Na última semana, a juíza Andreia Caiado da Cruz, da 11ª Vara Criminal de Pernambuco, expediu um mandado de prisão contra o jornalista Ricardo Antunes, em decorrência de um processo motivado por um “crime contra a honra”. Antunes está na Espanha, aguardando o julgamento de seu habeas corpus para retornar ao Brasil sem que seja preso enquanto seu processo tramite.
A juíza mandou bloquear seu perfil em redes sociais e entregar o passaporte. O jornalista é réu acusado de supostas injúria e difamação praticadas por meio de textos publicados sobre o promotor de Justiça, Flavio Roberto Falcão Pedrosa.
Além do bloqueio de seus perfis e da ordem da juíza, também houve a exclusão de suas publicações, realizada pelas plataformas mediante exigência legal. A Constituição brasileira, no entanto, garante o direito à liberdade de expressão.
“A exclusão de publicação de matéria jornalística representa censura absolutamente proibida pela Constituição. A prisão preventiva, assim como a exclusão de matéria jornalística, são inconstitucionais, ilegais e merecem ser revogadas”, afirmou Ricardo Antunes em seu blog.
Ricardo Antunes teria realizado uma reportagem sobre uma aquisição de terrenos por parte do promotor Flavio Roberto Falcão Pedrosa. Após a publicação da matéria, foi determinada a remoção de qualquer conteúdo relativo ao promotor no blog ou perfis das redes sociais de Antunes. Segundo a juíza, o conteúdo seria de natureza “difamatória” e “injuriosa”.
Na sexta-feira (26), a juíza alegou em decisão que suas ordens para a remoção do conteúdo haviam sido descumpridas, enquanto a defesa de Antunes sustentou que as decisões haviam sido acatadas, ressalvando apenas um engano por parte da equipe técnica que administrava as redes sociais de Antunes, a qual havia deixado no ar um “stories” antigo.
“Alegou ainda que houve um equívoco por parte da equipe que cuida das redes sociais do jornalista, ora acusado, restando apenas uma chamada em artigos antigos de stories, por fim, aduziu que os stories antigos também já foram baixados”, apontou a juíza.
Por conta do aparente engano, a juíza se viu motivada a pedir a prisão preventiva de Antunes, além da censura prévia, ao derrubar suas redes sociais. Segundo a juíza, “o acusado possui histórico de ofensas à lei penal, e, em liberdade, encontraria os mesmos estímulos relacionados com a infração cometida. Apesar dos delitos descritos na denúncia serem classificados como de menor potencial ofensivo, o somatório das penas, abstratamente consideradas, nos moldes da capitulação ofertada, ultrapassa 4 (quatro) anos, não havendo óbice para o prolação da custódia preventiva.”
A juíza citou em sua decisão o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, em intervenção no âmbito do Inquérito das Fake News, inquérito que inclui como parte o Partido da Causa Operária (PCO).
“Considerando que o acusado possui histórico de ofensas à lei penal, e, em liberdade, encontraria os mesmos estímulos relacionados com a infração cometida, cabe ao Judiciário determinar o recolhimento do agente evitando, assim, um sentimento de impunidade e de insegurança para a sociedade”, declarou a juíza.
Um dos trechos citados diz que “a liberdade de expressão é consagrada constitucionalmente e balizada pelo binômio liberdade e responsabilidade, ou seja, o exercício desse direito não pode ser utilizado como verdadeiro escudo protetivo para a prática de atividades ilícitas”.
Este Diário buscou na constituição o referido “binômio liberdade e responsabilidade”. Mas, sem sucesso, encontrou apenas o artigo 5º, parágrafo IV, que define que “é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato“.
O Blog de Ricardo Antunes consultou um grupo de advogados, que atestam a ilegalidade do processo e das determinações judiciais que atentam contra garantias democráticas e direitos civis do jornalista. Foi formulada uma lista em 10 pontos dos motivos pelos quais o processo é ilegal. Acompanhe a lista a seguir:
1) A exclusão de publicação de matéria jornalística representa censura absolutamente proibida pela Constituição. A prisão preventiva, assim como a exclusão de matéria jornalística, são inconstitucionais, ilegais e merecem ser revogadas.
2) A prisão preventiva é possível em crimes de maior potencial ofensivo, ou quando o acusado dificulta o andamento do processo, ou foge, elimina provas ou ameaça testemunhas, para evitar a aplicação da lei penal. O acusado não estava se omitindo da aplicação da lei penal, visto que as decisões proferidas nos autos foram efetivamente cumpridas.
3) O fato de não haver comparecido à audiência não é motivo para prisão, uma vez que, não sendo ouvido em juízo, despojou-se de um direito, visto que o interrogatório é peça de defesa. Por mais grave que seja o suposto crime, não é possível a aplicação de pena, por antecipação, sem julgamento formal, garantidos o contraditório e a plena defesa.
4) Em razão do princípio constitucional da presunção da inocência (art. 5º, LVII, da CF), a prisão processual é medida de exceção. A regra é sempre a liberdade do indiciado ou acusado enquanto não condenado por decisão transitada em julgado.
5) Diz o Supremo Tribunal Federal, pela voz de um de seus mais competentes ministros, Luiz Fux, que o processo criminal é um instrumento de proteção ao acusado.
6) Essa é a tendência na Europa, com o Garantismo Jurídico cujo expoente maior é o italiano Luigi Ferrajoli. A regra é liberdade. Por essa razão, toda e qualquer forma de prisão tem caráter excepcional.
7) Ricardo Antunes não buscou omitir-se da aplicação da lei penal e está à disposição do Estado para responder ao que for necessário, inexistindo motivo para a decretação da medida tão gravosa.
8) A prisão preventiva será determinada quando não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar (art. 319 do Código de Processo Penal).
9) Respeitadas as garantias do acusado, decretar sua prisão é instrumentalizar a aplicação da lei penal, sob pena de tornar-se a prisão cautelar uma antecipação da pena definitiva, o que não se pode admitir no Estado Democrático de Direito.
10) Tanto a liberdade de expressão quanto a participação política, em uma democracia representativa, somente se fortalecem em um ambiente de total visibilidade e possibilidade de exposição crítica das mais variadas opiniões sobre os governantes.