por parte de Bute.
As críticas de Wilkes se acirraram após a assinatura do Tratado de Paris, em 1963, por parte do rei Jorge III, aconselhado por Bute, o líder do parlamento. O tratado, que punha fim à Guerra dos Sete Anos com uma série de medidas compensatórias para os lados beligerantes, Inglaterra e França, foi considerado por Wilkes como extremamente condescendente por parte dos ingleses, que haviam vencido o confronto. Ele considerou a cessão de territórios aos franceses, referendada por Bute, como uma traição, e levou adiante uma grande campanha de propaganda contra o governo.
A oposição exercida por Wilkes chegou ao ápice com a publicação do número 45 do The North Briton, no qual ele tecia duras críticas ao discurso proferido por Jorge III no parlamento, em que o monarca elogiava o seu próprio governo pela assinatura do Tratado de Paris. Wilkes dizia ainda que o texto do discurso não teria sido escrito pelo próprio rei Jorge III, mas sim por Bute, que exerceria assim enorme influência sobre as decisões reais. Em uma tentativa de repressão tipicamente ditatorial, o rei ordenou então a emissão de um mandado de prisão para Wilkes e os editores de seu jornal, acusando-os de sedição (tentativa de rebelião contra o regime) e de difamação, em um processo baseado na ideia reacionária de que Wilkes, ao dizer que o rei fez um discurso elaborado por outra pessoa e o proferiu como sendo de sua autoria, teria atentado contra a “honra” do rei e insinuado que ele (como!) estaria mentindo para seus súditos, o que portanto seria um crime por colocar em risco a ordem do regime vigente.
Além de Wilkes, outras 48 pessoas foram presas, o que, ao invés de abalar a reputação de Wilkes, levou a um grande aumento do apoio popular às suas posições. Esse apoio era sustentado na insatisfação popular geral contra o regime, e Wilkes capitalizou em cima desse sentimento, radicalizando ainda mais suas posições de defesa dos direitos democráticos. Isso se expressou no discurso proferido por ele diante da corte de justiça, no qual apontou para a inconstitucionalidade do mandado de prisão, uma vez que, enquanto membro do parlamento, ele era protegido pela imunidade parlamentar e por isso não poderia ser incriminado em razão de qualquer ideia proferida. A defesa apresentada por Wilkes, somada ao apoio que tinha, levou à sua soltura provisória.
Todavia, o parlamento não tardou em aprovar uma lei que retirasse o direito à imunidade parlamentar de Wilkes. Para isso, eles se valeram de que a imunidade parlamentar estaria sim garantida, exceto em casos de publicações escritas que incorressem em “difamação sediciosa” contra o regime, medida essa que escancara o caráter farsesco das monarquias “constitucionais”. Devido a isso, Wilkes teve de fugir para fora do país, se asilando na França. Em 1964, já no exílio, foi condenado novamente e declarado como foragido. Wilkes tinha esperança de que uma eventual mudança no governo pudesse anular as acusações contra ele, porém isso jamais ocorreu. Quatro anos depois, em 1968, já sem recursos para se manter no exílio, Wilkes se viu obrigado a retornar para a Inglaterra, onde se apresentou às autoridades para cumprir a pena de dois anos de reclusão, além de ter sido multado em 1.000 libras esterlinas.
A prisão de Wilkes gerou revolta na população, especialmente dos setores liberais que enxergavam em Wilkes um líder. Como resultado, em 10 de maio de 1768, quando Wilkes foi encarcerado na Prisão do Conselho Real, milhares de apoiadores se reuniram nos arredores de St. George’s Fields, região ao sul de Londres, pedindo pela liberdade de Wilkes e expressando sua oposição ao regime monárquico, entoando as palavras de ordem “Sem liberdade, sem rei”. As tropas, a mando do governo monárquico, ameaçaram os manifestantes para que se dispersassem em menos de uma hora, lendo em voz alta o Riot Act 1715, lei que constituía “uma medida para prevenir tumultos e manifestações rebeldes, e para uma punição mais rápida e efetiva dos insurgentes”. Assim, como a multidão se recusava a retroceder, as tropas abriram fogo contra os manifestantes desarmados, assassinando 7 pessoas e ferindo outras 15, no que ficou conhecido como Massacre de St. George’s Fields.
Após sua saída da prisão em 1770, Wilkes continuou atuando na vida política, concorrendo a diversas eleições e ocupando cargos políticos de importância. Ele chegou ainda a ter papel de destaque ao defender uma menor interferência do governo britânico sobre suas colônias na América do Norte, o que influenciou fortemente os elementos revolucionários que tomariam parte na Revolução norte-americana, a partir da percepção cada vez mais nítida de que a constituição britânica se deteriorava sob a pressão exercida pela monarquia, sendo incapaz de consolidar um regime político democrático. Esse movimento revolucionário iria culminar na Declaração de Independência dos Estados Unidos, em 1776.
Contudo, com o passar dos anos a atividade política de Wilkes se tornou cada vez mais reacionária, com sua ideologia liberal não sendo capaz de acompanhar a evolução política dos acontecimentos, que manifestaram um clima crescente de agitação revolucionária na Europa no final do século XVIII, culminando com a Revolução Francesa de 1789. Prova disso foi a oposição de Wilkes aos jacobinos, setor radical da revolução burguesa na França, que ele considerava como excessivamente violentos, expressando assim o caráter eminentemente reacionário que a burguesia inglesa viria a adquirir a partir do século XIX. Como resultado dessa política vacilante, Wilkes viu sua popularidade despencar entre todos os setores da sociedade inglesa, que não mais viam nele qualquer traço da radicalidade que tivera outrora. Assim, ele passou a integrar o regime político britânico de forma artificial, se apoiando sobre sua história pregressa sem mais expressar uma real representação popular.
Sem embargo, a figura de Wilkes foi e ainda é relembrada como símbolo da luta popular pelas liberdades democráticas, em especial na defesa da liberdade de expressão irrestrita, princípio fundamental para garantir a soberania popular e combater abusos autoritários e ditatoriais de qualquer espécie. Sua prisão a mando da monarquia inglesa pelo “crime” de falar deixa lições importantes para a luta da classe trabalhadora nos dias de hoje, especialmente no Brasil, ondes os chamados crimes contra a honra e os supostos crimes contra o “estado democrático de direito” vem servindo cada vez mais de pretexto para suprimir direitos e reprimir a população. Curiosamente, isso vem sendo feito também pelo Poder Judiciário, que se na Inglaterra do século XVIII atendia aos interesses da decadente monarquia britânica, no Brasil de hoje tem no STF uma fachada da burguesia imperialista mundial.