Nessa quinta-feira (18), os Estados Unidos vetaram o pedido da Palestina de adesão plena à Organização das Nações Unidas (ONU) durante votação no Conselho de Segurança da entidade. A votação dizia respeito a um pedido enviado ao secretário-geral da ONU, António Guterres, em no início de abril, que solicitava uma nova consideração do seu pedido de adesão.
Esta decisão dos Estados Unidos, entretanto, já estava sendo ensaiada nos bastidores. Documentos e declarações revelam que os EUA, na verdade, tentaram articular com os demais países do Conselho de Segurança para que vetassem a entrada da Palestina.
Na última quarta-feira (17), a representante dos Estados Unidos na Organização das Nações Unidas (ONU), Linda Thomas-Greenfield, expressou a oposição do governo norte-americano a uma possível resolução do Conselho de Segurança da ONU que propusesse a integração plena da Palestina na organização. A reunião aconteceu no mesmo dia 17, porém, antes disso, os EUA já pressionaram pela rejeição da proposta. Segundo matéria do sítio americano The Intercept, desde o último dia 12, telegramas diplomáticos foram enviados com a seguinte mensagem:
“Pedimos que não apoie nenhuma resolução do Conselho de Segurança que recomende a admissão da ‘Palestina’ como estado-membro da ONU, caso essa resolução seja apresentada ao Conselho de Segurança para uma decisão nos próximos dias e semanas.”
Segundo o sítio, telegramas com mensagem estão sendo enviados aos membros do Conselho de Segurança com o claro propósito de pressioná-los, incluindo o presidente rotativo do conselho neste mês, Malta. The Intercept informa ainda que o Equador, “em particular”, é usado pelos norte-americanos para também pressionar não somente Malta, mas também países imperialistas, como a França, para que se oponham ao reconhecimento da Palestina como Estado-membro pleno na ONU. Desde 2012, a Assembleia Geral da ONU aprovou resolução reconhecendo a Palestina como Estado observador, porém não membro
Conforme os telegramas, The Intercept informa ainda que Argélia, China, Guiana, Moçambique, Rússia, Eslovênia, Serra Leoa e Malta seriam os países mais propensos a votar a favor da concessão à Palestina da condição de membro pleno da ONU. França, Japão e Coreia estariam indecisos, enquanto o Reino Unido provavelmente se absteria de votar.
Ante a contradição explícita com a suposta defesa de dois Estados no território palestino retalhado em 1948, o Departamento de Estado (órgão do governo norte-americano responsável por formular a política externa, equivalente ao Ministério das Relações Exteriores) justificou sua posição, alegando que a normalização das relações entre “Israel” e os Estados árabes é a maneira mais rápida e eficaz de obter um Estado duradouro e produtivo. O governo dos EUA chamou de “prematura” a tentativa de reconhecer a Palestina como um Estado-membro:
“Ações prematuras no Conselho de Segurança da ONU, mesmo com as melhores intenções, não alcançarão nem o estado nem a autodeterminação para o povo palestino. Tais iniciativas, ao invés disso, colocarão em perigo os esforços de normalização e afastarão as partes ainda mais, aumentando o risco de violência no terreno que poderia custar vidas inocentes em ambos os lados e risco de apoio para o novo governo reformado anunciado pelo Presidente Abbas.”
Conforme The Intercept, outro telegrama, do dia 13, havia sido enviado da Embaixada dos EUA em Quito (capital do Equador), relatando que a ministra das Relações Exteriores do Equador, Gabriela Sommerfeld, “concordava” com os norte-americanos que a Palestina não deveria ser reconhecida como Estado. Conforme o telegrama, Sommerfeld atuou como garota de recados para os Estados Unidos e instruiu o representante do Equador na ONU, José De La Gasca, a pressionar representantes do Japão, da Coreia do Sul e de Malta (todos membros rotativos do Conselho de Segurança) a rejeitarem a proposta, assim como o membro permanente, a França.
A chanceler equatoriana, segundo o telegrama, declarara ser “importante que qualquer resolução proposta não conseguisse obter os votos necessários sem o veto dos EUA [grifo nosso]”. O trecho grifado indica que toda a mobilização da política externa do país sul-americano volta-se a atender aos interesses dos EUA, inclusive livrando-o do peso político do veto norte-americano à adesão da Palestina na ONU como país membro e, com isso, como nação independente e soberana.
De acordo com The Intercept, o telegrama diz: “o Equador não gostaria de parecer isolado em sua rejeição de uma resolução sobre a ‘Palestina’ (particularmente em um momento em que a maioria dos Estados-membros da ONU está criticando o Equador por sua incursão em 5 de abril na embaixada do México em Quito)“. Governado por uma verdadeira ditadura, o Equador se encontra em conflito com o México devido à violação da Embaixada Mexicana para prender o ex-vice-presidente equatoriano, que, fugindo da perseguição política, refugiara-se no local.
A invasão da Embaixada do México ocorreu no último dia 6, sendo empreendida para o regime capturar um dos principais representantes do nacionalismo no país e, por isso mesmo, opositor dos EUA, Jorge Glass. O caso foi um escândalo mundial devido à total ilegalidade da ação equatoriana à luz do direito internacional.
“Querendo ou não, a votação da Assembleia Geral sobre essa questão tem peso político e não jurídico”, disse ao The Intercept o diretor da ONG International Crisis Group, Richard Gowan. “A Assembleia só pode aceitar um novo Estado ‘por recomendação’ do Conselho de Segurança“. Sobre a oposição do governo norte-americano, Gowan destacou:
“A posição dos EUA é que o Estado palestino deve ser baseado em acordos bilaterais entre israelenses e palestinos”, disse Gowan. “Ele não acredita que a ONU possa criar o estado por meio de um fiat [palavra em latim que significa ‘faça-se’, usada para descrever medidas arbitrárias, adotadas unilateralmente]“.
A oposição e as considerações feitas por Washington, é preciso dizer, são profundamente cínicas e hipócritas. Ao afirmar que a criação deve ser baseada em acordos bilaterais entre israelenses e palestinos, os EUA abusam da ignorância pública sobre como foi formado o Estado de “Israel”. Enquanto defendem a necessidade de acordos bilaterais para o estabelecimento do Estado palestino, eles convenientemente esquecem que foi a própria ONU que, em 1947, decidiu, sem consultar os palestinos ou os árabes, retalhar a Palestina e criar “Israel”. Esse ato unilateral da comunidade internacional, apoiado pelos EUA, resultou no deslocamento forçado de centenas de milhares de palestinos e na usurpação de suas terras.