Na última segunda-feira (22), foi publicado no portal A Terra é Redonda, o texto Moraes vs. Musk – 1º round, em que o autor afirma que a atual crise política teria sido iniciada na derrota de Aécio Neves (PSDB) na eleição de 2014, ignorando totalmente o papel do Judiciário no golpe de 2016. Esse “pequeno” lapso faz com que João Feres Júnior, cientista político da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), considere que a liberdade de expressão, supostamente defendida pelo bilionário Elon Musk, seria hoje a base da dominação dos Estados Unidos sobre a América Latina, de tal modo que o ministro tucano-golpista Alexandre de Moraes estaria defendo o País contra essa política.
O colunista começa seu texto fazendo referência a uma citação atribuída a Nicolau Maquiavel, que diz “circunstâncias extraordinárias pedem medidas extraordinárias para resolvê-las”. É preciso admitir que, desde o fim da ditadura militar, não se viu um ataque tão grande aos direitos democráticos como neste momento. No entanto, diferentemente do que afirma o colunista, de que o Brasil teria entrado “em um período de crise institucional desde a de 2014” e que naquele momento “a grande imprensa e parte do sistema de justiça se juntaram na missão de sacar o PT do poder”, essa operação tem início no julgamento do “Mensalão”. A Ação Penal 470 do Supremo Tribunal Federal (STF), comandada pelo então ministro Joaquim Barbosa, inaugurou o atual período de grandes ataques aos direitos democráticos.
Esta ofensiva foi resultado da derrota da política neoliberal imposta ao povo brasileiro pelos governos de Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e da crise econômica de 2008 que resultou em uma série de golpes de Estado pelo imperialismo na América Latina e no mundo. Segundo Feres Júnior, o fato de o presidente ilegítimo Michel Temer ter colocado “um militar à frente do Ministério da Defesa” e de o general Augusto Heleno ter dado “declaração pública ameaçando o Supremo quando do julgamento do habeas corpus de Lula”, teriam causado um “desgaste institucional” que criou as “condições para a vitória de Jair Bolsonaro em 2018”.
Ao colocar desta forma o problema da chegada de Bolsonaro à presidência da República, o colunista oculta a responsabilidade de Alexandre de Moraes, que votou contra o pedido de habeas corpus para o presidente Lula, preso ilegalmente na operação farsesca da “Lava-jato”. Também esconde que o STF referendou a inconstitucional “Lei da Ficha Limpa”, que impediu a participação de Lula na eleição cujas pesquisas apontava sua vitória.
O professor da UERJ realiza um tremendo malabarismo, que passaria batido aos menos atentos, para apresentar Alexandre Moraes como defensor da “democracia”.
Primeiro, evoca “Jean-Jacques Rousseau e Denis Diderot: as instituições valem até certo ponto, pois dependem de um mínimo de boa fé dos participantes”. É difícil imaginar que o ministro indicado por Michel Temer, a quem se referiu como melhor presidente e injustiçado, que acusou os petistas de roubarem “bilhões”, tenha algo de bom.
Depois, desfaz tudo que afirmou anteriormente, ao apresentar a seguinte equação: “a grande vantagem das instituições é que elas funcionam sem assumir como premissa a virtude dos participantes”. Assim, sugere que as instituições “raramente resistem ao assalto prolongado de sabotadores”. O que dizer das ditaduras que se impuseram por décadas, como o regime militar brasileiro iniciado em 1964?
O próprio Alexandre de Moraes caminha para uma década de desmandos ocupando o STF, ou as pessoas deveriam acreditar que o ministro nada tem a ver com o plano golpista revelado na conversa vazada do então presidente da Transpetro, Sérgio Machado, que disse que o melhor era “botar o Michel [Temer] num grande acordo nacional” ao Romero Jucá, ministro do Planejamento no governo Temer, que emendou “com Supremo [Tribunal Federal], com tudo”, incluindo os militares evidentemente?
Feres Júnior, mesmo depois de apresentar a “ficha corrida” de Alexandre Moraes, ex-secretário da Segurança do governo sanguinário dos tucanos (PSDB) em São Paulo, e, diante de todas as violações de direitos constitucionais, considera que está se “mostrando capaz de enfrentar as maiores ameaças à democracia brasileira e está fazendo isso sem maiores abusos institucionais”.
O cientista político não compreende que as bases do centro político, em especial do PSDB, que polarizou as eleições presidenciais com PT por 20 anos, foram radicalizadas, em virtude da grande campanha golpista impulsionada pela imprensa burguesa, e capitalizadas pelo discurso de Jair Bolsonaro, que se tornou uma liderança política importante. Assim, a força do bolsonarismo se expressou também no parlamento, ocupando um terreno próprio da direita que comandou o golpe.
É por esse motivo que Alexandre de Moraes promove uma perseguição política contra Bolsonaro. Não está em questão nenhum dos crimes cometidos contra os interesses nacionais como a entrega de refinarias da Petrobrás, de grande parte da Eletrobrás, do Banco Central aos banqueiros, entre outros que a burguesia imperialista assina em baixo.
Em virtude da histeria contra o fascismo, para determinados setores da esquerda, vale tudo contra Bolsonaro. Por isso, acabam apoiando qualquer arbitrariedade e renunciando a reivindicações democráticas históricas da esquerda e entregando “de bandeja” para a extrema-direita. Assim como Feres Júnior, que diz que os “bolsonaristas rapidamente agarraram a oportunidade de utilizar as declarações de Elon Musk como mais um conteúdo na sua batalha cotidiana pela opinião pública”.
A limitação da visão do colunista não permite enxergar a bomba que representa o vazamento das violações cometidas pelo ministro do SFT, que já começa a ter grande repercussão principalmente nos Estados Unidos. Acredita que “Alexandre de Moraes está razoavelmente blindado nesse início de contenda”, quando toda imprensa que apoiou seus crimes, agora tira o “corpo fora” e o abandona.
Além disso, considera que para “realmente atingir o ministro, Elon Musk precisaria financiar uma campanha contra o ministro que fosse capaz de romper a bolha bolsonarista”. Apesar da cegueira, o bilionário já atingiu em cheio Alexandre Moraes, que está com os dias contado. A esquerda “bem pensante” é que se encontra numa verdadeira bolha. Enquanto Bolsonaro capitaliza com pautas populares como a liberdade de expressão e leva dezenas de milhares de pessoas para as ruas, a esquerda recorre à repressão estatal.
A “concepção absolutista do direito de expressão” seria parte da dollar diplomacy, a qual teria terminado há cem anos, segundo Feres Júnior. Independentemente do nome que se atribua e o período, a política de controle político e militar sobre o mundo, desde o estabelecimento do imperialismo, sempre foi a mesma e ainda perdura.
Basta um olhar para as ditaduras militares impostas pelos Estados Unidos contra os diversos países em todo mundo, em todos esses regimes se estabeleceu a censura como regra, o que demonstra de maneira cabal que a liberdade de expressão nunca foi a política de dominação.