Há cerca de dez dias, o presidente norte-americano Joe Biden assinou lei que bane a rede social de compartilhamento de vídeos, TikTok, dos Estados Unidos. Há uma escapatória para a ByteDance, empresa dona da plataforma: vender suas operações a uma empresa norte-americana. A empresa de tecnologia chinesa, porém, deixou claro que a transferência de seus serviços (e segredos industriais) para uma outra empresa está fora de cogitação, o que significa que a rede social mais popular dos Estados Unidos, com centenas de milhões de usuários, deve encerrar suas atividades ainda este ano.
A ação contra o TikTok é arbitrária, ilegal e absurda em muitos sentidos. Começando pelos motivos menos importantes, é uma clara violação da livre concorrência dado que os monopólios norte-americanos Meta, Snap, X e outros tendem a se beneficiar muito da remoção política de seu principal concorrente (“curiosamente” a única das grandes que não tem origem nos Estados Unidos) do mercado. É ainda uma violação da liberdade de expressão de dezenas de milhões de pessoas que tinham a plataforma como seu meu de comunicação predileto. O banimento do TikTok implica o silenciamento imediato de milhões, que agora terão que reconstruir suas bases de seguidores em outras plataformas. Finalmente, é de conhecimento público que o principal motor do banimento é a vitalização de conteúdo em defesa da Palestina, em particular da resistência armada, entre jovens norte-americanos. Não sabemos se o governo chinês controla a ByteDance como querem que acreditemos os congressistas norte-americanos (apesar de que, ao que tudo indica, a acusação é falsa), mas podemos afirmar categoricamente: TikTok foi banida porque não é controlada pelas agências de inteligência do governo norte-americano.
Não há nada de especial na rede social. Seu funcionamento é similar ao do antigo Facebook. Usuários geram conteúdo voluntariamente para a plataforma, que armazena e rastreia não apenas o conteúdo gerado, mas a interação da grande maioria de usuários passivos com esse conteúdo através de visualizações, curtidas e compartilhamentos. O TikTok é bom ao ponto de observar a interação do usuário com cada vídeo: se repetiu algum trecho, em que ponto passou para o próximo, etc. Essa massa de dados é o tesouro das redes sociais que as usam para fins de publicidade. O conhecimento que essas plataformas adquirem sobre cada usuário potencializa anúncios de uma forma nunca antes vista, facilitando a vida daqueles que querem vender produtos e serviços na internet.
A venda de anúncios direcionados era a principal fonte de receita dessas empresas que rapidamente se valorizaram na primeira década do milênio. Até que grandes mobilizações políticas passaram a ser organizadas pelas redes sociais. Occupy Wall Street nos Estados Unidos; 15M na Espanha; a Revolução Egípcia de 2011; junho de 2013 no Brasil; e por aí vai. A direita também soube utilizar os anúncios direcionados em seu favor e, com muito mais recursos que os movimentos populares acima, pode organizar uma base popular em torno de Donald Trump, que se elegeu presidente dos Estados Unidos em 2016, e do Brexit, que tirou o Reino Unido da União Europeia. Tanto pela esquerda como pela direita, as redes sociais eram uma tormenta para os planos imperialistas.
Eis que então veio a reação. Como vimos durante a pandemia e durante as eleições norte-americanas de 2020, os serviços de inteligência passaram a atuar diretamente e abertamente dentro das redes sociais. Os próprios funcionários da empresa foram filtrados no que resultou numa uniformidade ideológica tamanha que resultou na censura em massa que vimos nesse último período. Da vigilância denunciada por Edward Snowden em 2013, agora os serviços de inteligência passaram a ter um papel mais ativo, de censores, de donos da verdade.
Esse processo não veio sem custo para os próprios monopólios de tecnologia. Basta ver o Facebook, tão empastelado que, apesar de ter a maior base de usuários dentre as redes sociais, tem uma atividade muito baixa, tanto que é raramente citado na imprensa ao contrário de redes como X, onde há alguma liberdade de expressão, ainda que restrita. O mecanismo gerador de receita para essas empresas, o engajamento gerado a partir da exibição de conteúdo relevante para cada usuário com base em seus gostos pessoais, não pode mais operar livremente porque promove a “radicalização” das pessoas. É um incentivo ao “extremismo”.
Nossa tese sobre o TikTok, tanto sobre seu sucesso como seu banimento, é a de que a plataforma ainda não impõe grandes restrições ao seu algoritmo de recomendação. Ela funciona como uma rede social à moda antiga. Por isso o conteúdo em defesa da Palestina, denunciando Israel, se espalha com tanta facilidade: porque esse é o interesse popular real. Não se trata de um fenômeno artificial fabricado por agitadores profissionais, a não ser que acreditemos que os palestinos tenham mais recursos para financiar agitação online do que os sionistas.
O X, antigo Twitter, desde que foi adquirido por Elon Musk, passou a operar “à moda antiga”. Mas vemos que mesmo o bilionário tem que recuar de suas bravatas online no que diz respeito a posições fundamentais para o imperialismo como as guerras na Ucrânia e na Palestina. A empresa, finalmente, já era controlada pelos serviços de inteligência e uma simples mudança na direção não muda essencialmente seu funcionamento.
A ByteDance é a primeira empresa de tecnologia a produzir uma rede social de grandes proporções, em escala global, que não é norte-americana, ou seja, que não nasceu umbilicalmente ligada à CIA, ao FBI, à NSA e às infindáveis agências que sustentam a ditadura imperialista mundial. Os capitalistas chineses não receberam o memorando que explica que redes sociais não são mais empreendimentos capitalistas com fins lucrativos que precisam oferecer bons serviços a seus usuários e clientes (quem compra anúncios direcionados) e, por isso, continuaram “no passado”. Por isso o TikTok foi banido. As redes sociais não têm mais fins lucrativos. São um braço dos serviços de inteligência, a linha de frente da repressão que atua na esfera da opinião pública.