Os 60 anos do golpe militar de 1964 acontecem em meio a um dos momentos mais delicados da história recente do Brasil. Embora as circunstâncias não sejam as mesmas de 2019, quando o golpe completou 55 anos e o então presidente Jair Bolsonaro tomou uma série de iniciativas para celebrar o acontecimento, chegando, inclusive, a provocar os familiares das vítimas da ditadura; hoje, sob um governo popular, a ameaça golpista é um fator incontestável no atual regime.
O problema das Forças Armadas pouco tem a ver com as recentes investigações do Supremo Tribunal Federal (STF) e da Polícia Federal (PF) no âmbito da operação Tempus Veritatis. A ameaça golpista das Forças Armadas não está na mentalidade antidemocrática de meia dúzia de indivíduos, nem se resume à vinculação destes a um ex-presidente que é um adorador da ditadura militar.
As Forças Armadas, por sua própria constituição, são uma ameaça permanente a qualquer regime na sociedade capitalista. Os generais que se dizem “legalistas” são, na esmagadora maioria das vezes, justamente aqueles que comandam os golpes de Estado – pois são eles que têm a confiança do imperialismo, sem o qual qualquer golpe tende ao fracasso. As Forças Armadas, na medida em que detêm o monopólio das armas e são uma burocracia, cujo funcionamento é praticamente independente de qualquer outra instituição do Estado, como o próprio Poder Executivo; exercem uma tutela permanente sobre o conjunto da sociedade.
Para comprovar isso, não é necessário recorrer a exemplos internacionais ou de longa data. Em 2016, o País sofreu um golpe de Estado, no qual o Poder Judiciário, por meio da operação Lava Jato, e o Poder Legislativo, por meio da votação do impeachment, foram protagonistas. Ocorre, no entanto, que o golpe só foi dado porque recebeu o consentimento das Forças Armadas, que publicamente se comprometeram a não intervir.
Se as Forças Armadas, que a todo momento estão se metendo na vida política brasileira, anunciaram que não iriam intervir no processo, é porque, obviamente, apoiavam o golpe.
Pouco tempo depois, o general reformado Hamilton Mourão, que acabaria se tornando vice-presidente da República na chapa encabeçada por Jair Bolsonaro, declarou abertamente que os militares estariam prontos para intervir. Ao falar em “aproximações sucessivas”, Mourão descreveu com precisão a movimentação dos militares: na medida em que a crise política ia se acirrando, dificultando a dominação do imperialismo sobre o regime, os militares iriam, passo a passo, saindo de trás dos bastidores para cada vez mais assumirem um protagonismo na situação política.
Em 2018, o comandante do Exército à época, Eduardo Villas-Bôas, ameaçou o STF caso este concedesse um habeas corpus a Lula. Os militares garantiram a prisão daquele que era o favorito para vencer as eleições naquele ano – foi, portanto, uma espécie de golpe de Estado.
Uma vez que Lula esteve preso, os militares determinaram um “assessor especial” para a presidência do STF, garantindo, assim, que José Antonio Dias Toffoli, que havia sido indicado ao cargo de ministro da corte pelo PT, não tomasse qualquer medida que resultasse na soltura do atual presidente. Antes mesmo da vitória eleitoral de Jair Bolsonaro em 2018, resultado direto da prisão de Lula, os militares ainda estiveram no primeiro plano da situação política durante o governo de Michel Temer, intervindo no Rio de Janeiro e reprimindo a greve dos caminhoneiros.
Essa tutela crescente dos militares só aumentou com o governo de Jair Bolsonaro, que abriu as portas para as Forças Armadas. Após quatro anos de governo Bolsonaro e dois anos de Temer, bem como após todo o avanço dos militares sobre o regime, Lula não poderia herdar outra situação que não uma ofensiva fardada contra o seu governo.
A invasão das sedes dos Três Poderes em 8 de janeiro de 2022 mostrou o acordo de toda a cúpula militar contra o governo de Lula. Ainda que houvesse divergências menores sobre como levar adiante a oposição ao governo do PT, os militares todos participaram, direta ou indiretamente, da humilhação proposital que foi deixar a invasão acontecer e, logo depois, impedir qualquer investigação séria sobre os responsáveis.
Passado mais de dois anos do 8 de janeiro, a situação não melhorou. Pelo contrário: na medida em que os generais permaneceram impunes, o governo ficou ainda mais desmoralizado. A tutela militar sobre o regime aumentou, de tal modo que o próprio Lula, que foi humilhado pelos militares, veio a público se colocar contra qualquer cerimônia oficial de repúdio ao golpe de 1964.
O recuo de Lula em relação aos militares é apenas mais uma comprovação do poder das Forças Armadas sobre o regime. Levando em consideração que o atrito entre o governo e o conjunto da burguesia não para de aumentar, como visto no caso dos dividendos da Petrobrás, a tutela militar será cada vez mais utilizada para pressionar Lula contra os interesses do povo.
Ao mesmo tempo em que as Forças Armadas constituem uma ameaça real ao governo, o sionismo, a tropa de choque da propaganda e da repressão do imperialismo, também pressiona o governo. Entidades como a Confederação Israelita do Brasil (Conib) perseguem militantes e jornalistas independentes, incluindo do próprio partido de Lula, atuando de maneira descarada como uma sucursal de um Estado que está promovendo um genocídio na Palestina. O sionismo, cujos braços no Brasil ficaram expostos na onda de calúnias contra Lula quando condenou o genocídio em Gaza, deve ser igualmente combatido.
É neste sentido que o dia 31 de março precisa ser um dia de mobilização dos trabalhadores e do movimento popular contra a tutela militar e contra o sionismo – isto é, em defesa do povo palestino.