No dia 7 de outubro, a operação militar do Hamas contra a ocupação sionista na Palestina unificou as Brigadas al-Qassam, e várias outras organizações de resistência como as Brigadas Al-Quds, a Jihad Islâmica, as Brigadas dos Mártires de Al-Aqsa, as Brigadas Abu Ali Mustafa, e também o Partido Comunista Palestino.
Neste dia 28 de abril de 2024 faleceu Mahmoud Hassan Odeh ou Mahmoud Al-Aqqad, foi um importante membro do partido, cuja história de vida se mistura com a história do comunismo no mundo árabe.
Nascido em 1940, na aldeia de Salfit, na Cisjordânia, Mahmoud Hassan Odeh completou seu primeiro ano de estudo na escola primária da aldeia. Naquela época a Palestina já tinha uma história de décadas de luta contra o mandato britânico para resistir ao projeto sionista de construção de um Estado judeu que serviria como posto de controle do imperialismo no Oriente Médio. A sociedade palestina, no entanto, tinha ainda fortes resquícios da organização da época do antigo Império Otomano.
Uma oligarquia de famílias tradicionais dominava a sociedade. Os al-Husaini, os Nashashibi e os al-Khaldi mantinham seu controle econômico através de grandes propriedades de terra, e politico através do domínio da burocracia Islâmica em posições governamentais locais, em acordo com o imperialismo. A maioria camponesa da população vivia sob um sistema tipicamente feudal. Mahmoud al-Aqqad nasceu em uma família camponesa pobre.
Um documento da UNRWA (a Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina no Oriente Médio) de 1964 descreveu as origens da região: “Com sua fértil planície costeira, suas montanhas, riachos e nascentes, sua antiga cidades e locais de peregrinação, (a Palestina) foi, através dos séculos, um dos mais prósperos, mais altamente cultivados e mais densamente partes povoadas do mundo árabe”.
O censo de 1922, contabilizou que a população da Palestina era composta por 430 mil habitantes rurais, 264 mil habitantes urbanos (incluindo 68.500 judeus e outras minorias) e 60 mil beduínos.
Depois da Declaração de Balford em 1917, a população judaica cresceu para 445 mil em 1939. Os sionistas compraram as terras mais férteis, privando os árabes dos seus meios de subsistência, e começaram a disputar o domínio da política, pela sua experiência na vida política na Europa, mais desenvolvida, e o apoio do imperialismo.
Na infância, Mahmoud al-Aqqad viveu a injustiça do feudalismo e o terrorismo dos sionistas que atacavam constantemente as aldeias palestinas antes da Nakba. Se deslocou com a família para a aldeia de Ijzim, no sul do distrito de Haifa, em busca de uma melhor situação econômica. Infelizmente, a situação não era melhor em Ijzim, onde seu pai trabalhava na agricultura para os senhores feudais. Mahmoud al-Aqqad notou que os senhores feudais exploravam os camponeses e não lhes davam os seus direitos, e isso criou nele uma aguçada consciência de classe, apesar da tenra idade. Al-Aqqad chegou à conclusão de que os inimigos do povo e da pátria eram os feudalistas árabes e o movimento sionista, apesar do antagonismo dos feudalistas na sua resistência ao movimento sionista.
Durante toda sua história, o movimento comunista na Palestina também enfrentou as contradições da luta de classe entre trabalhadores e a burguesia, o imperialismo e o nacionalismo burguês. O primeiro grupo comunista na região foi formado em outubro de 1919, por sionistas de esquerda, do chamado “sionismo proletário”, que tomou o nome de Partido Socialista dos Trabalhadores (Mifleget Poalim Sozialistit – MPS). O partido era afiliado a uma federação judaica de trabalgadores da esquerda mundial chamada Po’alei Tzion (Trabalhadores de Sião). Pouco depois do seu surgimento, o Partido Socialista dos Trabalhadores candidatou-se a aderir à Internacional Comunista (Comintern), que tinha sido formada em março de 1919 por iniciativa de Lenin.
Depois de 1917, a questão da revolução nos países coloniais, que antes não havia sido muito desenvolvida, passou rapidamente para o primeiro plano e foi bastante discutida no Segundo Congresso da Internacional Comunista em julho de 1920, no Congresso de Bacu, no Azerbaijão soviético. Os partidos comunistas deveriam apoiar os movimentos nacionalistas burgueses e tentar desenvolver ao máximo o movimento trabalhador revolucionário, mantendo incondicionalmente a independência do movimento proletário, mesmo que esteja apenas numa fase embrionária.
