Hoje, 22 de março de 2024, completam-se 20 anos do martírio de Ahmed Yassin, um dos fundadores do Movimento de Resistência Islâmica, o Hamas.
Yassin nasceu no vilarejo de Al-Jura, no então Mandato Britânico da Palestina. O ano era o da primeira Revolução Palestina, 1936. Assim como centenas de milhares palestinos, quando veio a Catástrofe, em 1948, ele teve de fugir de sua aldeia, refugiando-se na Faixa de Gaza, no campo de refugiados de al-Shati. Al-Jura, por sua vez, foi alvo de limpeza étnica pelos sionistas. Atualmente, “Israel” ocupa o território da antiga aldeia, e sobre ele foi erguia a cidade de Ashkelon.
Aos 12 anos, brincando de luta-livre com seu amigo Abdullah al-Khatib, sofreu uma lesão grave em sua coluna, o que o deixou tetraplégico, condição na qual permaneceria pelo resto de sua vida. Ante as dificuldades práticas impostas por essa condição, não conseguiu estudar na Universidade Al-Azhar, no Cairo, Egito. Assim, sem a possibilidade de uma educação formal, teve de estudar em sua vila. Contudo, o que a princípio surgiu como uma desvantagem, transformar-se-ia em seu contrário.
Sem as amarras da universidade e de um ensino burocrático, Yassin dedicou-se a várias áreas do saber, tais como economia, sociologia, política e religião. Com o vasto conhecimento que ia adquirindo, Yassin passou a falar ao povo palestino semanalmente, todas as sextas-feiras após as orações do meio-dia, discursos estes que eventualmente passaram a atrair multidões, conforme relatado pelo historiador Zaki Chehab, em sua obra Por dentro do Hamas: a história não contada de militantes, mártires e espiões.
Sua história política começa de fato na década de 1970, quando, em 1973, cria uma instituição de caridade na Faixa de Gaza chamada Mujama al-Islamiya. Através dessa organização, Yassin esteve envolvido com o ramo palestino da Irmandade Muçulmana. Encarregando-se da prestação de vários serviços sociais, tais como tratamento médico e dentário, chegou a construir creches, mesquitas, clubes, escolas, uma livraria e até mesmo uma universidade em Gaza (a Universidade Islâmica em Gaza).
No ano de 1984, Yassin foi preso após as forças israelenses de ocupação terem invadido uma de suas mesquitas e descoberto que lá estavam sendo guardadas armas para a organizar a resistência palestina. Contudo, ele foi liberado em 1985 como parte do Acordo de Jibril, ocasião em que 1.150 palestinos foram presos, em troca de três soldados sionistas que haviam sido feitos prisioneiros pelo Comando Geral da Frente Popular para a Libertação da Palestina durante a Primeira Guerra do Líbano.
Uma vez solto, Ahmed Yassin continuou expandindo as atividades da Mujama al-Islamiya. Até que, em 1987, com mobilização revolucionária do povo palestino durante a Primeira Intifada, ele e seis outros membros de sua organização (Abdel Aziz al-Rantisi incluso) fundam o Hamas, partido que atualmente lidera a Revolução Palestina.
Quando da criação do partido, Yassin dizia que o Hamas era a ala paramilitar da Irmandade Muçulmana da Palestina. Sua liderança espiritual, isto é, ideológica do grupo era realizada principalmente através das mesquitas fundadas por meio de sua instituição. Naturalmente, Yassin pregava a luta contra “Israel” e o sionismo.
Em razão dessa luta, ele e o Hamas foram caluniados de antissemitismo incontáveis vezes ao longo dos anos. Até hoje, o Hamas, seus líderes e seus combatentes o são (assim como todos os que realmente defendem o povo palestino).
Sobre essa acusação pérfida e caluniosa, Yassin deu a seguinte declaração, já em 1990, deixando claro que ele e o Hamas não eram contra os judeus como um povo, mas apenas contra aqueles judeus que expulsaram os palestinos de suas terras (isto é, os sionistas, “Israel”):
“Nós não odiamos judeus e não lutamos contra judeus porque são judeus. Eles são um povo de fé e nós somos um povo de fé, e amamos todos os povos de fé. Se meu irmão, do mesmo pai e da mesma mãe e da mesma fé, toma minhas casas e me expulsa delas, eu vou lutar contra ele. Eu vou lutar contra meu primo se ele tomar minha casa e me expulsar dela. Então, quando um judeu toma minha casa e me expulsa dela, eu vou lutar contra ele. Eu não luto contra outros países porque quero estar em paz com eles, amo todos os povos e desejo paz para eles, até mesmo os judeus. Os judeus viveram conosco toda a nossa vida e nunca os agredimos, e ocuparam altos cargos no governo e nos ministérios. Mas se eles tomarem minha casa e me tornarem um refugiado como 4 milhões de palestinos no exílio?”
