“Ó Deus, veja o estado a que chegamos
A mente ultrapassou os limites da lógica
Raiva, raiva, raiva
Acorde do seu sono e salve Al-Aqsa e sua liberdade
Deixe a revolução explodir”
Esta foi a última publicação de um jovem palestino de 19 anos no Facebook no dia 30 de setembro de 2015. Dias depois, na Cidade Velha de Jerusalém, o jovem esfaqueou um colono sionista, antes de pegar a arma do colono e disparar contra outro. Uma testemunha disse nunca ter visto alguém realizar um ataque com tanta calma, quase com serenidade. As forças israelenses o assassinaram a tiros no local, mas não antes de ele ter matado dois israelenses e ferido outros dois.
O jovem era Muhannad Halabi, um estudante de direito da Universidade Al-Quds. Suas ações no dia 3 de outubro, elogiadas por muitos palestinos como a centelha da Revolta de outubro de 2015, abriram caminho para uma onda de resistência contra israelenses na Cisjordânia ocupada e em Jerusalém, que ficaram conhecidas como a Intifada de Jerusalém, Intifada Silenciosa ou Intifada das Facas.
O termo “intifada” refere-se à revolta palestina e à resistência contra a agressão e ocupação israelenses ao longo dos anos. A primeira intifada ocorreu de 1987 a 1993, e a segunda, de 2000 a 2005. No entanto, diferentes análises divergem sobre como caracterizar a onda de resistência entre 2015 e 2016.
Frequentes opiniões destacam não ter havido uma revolta em massa, como nas primeiras intifadas. Em vez disso, ataques individuais, principalmente esfaqueamentos, mas também atropelamentos e tiros ocorreram quase diariamente.
“As revoltas anteriores foram massivas na sua mobilização, claras na sua mensagem e decisivas na sua entrega. Foram desejadas pelo povo e, em poucos dias, imprimiram-se na consciência coletiva dos palestinos em todo o mundo. A atual revolta é diferente, especialmente porque ainda não tem um sentido claro de direção – uma liderança, uma plataforma política, exigências, expectativas e estratégias de curto e longo prazo”, publicou o Palestine Chronicle em 2016.
As opiniões divergem também sobre as origens do levante, mas os ataques dos sionistas aos muçulmanos na mesquita de al-Aqsa foram, provavelmente, o estopim. Em setembro de 2015, colonos judeus apoiados pelas forças de segurança israelenses invadiram o complexo da mesquita, na Jerusalém Oriental ocupada, disparando balas de aço revestidas de borracha e granadas de atordoamento, ferindo vários fiéis. O evento desencadeou protestos em larga escala contra a ocupação israelense e políticas sionistas que insistem na tentativa de banir a entrada de muçulmanos na mesquita.
Shafiq Halabi, pai de Muhannad, relatou que seu filho estava indignado pelas imagens de mulheres palestinas agredidas pelas forças de segurança israelenses no complexo da mesquita e pelos massacres de palestinos durante a guerra de “Israel” na Faixa de Gaza em 2014, quando vários palestinos foram queimados vivos pelos fascistas sionistas. Para ele, Muhannad foi influenciado “pelo insuportável status quo e pela forma como nada foi feito para melhorá-lo”, acrescentando que o seu ataque aos colonos foi feito para manter “a dignidade dos palestinos”.
Akram Rjoub, governador de Nablus de 2014 a 2016, e de Jenin até 2023, disse à Al Jazeera em 2017: “a violação do complexo da Mesquita de al-Aqsa, a contínua expropriação de terras, a retórica e o apoio do governo israelense aos colonatos, a cobrança em locais de culto, a queima de palestinos vivos, como o da família Dawabsheh e de Mohammad Abukhdeir – tudo isto foi o que levou alguns jovens palestinos a realizar ataques contra israelenses”.
O analista político Hani al-Masri, baseado em Ramala, disse à Al Jazeera que era de se esperar que o impulso que inicialmente levou à Revolta de Outubro não se expandisse para uma intifada de fato. “Esta foi uma intifada de ondas, ou uma faísca de ondas, uma reação. Foi o resultado da ausência de um plano de ação por parte da liderança palestina – enquanto não apresentaram uma estratégia eficaz para enfrentar a ocupação”.
“Para que uma Intifada seja inclusiva”, continuou Masri, “deve ter uma liderança unificada, uma agenda e um objetivo. A divisão política entre o Fatá e o Hamas esgotou a energia do povo palestino”.
