Nesta semana, o portal UOL/Folha de S.Paulo publicou um comentário do ex-jogador Walter Casagrande sobre o retorno de Gabigol ao Flamengo. O atacante, considerado um dos maiores ídolos do rubro-negro dos últimos anos, havia sido afastado por ter supostamente se recusado a fazer um exame antidoping – isto é, um exame para verificar se o jogador de futebol havia ingerido alguma substância ilegal que lhe deixaria em vantagem em relação aos seus adversários. Gabigol foi suspenso por dois anos pela Justiça Desportiva Antidopagem, que o acusou de “fraude ou tentativa de fraude de qualquer parte do processo de controle”, mas acaba de conseguir uma medida de efeito suspensivo, o que permitiu a sua volta aos gramados.
Após a recepção de Gabigol na sede do Flamengo, Casagrande comentou que “fazer festa para um jogador que foi acusado de ter burlado o exame antidoping é ridículo“. Para o comentarista, “ele tinha que voltar de cabeça baixa, sem festa, entrar no vestiário e se trocar“.
Casagrande se apresenta, acima de tudo, como o típico inquisidor identitário. Para ele, não importa o que de fato aconteceu. O próprio Casagrande não aferiu prova alguma, não sabe o que Gabigol fez ou deixou de fazer. No entanto, a decisão de um tribunal é mais que suficiente para que o jogador seja considerado um “criminoso”. Fosse assim, ninguém deveria comemorar, por exemplo, a saída de Lula da cadeia. Afinal, se ele foi condenado, é porque, necessariamente, teria cometido um crime, não é mesmo?
Mas e se Gabigol tiver de fato cometido uma infração? Que diferença isso tem? Casagrande é claro: quem “errou” não tem direito a ser aplaudido. Diante de tanto moralismo, não há sequer como dizer que Casagrande, após pendurar as chuteiras, se tornou padre: afinal, o catolicismo prevê a remissão dos pecados. Casagrande é, portanto, na melhor das hipóteses, um careta.
Mas tanta arrogância não é à toa. Vejamos bem o que ele diz: “qual é o motivo de aplaudir um cara acusado de burlar o exame antidoping? Se aplaudiram ele porque ele voltou de um efeito suspensivo, o que vão fazer quando ele marcar dois gols?“. Casagrande insiste tanto que Gabigol não pode ser aplaudido porque, para ele, o papel do jogador de futebol não é fazer gols. Não é ser campeão. O jogador de futebol deveria ser uma espécie de discípulo da santa seita de Walter Casagrande!
É óbvio o motivo pelo qual Gabigol foi aplaudido. Ele é um ídolo, um jogador importante para a equipe. Sua volta aos gramados significa aumentar as chances de vitória, as chances de derrotar o adversário. Quem é torcedor só tem a comemorar.
O caso de Gabigol, inclusive, desmascara qual é o verdadeiro conteúdo da histeria identitária contra os jogadores de futebol. No caso de Daniel Alves, os identitários resolveram atirá-lo ao ostracismo porque supostamente teria estuprado uma mulher. Haveria, portanto, uma vítima. Essa seria a justificativa de perseguir o jogador ao ponto de defender que ele não tivesse seus direitos democráticos respeitados. Mas e no caso de Gabigol, quem seria exatamente a “vítima” da história?
Não há. O que mostra que tudo não passa de um pretexto. Ao criticar Robinho e Daniel Alves, a preocupação de Casagrande nunca foi as mulheres. Assim como suas críticas ao aplauso a Gabigol não são a defesa de ninguém em específico. O interesse de Casagrande em criticar os aplausos a Gabigol ficaria revelado no seguinte trecho de seu comentário:
“Aqui [no Brasil] a gente aplaude jogador que volta a jogar por efeito suspensivo, a gente aplaude quem paga multa para aliviar uma condenação de estupro, a gente valoriza quem emprestou dinheiro para facilitar a saída do cara… São os valores invertidos.”
O “aqui” explica tudo. No caso em questão, Casagrande não tem um problema em si com o uso de substâncias ilegais, o seu problema é com o Brasil e os brasileiros. Todo o seu interesse em criticar a torcida do Flamengo se resume a uma só ideia: criticar o povo brasileiro por ser conivente com práticas que Casagrande considera condenáveis.
O que é incrível é que, se Casagrande fala que o problema é “aqui”, é porque existe um “ali” onde o povo aja de acordo com a santa seita de Walter Casagrande. Onde será esse lugar? Será Burquina Fasso? Será o Afeganistão? É claro que não. O lugar onde Casagrande acha que os torcedores são exemplares é a Europa. Afinal, foi a Europa que puniu Daniel Alves e Robinho. É na Europa que estão os únicos técnicos que Casagrande elogia.
Casagrande poderia ir direto ao assunto e falar: “eu queria ter nascido na Europa, onde o povo e os governos são civilizados, e não no Brasil, esse país de macacos”. Só precisaria explicar o que há de civilizado em apoiar o assassinato de mais de 35 mil palestinos.