No artigo Esquerda brasileira ainda está no século passado, publicado pelo jornal O Globo, Merval Pereira, um dos principais porta-vozes da Família Marinho, oferece sua “análise” sobre a situação em que se encontra o governo Lula e o Partido dos Trabalhadores (PT). Pereira apresenta alguns fatos, como o isolamento do PT na Câmara dos Deputados, para chegar a uma conclusão tipicamente venenosa: “a questão é que a esquerda brasileira é muito atrasada, ainda está no século passado nas relações de trabalho e nas relações humanas”.
Merval não detalha quais seriam as questões do “século passado”, embora seja fácil entender do que se trata. Antes disso, destacamos dois pontos de sua colocação.
O primeiro deles é que ao colocar a culpa da situação em que se encontra a esquerda na própria esquerda, Merval Pereira ignora por completo que o País vive um golpe de Estado em desenvolvimento. E nada de diferente poderia ser esperado: ele foi e é parte do golpe de Estado, tendo sido utilizado por seus patrões para inúmeros ataques pérfidos ao PT.
A questão do golpe de Estado é central. Há mais de dez anos, o Departamento de Estado norte-americano vem corrompendo as autoridades brasileiras, sobretudo do Poder Judiciário e da Polícia Federal, com o objetivo de mudar profundamente o regime, inviabilizando uma participação mais expressiva da esquerda nele. A composição da Câmara dos Deputados hoje é nada menos que o resultado de candidaturas cassadas, de censuras, da prisão do próprio presidente Lula em 2018, da coação de dirigentes partidários e de regras eleitorais surreais. A composição do Legislativo não é a expressão da vontade do povo em si, mas o resultado de toda uma operação de encurralamento da esquerda.
Como se isso não fosse suficiente, as condições para que o governo compre uma briga com aqueles que já são declaradamente seus inimigos são extremamente desfavoráveis. E por quê? Porque há uma operação sistemática de sabotagem ao País, na qual estão envolvidos não apenas os militares que organizaram o 8 de janeiro de 2023, mas principalmente a grande imprensa, que procura pressionar o governo contra a sua política toda vez que ele tenta conquistar alguma independência.
Se há alguma crítica que possa ser feita à esquerda sobre essa questão, está na sua apatia em combater as conspirações da direita. Mas ignorar as conspirações é justamente fazer parte delas, como faz Merval.
O segundo ponto é que a fala sobre o “século passado” tem como objetivo, na verdade, submeter a esquerda ao processo golpista instaurado no País, e não superá-lo. Isso fica claro no seguinte trecho:
“Lula perde tempo com Maduro e Venezuela, uma vergonha. Enquanto não se atualizarem, não entenderem que o mundo mudou e que não é assim que a ‘banda toca’, vão ficar em minoria. Não estão entendendo o que está acontecendo com a sociedade; não estão compreendendo que a maneira como faziam política há 20 anos não funciona mais”.
Ora, mas o que Lula e o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, têm em comum? Que ambos são lideranças populares em contradição com o imperialismo. Isto é, a luta anti-imperialista.
Diante de uma ofensiva golpista, Merval Pereira quer que a esquerda abandone a luta anti-imperialista. Quer, portanto, que abrace os seus inimigos. Ela deve fazer o exato oposto: voltar suas baterias contra a Rede Globo, o sionismo, os Estados Unidos e todos aqueles que querem fazer do Brasil uma base para a política criminosa dos grandes monopólios.