Nos últimos dias, após as medidas judiciais tomadas em torno do caso de Daniel Alves, Robinho e outros, uma série de comentários foram feitos nas redes sociais, em especial o X, que revelam o quanto a esquerda pequeno burguesa está próxima da direita no quesito perseguição penal.
Foi levantado pela direita brasileira a necessidade de acabar com a chamada “saidinha”, que é a saída temporária de detentos das penitenciárias para visitar parentes e amigos, o que ocorre em festas nacionais, como o Natal, ou em outras oportunidades em que o preso faz jus a este direito.
No Congresso Nacional, atendendo a este anseio facista, foi aprovado no dia 20 de março um projeto de lei que acaba com este direito e agora segue para sanção presidencial.
Na cadeia estão “bandidos”
Um dos argumentos mais comuns nas redes sociais com relação a esse e outros ataques contra os direitos dos presos é o que foi expresso abaixo por um perfil de nome Abelardo, que, em resposta a uma postagem de Rui Costa Pimenta, presidente nacional do PCO, afirmou que nas cadeias “não são pessoas pobres, esmagadas pelo capitalismo. São bandidos, alguns deles mais capitalistas que banqueiros. Pobreza não é a razão de se enveredar para o crime. É desvio de caráter. 99% da população é honesta e trabalhadora, apesar de pobre”.
Nada é independente da sociedade, porque o ser humano é antes de tudo um ser social, criado e condicionado pela sociedade, não existem “bandidos” e “mocinhos”. Não existe “desvio de caráter” porque não há uma norma moral absoluta, exceto na religião.
As quase 900 mil pessoas presas no Brasil não seriam pobres, mas pessoas que, por um mal inexplicável, sofrem de desvio de caráter e não conseguiram aceitar os belíssimos termos de uma vida escravizada sob o regime capitalista. São os “bandidos”, como sempre o afirmou a direita facista brasileira.
Os dados existentes contrapõem tudo que é afirmado pelo perfil acima. Apenas para se ter uma ideia, cerca de 2500 dos infelizes que estão presos morreram, dentro do sistema prisional, apenas em 2022. Pode-se pensar que morreram pela gigantesca agressividade desses “bandidos”. Falso. Morreram dentro da cadeia pela falta das mínimas condições de saúde. Trocando em miúdos, o estado brasileiro assassinou quase 2500 pessoas dentro do sistema prisional em 2022.
O preso brasileiro tem um perfil social, ao contrário do que afirma a direita e, agora, a esquerda pequeno burguesa, que decidiu ela mesma ajudar a lotar as cadeias mundo agora. O preso é, em sua maioria, jovem, pobre e negro. E isso não são os comunistas revolucionários que dizem, mas a própria estatística sobre a questão. No sistema prisional, 92% dos presos não concluíram o ensino médio. Não chega a 1% os que ingressaram ou têm um diploma do ensino superior, e são quase 10% os analfabetos. Ou seja, a cadeia serve para perseguir e prender os filhos dos pobres, os filhos da classe trabalhadora. A população pobre é, sim, honesta e trabalhadora, mas nem por isso o sistema penal da burguesia vai deixar de trucidar uma boa parcela dessa população.
E, ao contrário do raciocínio de alguns de que a pena, a cadeia, serve para evitar o cometimento de mais crimes, entre 2002 e 2022 a população carcerária triplicou, além dos 100 mil que, embora não estejam encarcerados, estão com a tornozeleira eletrônica.
Em realidade, a população carcerária nacional, virtualmente, é maior que um milhão de pessoas. Existia, só em São Paulo, em 2019, mais de 100 mil mandados de prisão expedidos e não cumpridos.
Fui roubado, por favor, apliquem a pena de morte
Um dos mais famosos argumentos da direita e da esquerda para defender a repressão é o caso específico, de preferência um caso particular, melhor ainda se for de repercussão nacional. Se aconteceu com você de ser roubado ou ter sofrido algum outro ataque criminoso, toda a Lei deve se curvar diante dos seus interesses feridos, e o autor do crime deve passar por um estado de exceção. Essa é a reação mais animalesca e brutal que uma pessoa poderia ter. É o abandono total da civilidade em troca do retorno à inquisição.
Robinho foi duramente criticado por apresentar um Habeas Corpus, um direito dele, diante de sua prisão. Daniel Alves, ao pagar uma fiança (garantia de que não vai fugir) foi acusado de um segundo estupro, imaginário. A justiça espanhola, ela própria, uma estupradora por conceder a fiança. E o instituto da fiança, que é (ou era) um direito da pessoa que responde por um crime, também foi por água abaixo. Nos dois casos foi a esquerda quem desatou a histeria para acabar com esses direitos democráticos que existem para suportar a repressão estatal.
