Israelenses não são o único grupo demográfico entre as tropas das Forças de Defesa de Israel (IDF) em Gaza. Combatentes estrangeiros de países tão distantes quanto Estados Unidos, França, Espanha, Holanda e até Índia participam ativamente das hostilidades. Embora o número exato de internacionais lutando em Gaza não seja conhecido, sabe-se que cidadãos de numerosos países parecem ser pelo menos cúmplices do que tem sido categorizado como genocídio.
De acordo com a Lei de Retorno de Israel, qualquer indivíduo com pelo menos um avô ou cônjuge judeu pode obter a cidadania israelense. Nesse sentido, muitos nascidos no exterior podem servir nas Forças Armadas de Israel mantendo ainda a nacionalidade de seu local de nascimento. Eles frequentemente emigram e então servem no exército.
Atualmente, 45% dos “soldados solitários” do exército israelense, aqueles que servem mas não têm família em Israel, são novos imigrantes. O programa atual de “soldados solitários” tem tropas de mais de 60 países, com aproximadamente 35% dos EUA. É importante notar, porém, que os indivíduos que fazem parte do programa de “soldados solitários” de Israel não são considerados mercenários, que são profissionais contratados pelo governo de um país para lutar em sua guerra e não são cidadãos desse país.
Para ampliar o grupo de recrutamento, o exército israelense agora aceita bisnetos de judeus para se juntarem. Embora eles não sejam elegíveis para se tornarem cidadãos israelenses sob a Lei de Retorno, podem servir no exército israelense.
Outra opção é o voluntariado no programa Mahal de Israel, que permite que jovens judeus de outros países se juntem ao exército sem se tornarem cidadãos. Atualmente, há 500 voluntários do Mahal no exército israelense.
“A maioria dos mercenários lutando por Israel agora é bem-vinda com base em suas afiliações religiosas e dupla cidadania, tornando sua responsabilidade bastante complexa“, disse Mustafa Fetouri, jornalista e analista líbio, ao MintPress News. “Muitos países cujos cidadãos estão lutando por Israel, incluindo os EUA, têm leis criminalizando tais ações, mas não é uma questão simples quando a dupla cidadania é considerada”.
Fetouri desenvolveu isso, escrevendo no Middle East Monitor que “a Lei de Neutralidade dos Estados Unidos, datada dos primeiros dias dos EUA, torna ilegal para qualquer cidadão norte-americano participar de qualquer guerra estrangeira ou estabelecer uma milícia para esse fim”. Ele observou que a legislação, no entanto, não foi reforçada ultimamente “à medida que centenas de norte-americanos participaram de guerras na Ucrânia, na Líbia em 2011 e, agora, em Gaza”.
O exército israelense também recruta abertamente naturais de outros países. Por exemplo, o consulado de Israel em Toronto anunciou compromissos com seu representante militar para aqueles que desejam se juntar ao exército.
From November 11-14, the Israeli consulate in Toronto will be recruiting Canadians to serve in Israel’s terrorist military.
It is obscene that @justintrudeau’s government allows this terrorist recruitment to occur on Canadian soil.#Palestine #Israel #terrorism @CanadaFP pic.twitter.com/pOXyrQHLRJ
— Dimitri Lascaris (@dimitrilascaris) November 3, 2019
O site do consulado dizia: “jovens que desejam se alistar nas IDF ou qualquer pessoa que não tenha cumprido suas obrigações de acordo com a Lei do Serviço de Defesa de Israel são convidados a se encontrar com ele [um representante do exército israelense]“.
Organizações como Nefesh B’Nefesh, que incentiva a imigração de judeus para Israel da América do Norte, realizaram eventos sobre como se juntar ao exército israelense. Sar-El (Projeto Nacional de Voluntários para Israel) recruta judeus e não-judeus internacionalmente para ajudar nos esforços militares israelenses em bases do exército, como embalando alimentos e suprimentos médicos.
As nacionalidades que estão servindo
Em novembro, o jornal espanhol El Mundo revelou que o mercenário espanhol Pedro Diaz Flores agora está lutando por Israel, tendo lutado anteriormente na Ucrânia com a Brigada Azov neo-nazista.
