Essa semana, no dia 19 de março, completa-se 60 anos do início do que foi conhecido como marcha da Família com Deus Pela Liberdade, uma série de atos direitistas e de caráter golpista que ocorreram entre os dias 19 de março e 8 de junho em 1964. Durante essas manifestações, 500 mil pessoas saíram às ruas para protestar contra o governo de João Goulart que a época baixou vários decretos de reformas sociais, abarcando reformas no setor agrário, financeiro, administrativo e tributário. Os decretos garantiriam o que Goulart chamava de justiça social.
Essas reformas incomodaram o empresariado, o clero e setores públicos diversos que se organizaram, e levaram um contingente massivo de pessoas às ruas para derrubar o governo. Em plena Guerra Fria, esse setor conservador da população temia uma implementação de uma ditadura socialista no Brasil.
Diversas organizações fomentaram essas marchas, tais como o Federação das indústrias do Estado de São Paulo (FIESP ), a Campanha da Mulher Pela democracia) e o Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPES), além de grupos menores como União Cívica Feminina e também Fraterna Amizade Urbana e Rural. A FIESP recebia financiamento estrangeiro para realizar essas marchas enquanto o IPES, de maneira mais escancarada, tinha seu maior financiador justamente o governo dos EUA. O então presidente norte-americano John Kennedy, alegava receio do crescimento de um movimento comunista no Brasil, que segundo ele, poderia resultar em uma Revolução Comunista e instalar o socialismo no país, assim, criando uma “nova China”.
O grande idealizador da marcha da família com Deus pela liberdade foi o deputado paulista Antonio Silva da Cunha Bueno, do Partido Social Democrático (PSD), que se baseou por sua vez no padre irlandês Patrick Peyton, que fundou em seu país a Cruzada do Rosário pela família. Cunha Bueno procurou empresários e o vice-governador de São Paulo, Laudo Natel, para que oferecessem apoio logístico a sua empreitada. O então governador de São Paulo, Ademar de Barros, arrecadou dinheiro para comprar caminhões para a Força Pública (atual Polícia Militar do Estado de São Paulo) e garantir a ordem da Marcha. Natel recomendou a Cunha Bueno que procurasse a freira Ana de Lourdes, neta de Ruy Barbosa, para arregimentar lideranças femininas. A religiosa viu ameaças à fé católica no discurso de Goulart, que afirmou que “não é com Rosários que se combatem as reformas”, alegando perseguição dos ditos “socialistas” à fé cristã.
Originalmente, a manifestação se chamaria “Marcha de Desagravo ao Santo Rosário”, mas Ademar ponderou que o nome excluía outras religiões que a oposição ao governo Goulart deveria permanecer unida para conseguir depor o presidente. A deputada Conceição da Costa Neves propôs o Marcha da Família com Deus pela Liberdade.
O governador paulista se fez representar no trabalho de convocação da marcha através de sua mulher, Leonor Mendes de Barros. O movimento rapidamente conquistou adesões, mas faltavam lideranças femininas. O IPES, um centro de estudos, ofereceu cursos nos quais mulheres recebiam aulas sobre como pregar a união da família contra o comunismo. Em seguida, elas eram orientadas a esclarecer as amigas e seus próximos contra a “ameaça vermelha”.