As condições dos bolcheviques, para a aceitação do Partido Socialista dos Trabalhadores da Palestina ao Comintern, eram que ele se afastasse do sionismo e se arabizasse. Mas muitos comunistas judeus não queriam abandonar o sionismo, e quando o faziam, sua razão de estar na Palestina era eliminada. Além disso, nenhum dos militantes falava árabe ou hebraico, já que tinham vindo da Europa, e por isso tinham dificuldade de convencer a população árabe, na sua maioria muçulmana, a se juntar às fileiras do partido. Sobre o sionismo, Lenin escreveu:
“É essencial expor e explicar às amplas massas de trabalhadores em todos os lugares, e particularmente nos países atrasados, a enganação praticada pelas potências imperialistas com a ajuda das classes privilegiadas nos países oprimidos, que criam estados ostensivamente independentes politicamente, que são, na realidade, completamente dependentes deles econômica, financeira e militarmente. Um exemplo flagrante da enganação praticada sobre as classes trabalhadoras de uma nação oprimida pelos esforços combinados da Entente imperialista e a burguesia da mesma nação é oferecido pela aventura sionista na Palestina (e pelo Sionismo como um todo), que sob o pretexto de criar um Estado Judeu na Palestina, de fato rende o povo árabe trabalhador da Palestina, onde trabalhadores judeus constituem apenas uma pequena minoria, à exploração pela Inglaterra.”
Após intensos conflitos que resultaram numa série de cisões, o Partido Comunista Palestino, o PCP (Palestinische Kommunistische Partei – PKP) foi oficialmente anunciado em 9 de julho de 1923, e a sua liderança declarou a sua aceitação das condições para aderir ao Comintern. O PCP, seguindo as instruções do Comintern de 1935, apoiou a luta armada nas revoltas nacionalistas burguesas de 1936, a Grande Rebelião Palestina, adotando a estratégia da “Frente Popular Unificada” e junto dela, foi severamente reprimido pelos britânicos.
Em 1943, o PCP dividiu-se em duas linhas. Os membros judeus, acusando a liderança do partido de política “ultranacionalista”, reorganizaram o PCP como um partido que aceitava a ideia sionista de que o Yishuv, a comunidade judaica da Palestina, constituía um grupo nacional com direito à autodeterminação. Por influência do stalinismo, que pressionava pelo acordo com os sionistas, o PCP decidiu abandonar o objetivo de lutar por uma Palestina unida e socialista, o que levou a maioria dos quadros árabes a abandonar o partido. Mais tarde naquele ano, alguns destes quadros, como Bulus Farah, reagruparam-se na Liga de Libertação Nacional (NLL).
Durante uma visita com seu pai à cidade de Haifa, Mahmoud Al-Aqqad se deparou com algumas publicações do Partido Comunista Palestino e leu sobre a vitória soviética na Segunda Guerra Mundial, o que o levou a se interessar pela política, apesar da repreensão de seu pai e que lhe alertou sobre os comunistas ateus e o aconselhou a memorizar o Alcorão Sagrado, o que não aconteceu, mesmo tendo apenas 8 anos na época.
A Naqba forçou a dispersão do povo palestino, incluindo dos membros da Liga de Libertação Nacional, que se dividiram em diferentes estruturas organizacionais. Mahmoud Al-Aqqad e sua família foram deslocados da aldeia de Ijzim, e regressaram à sua aldeia natal, Salfit, onde ele completou os seus estudos. Na escola secundária, ele conheceu Ahmed Al-Sayyid, que era membro do Partido Comunista da Jordânia (JCP). Os comunistas jordanianos rejeitaram a anexação da Cisjordânia à Jordânia e boicotaram as eleições parlamentares de abril de 1950. Opuseram-se aos interesses ocidentais que visavam vincular a Jordânia aos seus projetos imperiais.
Em agosto de 1953, membros da liga que estavam em Gaza formaram o Partido Comunista Palestino em Gaza (PCP-G). Em 1954, Al-Aqqad ingressou no Partido Comunista da Jordânia e iniciou sua luta pelo comunismo. Em outubro de 1956, dois membros do partido jordaniano foram eleitos para o parlamento: Faiq Warrad de Ramalá e Dr. Yaqoub Zayadin, de Jerusalém, apoiaram o governo nacionalista de Suleiman al-Nabulsi, formado após essas eleições.
Em julho daquele ano, o presidente nacionalista do Egito, Gamal Abdel Nasser havia nacionalizado o canal de Suez, cujo controle até então pertencia à Inglaterra. A Agressão Tripartite da Grã-Bretanha, França e “Israel”, contra o Egito, para tentar a retomada do controle na região, começou em outubro de 1956. O jovem Mahmoud Al-Aqqad se voluntariou para lutar na defesa do Canal de Suez com um grupo de estudantes patriotas. Como resultado da vitória árabe, em plena Guerra Fria, o Egito alinhou-se à União Soviética, que armou o país e outras nações árabes para a luta contínua contra “Israel”.
O governo de al-Nabulsi, também aliado da União Soviética, foi forçado a se demitir em abril de 1957, depois de suas políticas entrarem em conflito com as da monarquia, aliada do imperialismo na Jordânia. Uma lei marcial foi declarada, e Mahmoud al-Aqqad, um dos militantes mais ativos da época, foi perseguido pela inteligência jordaniana e acusado de liderar gangues armadas. Foi condenado à morte à revelia num tribunal de Nablus, juntamente com outros cinco companheiros. A pedido do partido, os militantes condenados à morte foram para a Síria, escondidos, e lá, Mahmoud al-Aqqad voltou à escola, onde concluiu os estudos secundários.