“Então eu vim por economia, por dinheiro. Eles pagam muito bem, oferecem bom equipamento e o trabalho é tranquilo. São 3.900 euros [$4.187] por semana, missões complementares à parte“, disse Flores ao El Mundo.
Enquanto fotografado ao lado de um posto de controle na fronteira com a Faixa de Gaza, ele disse ao jornal que está trabalhando nas Colinas de Golã ocupadas da Síria, dizendo: “só fornecemos apoio de segurança a comboios de armas ou às tropas das Forças Armadas israelenses que estão na Faixa de Gaza, nós não lutamos diretamente contra o Hamas, nem estamos envolvidos em operações de assalto”.
“Estamos encarregados da segurança dos postos de controle e do controle de acesso nas fronteiras de Gaza e Jordânia. Há muitas empresas militares privadas (PMCs) aqui, e elas dividem o trabalho. Tradicionalmente, elas guardavam terminais de fronteira entre Eilat e Aqaba”, acrescentou.
Ele disse ao jornal que foi recrutado pela Raven e pela Global CST. As informações sobre a Raven não estão disponíveis online. O MintPress News entrou em contato com a Global CST para verificar o contrato de Flores. A Global CST disse que não conhece Flores e que “a Global CST não realiza atividades de segurança ou militares de qualquer tipo ou forma, nem Israel, nem em Gaza e nem em qualquer outro território mundial“.
A Global CST disse ao MintPress News que é uma empresa de energia renovável e negou relatos de que está fornecendo serviços de defesa e segurança para governos e outras organizações. No LinkedIn, a Global CST é descrita como oferecendo “consultoria estratégica e gerenciamento de integração de projetos”. O sítio listado no LinkedIn da Global-CST está atualmente fora do ar. Quando solicitado um sítio, a Global CST direcionou o MintPress para o sítio do Global Group, que promove projetos agrícolas no mundo todo.
O perfil do LinkedIn do fundador da empresa, Israel Ziv, um general israelense aposentado, detalha a Global CST como um “grupo de consultoria de segurança com sede em Israel […] que construiu um vasto e único histórico em vários continentes ao redor do mundo, como América do Sul, Europa Oriental e África”. A Global CST confirmou ao MintPress News que Ziv é seu fundador. A empresa, que também opera sob o nome de Global N.T.M., foi estabelecida em 2006 e continua ativa.
Em 2018, o governo dos EUA impôs sanções à Global CST e a Ziv por supostamente fornecer armas ao Sudão do Sul. O Departamento do Tesouro dos EUA disse que Ziv usou uma empresa agrícola “como cobertura para a venda de aproximadamente US$150 milhões em armas ao governo, incluindo rifles, lançadores de granadas e foguetes portáteis“.
Os EUA também disseram que Ziv “planejava organizar ataques de mercenários em campos de petróleo e infraestrutura sul-sudaneses na tentativa de criar um problema que apenas sua empresa e afiliadas poderiam resolver“. Os EUA suspenderam suas sanções a Ziv e sua empresa em 2020 sem explicação.
Desde a publicação do El Mundo, também surgiram relatos de outras nacionalidades envolvidas de forma mais direta no ataque de Israel à Gaza. Surgiram imagens de soldados israelenses falando com sotaques norte-americanos ou com remendos da bandeira norte-americana em seus uniformes.
A soldier with a Southern US accent has reportedly called for Gaza to burn to the ground. In the video, he compares the people of Gaza to rats and tells Israeli soldiers "It's hunting season".
US officials said that 6 American citizens serving in Israel have died since October 7 pic.twitter.com/7KsV5aTYIK
— Middle East Eye (@MiddleEastEye) November 22, 2023
Bisan herself said she saw American troops months back.
There were also reports of mercenaries from the Azov battalion in Gaza https://t.co/sEqJvmvfRF— Najat Abdi (@theafroaussie) March 1, 2024
Segundo o Departamento de Estado dos EUA, 21 cidadãos norte-americanos que eram membros das Forças Armadas de Israel foram mortos em Gaza desde o início da guerra. A imprensa canadense relatou que seus próprios cidadãos estão se voluntariando para o exército israelense e estão motivados a servir em Gaza. E o jornal britânico The Guardian relatou que cidadãos britânicos foram mortos em Gaza enquanto lutavam por Israel. Britânicos também estão chegando em massa para se voluntariar com o exército, como médicos e capelães universitários. Cerca de 100 cidadãos britânicos atualmente fazem parte das Forças Armadas de Israel.