Rjoub garantiu, naquela época, que os palestinos não estão inclinados à violência. “Mas quando Israel ultrapassa todos os limites morais possíveis, ninguém pode prever qual será a resposta dos palestinos, muito menos as reações dos jovens que se encontram cercados por todos os lados pela opressão que procura destruir a sua dignidade”, disse ele.
Na liderança da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas fez de tudo para reprimir a ira do povo palestino, continuou sua “coordenação de segurança” com “Israel”, contribuindo para a desmoralização de seu governo frente à população.
“Eu estaria louco se dissesse ao meu filho que esfaquear alguém é uma boa ação”, disse ele em 2016, após ter enviado forças de segurança para procurar facas nas mochilas escolares das crianças palestinas.
A repressiva liderança da Autoridade Palestina, e seus esforços para o desarmamento da população desde os acordos de Oslo em 1993, dificultou a criação de uma reação organizada como acontece agora, algo que ficou especialmente evidente a partir da ação heroica do Hamas em 7 de outubro de 2023.
A revolta de 2015 foi liderada, principalmente, por jovens, a chamada geração Oslo, que testemunhou 22 anos em que a Autoridade Palestina traiu as esperanças dos palestinos com o enganador “processo de paz”, enquanto não fez nada para melhorar as suas vidas e exauriu seus ensejos por liberdade. Uma geração que cresceu atrás de muros e postos de controle e explodiu em violência impulsionada pela raiva reprimida, por ter que combater dois inimigos distintos – o exército de ocupação e a sua própria liderança opressiva.
A repressão brutal da Revolta de 2015 foi um momento decisivo na relação entre o governo israelense e a liderança da AP e entre as próprias fações palestinas.
Segundo a Al Jazeera, pelo menos 285 palestinos e 42 israelenses foram mortos. Conforme o Centro de Estudos de Prisioneiros Palestinos, 14 mil palestinos foram presos entre outubro de 2015 e setembro de 2017, incluindo 3.100 crianças e 437 mulheres.
O exército israelense utilizou a punição coletiva como forma de dissuasão para impedir os ataques. Medidas punitivas como a demolição de casas de familiares dos palestinos que realizaram ataques são apenas um exemplo.
A revogação de autorizações de viagem ou de trabalho de familiares de agentes da resistência tornou-se norma, bem como a prisão e detenção de seus pais e irmãos. Por vezes, estas medidas estenderam-se a áreas inteira, com a imposição de cercos de aldeia ou cidades de origem daqueles que perpetravam os ataques.
O porta-voz do Centro de Estudos dos Prisioneiros da Palestina, Riyad Al-Ashqar, em 2017, disse em comunicado à imprensa que “a tortura física ou psicológica, ou abuso moral e humilhação que degrada a dignidade de cidadãos e familiares, especialmente crianças, constitui uma grave violação das regras do direito internacional humanitário e direito internacional dos direitos humanos”.
Barack Obama, presidente dos EUA na época, declarou que “Israel” tinha o direito de se defender face ao que chamou de “violência aleatória”.
Lama Khater escreveu no Palestine Chronicle em 2015:
“Nesta intifada, as armas foram introduzidas desde o início como meio de resistência, e os sacrifícios palestinos provaram que a escassez de armas automáticas não deteria aqueles com forte vontade e aqueles que estão conscientes do seu papel. Entretanto, a ocupação confirmou as suas características mais distintas, ou seja, a covardia, o pânico e a sua regressão face a grandes homens, mesmo quando o seu armamento avançado se depara com uma faca solitária, e mesmo quando os seus corpos são protegidos por escudos e capacetes. A questão mais importante permanece: se o caos e a confusão que atingiram a sociedade e o governo da ocupação foram causados por algumas facas e balas, qual seria a sua situação se armamentos mais avançados fossem introduzidos na batalha ou se estivessem disponíveis para qualquer um que quisesse sacrificar suas vidas?”
A resposta, vê-se hoje, na certeza da vitória dos dirigente do Hamas na liderança de uma frente única organizada para a revolução armada.
A psiquiatra Dr. Samah Jabr escreveu, também em 2015: “deixemos que todos os palestinos decentes e os seus apoiantes internacionais façam o que for necessário para garantir a sobrevivência das nossas aves da liberdade. Devemos manter a agência coletiva e o zelo moral da nossa revolução face a todos os opressores, de dentro e de fora, para a libertação final do nosso povo e da nossa terra”. O seu artigo no Palestine Chronicle foi auspiciosamente intitulado A próxima Intifada deverá ser uma revolução palestina até ao fim da ocupação.