HISTÓRIA DA PALESTINA

O banho de sangue em Sabra e Chatila

Um dos mais bárbaros crimes de guerra da segunda metade do século XX só não se repete pela ação do Hamas e da resistência armada palestina

O Massacre de Sabra e Chatila aconteceu entre 16 e 18 de setembro de 1982, em Beirute, a capital do Líbano. Cerca de 3500 civis palestinos desarmados foram brutalmente torturados e assassinados por milícias fascistas cristãs, as Falanges (ou Kataeb) Libanesas, coordenadas pelo exército “israelense”, com o aval dos Estados Unidos e demais países imperialistas. Os três dias de violência que assombraram o campo de refugiados palestino, Chatila, e o bairro adjacente de Sabra, localizados a sudoeste da cidade, ocorreram durante a sangrenta guerra civil do Líbano, provocada por “Israel”. As imagens dos corpos empilhados pelas ruas estreitas, multidões aos prantos buscando por sobreviventes são até hoje lembradas como um dos mais abomináveis episódios da história da limpeza étnica do povo palestino.

Em 1948, com a formação do Estado de Israel, cerca de 500 cidades e aldeias árabes foram destruídas. Expulsas ou aterrorizadas pelos sionistas, quase 1 milhão de pessoas deixaram a Palestina. Cerca de 110 mil delas cruzaram a fronteira da Galileia e se refugiaram no Líbano em busca de abrigo e segurança.

No início dos anos 70, a Organização para a Libertação da Palestina, a OLP, por influência dos EUA, foi expulsa da Jordânia. O conflito, conhecido como Setembro Negro, causou a morte de 20 mil palestinos. Yasser Arafat, o líder histórico da OLP, estabeleceu a sua sede no Líbano e desenvolveu um aparato militar para liderar a luta armada de resistência contra a ocupação de “Israel”. A OLP liderava cerca de 340 mil palestinos e fornecia serviços sociais e de infraestruturas básicas. Milhares de combatentes se abrigavam e treinavam nos campos de refugiados, que eram vistos como símbolo da resistência Palestina. 

A presença da OLP no Líbano preocupava os “israelenses” que, por isso, instigaram a tenebrosa guerra civil no país que durou de 1975 a 1990. A guerra envolveu cristãos conservadores como os do Partido Falangista, apoiados por “Israel” e pelos EUA, e muçulmanos progressistas como os da OLP, apoiados pelos drusos, a esquerda libanesa e pela Síria. Financiados pelos países imperialistas, os sionistas tinham como maior objetivo neutralizar a resistência revolucionária palestina para dominar a região.

Em 6 de junho de 1982, Ariel Sharon, ministro de defesa de Israel e líder do exército, recebeu aval do primeiro-ministro Menachem Begin para invadir o Líbano até o rio Litani, na operação “Paz na Galileia”. Cerca de 60 mil soldados e mais de 800 tanques, fortemente apoiados por aeronaves, helicópteros de ataque, artilharia e barcos com mísseis, cruzaram a fronteira de “Israel”. O objetivo oficial das Forças de Defesa de “Israel”, FDI, era fazer cessar os ataques dos palestinos ao país, a partir do sul do Líbano.

Ariel Sharon, no entanto, expandiu rapidamente a guerra e avançou até Beirute, cercando milhares de combatentes da OLP e sitiando cerca de 500 mil pessoas. Segundo Sharon, ele iria “livrar o mundo do centro do terrorismo internacional”

Dezenas de milhares de palestinos moravam em Sabra e no campo de refugiados de Chatila. Em más condições de habitação, desemprego, pobreza e falta de acesso a serviços básicos, o campo era considerado um reduto da OLP, que defendia os refugiados desde a sua criação.

O cerco de Beirute começou em 13 de junho, 7 dias após a invasão do sul Líbano, Durante 10 semanas, “Israel” atacou a cidade por ar, mar e terra, cortando o abastecimento de alimentos, água e eletricidade principalmente nas áreas onde moravam os palestinos. Rompendo o acordo de cessar-fogo que havia sido mediado pelas Nações Unidas e os EUA, as tropas sionistas queriam expulsar a OLP do Líbano. 