Em dezembro, a Al Jazeera relatou que sete mercenários ucranianos foram supostamente mortos perto da Cidade de Gaza enquanto lutavam ao lado das forças israelenses. Essa notícia veio à tona enquanto imagens de soldados israelenses falando ucraniano circulavam nas redes sociais. O governo ucraniano nega que seus cidadãos estejam lutando em Gaza, no entanto.
Ukrainian mercenaries in Gaza… pic.twitter.com/CFjR6aCs7B
— S p r i n t e r (@Sprinter99800) December 20, 2023
“Não enviamos nenhum soldado para a Faixa de Gaza ou qualquer outra região do mundo”, disse um porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da Ucrânia à Al Jazeera.
“As imagens que mostram pessoas falando ucraniano na Faixa de Gaza podem ser israelenses de origem ucraniana ou eslava que não têm conexão com o Estado”, acrescentou o porta-voz.
De acordo com o jornalista australiano CJ Werleman, soldados israelenses de origem indiana também estão lutando em Gaza. O Ministério das Relações Exteriores da Índia não respondeu às perguntas sobre se seus cidadãos estão lutando em Gaza.
The involvement of Hindu mercenaries in Gaza's genocide echoes Israel's racist policies in Kashmir. The world must stand against this injustice.@BBC @CNN @SkyNews @MSNBC @nyTimes @washingtonpost @latimes @guardian @IntlCrimCourt @CIJ_ICJ @UNHumanRights @hrw https://t.co/jlAxikrOfN
— Abdulrhman A.Fathy 🇵🇸| 🔻عبدالرحمن أ.فتحي (@Abdulrhman_25J) February 28, 2024
Em dezembro, o Eekad, uma plataforma árabe de código aberto, revelou a Forward Observations Group como uma empresa mercenária norte-americana lutando ao lado das forças israelenses em Gaza.
📍Our inquiry unveiled reports from the Dutch open-source investigative journalism group Bellingcat. These reports categorized the Azov Battalion as Nazi and far-right, accusing it of perpetrating crimes of ethnic genocide in Ukraine.
📍Additionally, the reports exposed its ties… pic.twitter.com/sVyAfnnRwi
— EekadFacts | إيكاد (@EekadFacts) February 1, 2024
Uma análise detalhada da conta do Instagram da Forward Observation Group sugere que o grupo tem cooperado com o exército israelense desde outubro, primeiro estacionado ao redor da fronteira de Gaza e depois localizado dentro do enclave até o final de novembro. A última imagem em sua conta de Gaza é datada de 16 de janeiro. Outra publicação datada de 11 de janeiro mostra imagens de câmeras de soldados israelenses lutando em Gaza. A legenda diz: “imagens da câmera no capacete de um líder de equipe de Forças Especiais da LOTAR com quem nos envolvemos logo após o ataque de 7 de outubro”. Um stories [tipo de publicação do Instagram] recente do Instagram da Forward Observations mostra um soldado em uma cama de hospital coberto com a bandeira da Forward Observations. Uma bandeira israelense pendura na parede ao lado dele.
📍Upon closer examination, these fighters were observed brandishing U.S. M4 Commando and Carbine rifles, Israeli M26A2 grenades, and one individual displaying the U.S. flag badge. pic.twitter.com/plnIX2COAy
— EekadFacts | إيكاد (@EekadFacts) February 1, 2024
Eekad descobriu que a empresa foi fundada em outubro de 2018 e, embora se apresente como uma loja de equipamentos militares, atualmente possui apenas um item em estoque – uma bolsa de primeiros socorros. A Forward Observations foi registrada como uma empresa de responsabilidade limitada estrangeira em Nevada em 15 de outubro de 2020, e permanece ativa. Derrick Bales, um ex-soldado de infantaria dos EUA que lutou no Afeganistão, fundou a empresa. Uma publicação do Instagram da Forward Observations em 9 de novembro de 2023 confirmou Bales como o ex-diretor da empresa e revelou que seu Instagram oficial está sob o nome “Raoul Duke”. Em fevereiro, Bales respondeu à investigação do Eekad com uma foto de Gaza em sua conta do Instagram, escrevendo: “@eekadfacts aqui estão mais algumas fotos para o seu artigo.”