Nessa mesma entrevista, questionou a suposta legitimidade da reivindicação dos sionistas à Palestina, expondo que os judeus que fundaram “Israel” jamais tinham vivido naquelas terras, mas eram europeus:
“Quem tem mais direito a esta terra? O imigrante russo que deixou esta terra há 2000 anos ou aquele que deixou há 40 anos? Não odiamos os judeus, só pedimos que nos deem nossos direitos.”
No mesmo sentido foi seu discurso proferido em 1997:
“Quero proclamar alto para o mundo que não estamos lutando contra judeus porque são judeus! Estamos lutando contra eles porque nos agrediram, nos mataram, tomaram nossa terra, nossas casas, nossos filhos, nossas mulheres, nos dispersaram, nos tornamos dispersos por toda parte, um povo sem pátria. Queremos nossos direitos. Não queremos mais nada. Amamos a paz, mas eles odeiam a paz, porque pessoas que tiram os direitos dos outros não acreditam na paz. Por que não deveríamos lutar? Temos o direito de nos defender.”
Vale lembrar que, nesta época, estava em vigor o antigo programa do Hamas. No entanto, o líder espiritual do Hamas já deixava claro que a luta do partido não era contra os judeus, mas contra a colonização e opressão dos sionistas e de “Israel” contra os palestinos.
Em razão de ter fundado o Hamas e de ser seu líder espiritual, ideológico, responsável por angariar centenas de milhares de palestinos como apoiadores da luta revolucionária do Movimento de Resistência Islâmica, não demoraria para Yassin se tornar alvo de operações de assassinato por “Israel”.
A primeira delas ocorreu em 6 de setembro de 2003, quando um F-16 da força aérea israelense disparou inúmeros mísseis contra um prédio na Cidade de Gaza onde Yassin se encontrava. Ele ficou ferido e foi tratado no hospital al-Shifa, o mesmo que vem sendo alvo de uma invasão criminosa desde o dia 18, onde “Israel” já executou sumariamente mais de 200 civis palestinos. À época da tentativa de assassinato, militares israelenses admitiram que ele era o alvo do ataque.
Nova tentativa foi realizada em 22 de março de 2004, quando Yassin estava saindo de uma mesquita em Gaza, logo após as orações matinais. Um helicóptero israelense AH-64 Apache disparou mísseis Hellfire contra Yassin e seus dois guarda-costas. Os três foram assassinados, assim como 12 outros palestinos que estavam próximos.
Quando de sua morte, Ahmed Yassin tinha 67 anos, continuava confinado a uma cadeira de rodas em razão de sua tetraplegia, estando ainda praticamente cego. Seu assassinato foi mais uma demonstração do caráter nazista do Estado de “Israel”.
Contudo, mesmo com o assassinato do líder espiritual do Hamas, o partido da resistência seguiu travando a luta revolucionária do povo palestino durante da Segunda Intifada. De forma que, em 2005, ao término do levante, o Hamas havia se consolidado como a principal força política dos palestinos na luta contra “Israel”.
Ademais, desde o dia 7 de outubro, quando foi realizada a operação Dilúvio de al-Aqsa, o Hamas vem liderando a Revolução Palestina, colocando “Israel” em uma crise sem precedentes. De forma que o martírio de Ahmed Yassin também mostrou que a política sionista de assassinar lideranças da resistência palestina jamais foi uma política eficaz para barrar o avanço dos palestinos em sua luta pelo fim de “Israel” e do sionismo.
Nesse sentido, vale citar um fato que mostra a clareza política desse líder palestino. Quando fracassou a primeira tentativa de assassinato, Yassin fez uma declaração extremamente lúcida, que muitos poderiam chamar de profética:
“Os dias provarão que a política de assassinatos não acabará com o Hamas. Os líderes do Hamas desejam ser mártires e não têm medo da morte. A Jihad continuará e a resistência continuará até que tenhamos a vitória, ou seremos mártires.”
Por fim, a título de curiosidade, e para expor que o Partido da Causa Operária (PCO) sempre defendeu não só o povo palestino, mas também o Hamas, clique neste link para acessar uma matéria que o Partido publicou no dia da morte de Yassin, denunciando seu assassinato e condenado o Estado de “Israel”.