Os ataques, que incluíram bombas norte~americanas de fósforo e fragmentação, não se limitaram à destruição do aparato militar da OLP. Eram alvos toda a base social e de bem-estar da organização, como serviços de saúde e educação, e também a população civil de Beirute ocidental 

Nos primeiros 3 meses da invasão de “Israel”, cerca de 18 mil palestinos e libaneses foram mortos, a maioria civis. Mais de 5 mil pessoas morreram em Beirute. Um quarto das mortes foi de crianças menores de 15 anos. Apesar de toda a destruição, “Israel” impedia a chegada de ajuda humanitária na região.

Em 1 de setembro, os sionistas finalmente conseguiram expulsar a OLP do país. O acordo Habib, mediado pelos Estados Unidos, garantia a segurança de passagem dos combatentes para a Tunísia. Mais de 14 mil combatentes da OLP evacuaram o país, supervisionados pela Força Multinacional no Líbano. A Força Internacional de Manutenção da Paz, com tropas dos Estados Unidos, Reino Unido, França e Itália, ficou encarregada de manter a ordem e a segurança dos refugiados. O armamento da resistência Palestina foi confiscado pela Falange Cristã. Embora a Força Multinacional tenha ficado encarregada da segurança dos refugiados, ela deixou o país no dia 10 de setembro, poucos dias antes do massacre.

No dia 14 de setembro, o líder da extrema-direita Bashir Gemayel foi assassinado, dias antes de assumir a presidência do Líbano. Na sede da Falange Libanesa, um carro bomba explodiu, causando a morte de Bashir e outros 22  falangistas. No dia seguinte, Habib Shartouni, um cristão maronita do Partido Social Nacionalista Sírio, foi preso. Ele confessou que a motivação do assassinato foi a aliança de Bashir com “Israel”, que havia facilitado a invasão do Líbano e, segundo Shartouni,  transformado o país num “estado fantoche”.

Apenas dois dias depois do assassinato, no entanto, após acusações de que militantes palestinos teriam perpetrado o ataque, tropas falangistas invadiram Sabra e Chatila em busca de vingança.

“Israel” iniciou a invasão de Beirute na madrugada do dia 15, com bombardeios de tanques e canhões. Ariel Sharon chegou à linha de frente às 9h para supervisionar a operação. Às 12h do dia 16 de setembro, ele anunciou a tomada militar da cidade. Tanques israelenses cercaram a região, fechando as entradas principais dos acampamentos com postos de controle – ninguém podia entrar ou sair. A sede das FDI estava localizada na rotunda do Cuaite, perto de Sabra e Chatila. Por alto-falantes, homens foram instruídos pelos sionistas a se dirigir ao Estádio Municipal Esportivo perto dali.

Testemunhas relatam que o massacre começou já naquele local, onde jovens foram assassinados e enterrados em valas comuns com retroescavadeiras. Os idosos foram instruídos a voltar ao campo de refugiados e enviar ao estádio quaisquer homens jovens que encontrassem no caminho. 

A partir de então, Sharon e o chefe do “Estado-Maior de Israel”, Rafael Eitan, se reuniram com unidades da milícia cristã falangista libanesa para incitá-los a entrar nos acampamentos e vingar a morte de seu líder. A reunião terminou às 15h. Às 17h, a primeira unidade de falangistas, armados com pistolas, facas e machados, entrou em Sabra e Chatila.

Relatos garantem que as FDI estavam em direto contato com a Falange, e dirigiam a operação do alto dos prédios que cercavam os campos, com rádios e binóculos. Ao cair da noite, os sionistas usaram sinalizadores para iluminar a escuridão para os falangistas, que aterrorizavam os refugiados de porta em porta. Civis palestinos que tentaram fugir foram impedidos pelos “israelenses” que cercavam a região. Testemunhas afirmam que homens que imploraram aos sionistas por suas armas para combater as falanges, foram entregues a elas para serem torturados e assassinados.