📍Considering that FOG is an American entity, serious legal concerns emerged regarding its operations, particularly due to its employment of individuals who openly endorse extremist ideologies, ideologies that are expressly prohibited in the United States. pic.twitter.com/tJjQ7pLIGx
— EekadFacts | إيكاد (@EekadFacts) February 1, 2024
Segundo a Foreign Policy, a Forward Observations viajou para a Ucrânia para obter suprimentos médicos, equipamentos e dinheiro para os soldados ucranianos. Bales foi criticado por se associar a Vadim Lapaev, membro do grupo de extrema direita Batalhão Azov. Ele pediu desculpas por suas conexões com Lapaev, mas disse que a brigada não é tão radical quanto alegam.
No entanto, Eekad encontrou provas que mostram o contrário. Por exemplo, a análise minuciosa das contas de rede social de Lapaev encontrou fotos dele fazendo a saudação nazista, segurando um cartaz com uma suástica e usando um colar com o infame símbolo nazista também.
📍Eekad's team scrutinized Vadim's Facebook and Instagram accounts, revealing elements and symbols associated with extremist Nazi ideologies.
— EekadFacts | إيكاد (@EekadFacts) February 1, 2024
A Forward Observations não respondeu às perguntas da MintPress para verificar se seu pessoal realmente está em Gaza e o que está fazendo lá.
Cúmplices em crimes de guerra
Diante das revelações de que cidadãos de outros países podem estar participando do genocídio de Israel em Gaza, alguns governos e ativistas estão tomando uma posição.
Em dezembro, a África do Sul anunciou que poderia processar ou até mesmo retirar a cidadania de cidadãos sul-africanos que se juntaram ao exército israelense e estão lutando em Gaza.
“O governo sul-africano está gravemente preocupado com relatos de que alguns cidadãos sul-africanos e residentes permanentes se juntaram ou estão considerando se juntar às Forças de Defesa de Israel (IDF) na guerra em Gaza e nos outros territórios palestinos ocupados”, disse o Departamento de Relações Internacionais e Cooperação do estado.
Também em dezembro, o membro do parlamento francês Thomas Portes enviou uma carta ao ministro da Justiça da França, Eric Dupond-Moretti, solicitando que ele investigasse cerca de 4.000 cidadãos franceses lutando ao lado das forças israelenses na linha de frente em Gaza.
O Movimento 30 de Março, um grupo pró-Palestina europeu fundado em novembro, já apresentou sete queixas contra israelenses holandeses que atualmente servem no exército israelense em Gaza. Eles também apresentaram queixas contra soldados israelenses que viajaram para os Países Baixos para protestar contra os procedimentos do Tribunal Internacional de Justiça e um soldado franco-israelense, que também estava nos Países Baixos. Embora esses soldados não tenham nacionalidade holandesa, eles podem ser investigados porque estavam em solo holandês, disse o Movimento 30 de Março à MintPress News. O grupo também está apresentando um caso na Bélgica e outros casos contra cidadãos franceses.
“Eles publicaram fotos no Instagram ou no TikTok, em pé sobre os escombros de uma casa em Gaza, dizendo: ‘queremos exterminar Amaleque debaixo do céu e mataremos todos eles’”, disse Dyab Abou Jahjah, presidente do Movimento 30 de Março, à MintPress News. Amaleque se refere ao rival dos israelenses na Bíblia hebraica e foi invocado pelo primeiro-ministro israelense Benjamin Netaniahu ao convocar um ataque a Gaza.
Abou Jahjah acrescentou: “eles acham que estão além do alcance da justiça. Talvez se forem apenas israelenses, mas se forem belgas, vamos garantir que os levemos ao tribunal”.