Um referendo sobre a formação da República Árabe Unida e a nomeação de Gamal Abdel Nasser como seu presidente foi realizado na Síria e no Egito em fevereiro de 1958. A formação da RAU foi aprovada pelos eleitores, com apenas 139 votos contra, e Nasser foi aprovado como presidente por uma margem semelhante. Nasser, no entanto, atacou os comunistas, e Mahmoud Al-Aqqad procurou refúgio no Líbano, onde foi preso por um mês e depois entregue às autoridades sírias, especificamente à polícia da cidade de Zabadani. O comandante da polícia Zabadani que era comunista, o liberou, e a outros militantes.
Al-Aqqad foi para Damasco, e lá foi preso pela inteligência síria. Após 3 meses de duros interrogatórios, acabou na prisão de Mezzeh, onde sofreu tortura brutal, mas disse ter sentido determinação por estar detido na mesma cela que Faraj Allah al-Helu, que acabou sendo martirizado em 1959 pelo governo de Hafez al-Assad.
Após 6 meses de detenção na prisão de Mezzeh, foi entregue às autoridades jordanianas, onde foi transferido de uma prisão a outra. De Irbid a Nablus, a Amã e finalmente à Prisão do Deserto de Al-Jafr. No ano de 1964, os presos políticos foram libertados e Mahmoud Al-Aqqad regressou à Salfit, após uma ausência de dez anos. O período da libertação foi seguido por restrições sem precedentes. Al-Aqqad foi privado de trabalho e viagens, e de possuir passaporte. Permaneceu em Salfit sob a lei de prisão domiciliar. A liderança do JCP e do PCP-G apoiou a formação da Organização para a Libertação da Palestina (OLP) no final de Maio de 1964.
Em 1967, na Guerra dos Seis Dias, novamente pegou em armas com seus companheiros comunistas para defender a pátria Palestina. Organizaram a resistência em brigadas populares para enfrentar a agressão. Estacionados na cidade de Nablus, se defenderam com toda a força dos ataques israelenses, mas a retirada do exército jordaniano tornou-os presas fáceis para os sionistas. Foram detidos, e permaneceram por mais de um mês, amarrados e vendados, sem comida e apenas tomando alguns goles de água por dia. Depois disso, foram libertados, porque nada foi provado contra eles.
A partir de 1968, foram formados comitês clandestinos na Cisjordânia ocupada, chamados Comitês de Orientação Nacionais, que emitiram a sua primeira declaração um ano após a ocupação sionista. Como o Diretor do Comitê Nacional, al-Aqqad foi essencial na construção da Frente Nacional no início dos anos setenta. Foi preso mais de uma vez, mas a detenção não durou mais de 3 a 6 meses devido à falta de provas.
Em meados de agosto de 1973, após as principais facções da OLP terem criado sucursais nos territórios palestinos ocupados, os comunistas desempenharam um importante papel na reunião das forças palestinas na Cisjordânia e na Faixa de Gaza como parte da “Frente Nacional Palestina nos Territórios Ocupados” ou al-Jabha al-wataniyya al-Filastiniyya fi-l-arad al-muhtalla, cujo programa político exigia a garantia dos direitos legítimos do povo árabe palestino, entre os quais o principal era “seu direito à autodeterminação em suas terras e voltar para suas casas.”
Em 1974, a JCP e o PCP-G formaram uma comissão coordenadora. No final de julho de 1975, a filial do JCP na Cisjordânia mudou o seu nome para Organização Comunista Palestina na Cisjordânia. Uma filial do mesmo partido foi criada no Líbano no final de fevereiro de 1980, chamada Organização Comunista Palestina no Líbano. Em 10 de fevereiro de 1982, foi anunciado que o Partido Comunista Palestino (PCP) seria restabelecido. O seu primeiro congresso foi convocado em 1983.
Quando a Intifada eclodiu nos territórios palestinos ocupados em dezembro de 1987, o PCP participou ativamente. A revolta foi consistente com a visão do PCP de que a resistência popular era a forma mais eficaz de resistência à ocupação israelense, e o partido estava representado na Liderança Nacional Unificada da Revolta.
Em 1991, após o golpe contra o Stalinismo na União Soviética, Mahmoud Al-Aqqad considerou que uma abordagem revisionista havia tomado o controle do Partido Comunista Palestino, que mudou seu nome para Partido do Povo Palestino, ou Hizb al-shaʿb al-Filastini (PPP), e segundo ele, “abandonou os princípios Marxistas-Leninistas.”
Mahmoud Al-Aqqad desempenhou um papel importante no restabelecimento do Partido Comunista Palestino, ao lado de seus companheiros, Hussein Al-Qahah, Muhammad Alqam, Basem Shuqair, Jihad Aoun Allah, e Ahmed Al-Damas, e continuou o trabalho partidário apesar da sua idade avançada.
Foi eleito membro do Comitê Central do Partido Comunista Palestino em 2008. “Até hoje, ainda acredito no marxismo-leninismo, nos seus valores e no seu pragmatismo, e considero que é a única solução para os povos do mundo para alcançarem a segurança. Quem quer que o tenha traído e se vendido, a história não terá piedade deles e os julgará pelo que fizeram ao partido.”