E obviamente o fim dos direitos democráticos só pode vir, da parte da esquerda, com uma fachada progressista. Trata-se dos crimes sexuais, da defesa da mulher, que, como todos os demais 300 crimes existentes, são o retrato da sociedade podre que o capitalismo desenvolveu. O crime é um resultado do problema social, e o estupro também o é. Esse era o raciocínio de quem aderiu ao programa da esquerda antigamente, hoje, não, não é mais. É preciso pena, crime, polícia e cadeia para os “bandidos”.
Os direitos só existem para os ricos, então vamos acabar com eles… com os direitos, não com os ricos
Outro argumento esquerdista para chancelar a repressão penal é que os direitos do acusado ou do preso como a “saidinha”, a fiança, o habeas corpus, o direito de responder em liberdade, de ser preso somente em razão de julgamento por última instância, a ampla defesa e o contraditório, todos esses direitos só servem aos que possuem muito dinheiro. O pobre não consegue exercê-los. E isso funciona assim mesmo, por isso os pobres são os que estão presos.
Só que o raciocínio correto, para quem tem um pouco de civilidade e humanismo nas ideias, é defender a expansão dos direitos, não o seu fim. Defender que não existam ricos e pobres, mas uma sociedade sem opressores e oprimidos. Mas com a esquerda identitária ou pequeno burguesa, funciona exatamente ao contrário. Se os pobres não conseguem exercer um direito, ninguém deveria poder exercê-lo. Assim, chega-se à defesa da ampliação e reforço do aparato repressivo, que, por sinal, é controlado pela própria burguesia.
“Para mim o ponto é a luta de classe colocada nesse direito à fiança: ou seja, pode pagar essa fiança quem for muito rico. Nenhum assalariado, aposentado, trabalhador informal ou desempregado acusado de um crime como esse de estupro poderia gosar desse direito de responder em liberdade, pois não teria como pagar esse valor. Trata-se de um ‘direito’ para muito poucos, e não para a classe trabalhadora”, afirmou uma pessoa em determinada matéria do Brasil 247.
Ora, a tentativa de resolver problemas sociais, dentro de uma sociedade degenerada, ou seja, dominada pelo capitalismo, com a polícia, com o crime, com as penas e a cadeia, não vai resolver nenhum problema social, vai apenas aumentar a repressão sobre o povo pobre brasileiro.
O clamor punitivo foi tão grande diante dos casos de Robinho e Daniel Alves, que os representantes da esquerda é que saíram em público para defender mais repressão. Foi o caso de Gleisi Hoffmann, que afirmou: “o bolsonarista Daniel Alves pagou fiança de 1 milhão de euros para ser colocado em liberdade provisória na Espanha. Durante o processo, a vítima decidiu um acordo financeiro, exigindo justiça. A justiça espanhola, entretanto, resolveu colocar preço no estupro. A liberdade para estupradores tornou-se privilégio de rico no país europeu”. Aqui, a título de confundir ainda mais o leitor incauto, foi usado o termo “bolsonarista”, como se isso fosse uma espécie de agravante criminal. Algo muito parecido foi dito pela líder do PT sobre a questão do racismo: “Os racistas precisam ser punidos com rigor para não agirem mais e para desestimularem outras pessoas a comentarem o mesmo crime. Estamos em 2024, é inaceitável que ainda exista preconceito, um comportamento tão arcaico”.
Nos casos acima é fácil perceber que os problemas sociais, a situação do negro e da mulher na sociedade, por exemplo, devem ser revolvidos com a cadeia, com a prisão. Não existe mais nenhuma luta política a ser travada, não existe nenhum direito a ser conquistado pelo negro e pela mulher, o que deve ser “conquistado” é o aumento da repressão.
Não precisa ser um revolucionário comunista para perceber que a prisão não resolve problema algum, seja da prática do crime em si, seja dos demais problemas sociais do capitalismo, como o machismo e o racismo e mesmo a pobreza. Toda a discussão sobre o caso do Robinho e do Daniel Alves e outros só existe em razão da capitulação total da esquerda pequeno-burguesa diante da pressão do identitarismo, que, muito bem pensado nos Estados Unidos da América, conseguiu desenvolver em uma série de países o bolsonarismo de esquerda, a esquerda “190”, fanática por penas, crimes e togas.