Os falangistas passaram quase três dias assassinando, torturando, estuprando milhares de refugiados desarmados. Em 56 horas, realizaram atrocidades como mutilação, castração, escalpelamento, estripação de mulheres grávidas e gravação de cruzes nos corpos das pessoas. Famílias inteiras, incluindo bebês, foram torturadas e executadas. A milícia matou indiscriminadamente a tiros, facadas e machadadas, idosos, mulheres e crianças.

Mais de 3 mil refugiados desarmados foram assassinados, mas ninguém nunca foi responsabilizado ou punido pelo massacre de Sabra e Chatila. Dez dias depois do massacre, por pressão da imensa comoção da comunidade internacional, o gabinete de Menachem Begin estabeleceu uma comissão de inquérito para investigar a responsabilidade das cúpulas militar e política “israelenses” pelo incidente.

Cinco meses depois, em fevereiro de 1983, a chamada Comissão Kahan, comandada pelo presidente da Suprema Corte, Yitzhak Kahan, concluiu que os assassinatos foram cometidos pela unidade falangista, que teria agido por conta própria, com o “envolvimento indireto” do exército de “Israel”. Ariel Sharon foi considerado pessoalmente responsável pelo massacre “por ignorar o perigo de derramamento de sangue e vingança” e “não tomar medidas adequadas para evitar derramamento de sangue”. A comissão recomendou a demissão de Sharon, o que foi aceito por Begin. 

Posteriormente, no entanto, Sharon foi Ministro da Infraestrutura Nacional (1996 a 1998) e Ministro das Relações Exteriores (1998 e 1999), no governo de – ninguém menos – Benjamin Netanyahu, que governou o país de 1996 a 1999. Em setembro de 1999, Begin foi eleito para substituir Netanyahu na liderança do partido fascista Likud.

Em 28 de setembro de 2000, Sharon, em campanha para primeiro-ministro, acompanhado de uma escolta de mais de mil policiais israelenses, visitou a Cúpula da Rocha, no Monte do Templo, onde fica também a mesquita de Al Aqsa, e declarou que o complexo permaneceria sob controle perpétuo de “Israel”. No dia 6 de fevereiro de 2001, Sharon foi eleito primeiro-ministro de “Israel”, derrotando o trabalhista Ehud Barak por 62% a 38%.

Em 18 de junho de 2001, familiares das vítimas do massacre iniciaram procedimentos na Bélgica para indiciar Sharon pelas acusações de crimes de guerra. Elie Hobeika, o líder da milícia falangista que executou os massacres, foi assassinado em janeiro de 2002, meses antes de testemunhar no julgamento. Em 2002, juízes em Bruxelas decidiram que as leis de crimes de guerra não poderiam ser usadas ​​para julgar Sharon.

O massacre de Sabra e Chatila foi apenas um, dos milhares crimes cometidos pelo sionismo e o imperialismo, contra o povo palestino. Os ataques à Gaza nos últimos 5 meses, com mais de 30 mil mortos – 70% deles, mulheres e crianças – são uma repetição, ainda mais macabra, da ação de “Israel” em Beirute nos anos 80. Os sionistas continuam empenhados em realizar seu plano de limpeza étnica, utilizando os mais terríveis métodos, para se livrar de cerca de 2 milhões de palestinos que vivem na Faixa de Gaza. Entre os exemplos recentes mais chocantes estão os Massacres da Farinha das últimas semanas. Ataques com helicópteros, mísseis e tanques deixaram mortos, mais de 400 palestinos, que famintos, buscavam por comida. A presença da resistência armada em Gaza e na Cisjordânia é a única defesa do povo palestino contra a infiltração por terra do exército de “Israel” na região, que possibilitaria mais massacres no estilo perverso de Sabra e Chatila.

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