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Polêmica

Quando uma alquimista tenta analisar o bolsonarismo

Ao "analisar" o bolsonarismo, Tiburi deixa às claras sua total falta de sintonia com a luta política real na sociedade

A “filósofa” Marcia Tiburi escreveu artigo para o portal Brasil 247, procurando analisar a manifestação bolsonarista ocorrida em São Paulo, no dia 25 de fevereiro. O resultado dessa “análise”, podemos adiantar, é no mínimo grotesco. 

Com o título O fascismo desfila na Paulista, Tiburi começa pontuando que o bolsonarismo é um “termo circunstancial” do fascismo, uma manifestação provisória deste, e que tende a amenizar o problema maior que é justamente o fascismo. Ela, então, passa ao que poderíamos chamar, não de “análise” ou “exame” ou “observação” do fascismo, mas de uma verdadeira caracterização mística.

A alquimia de Tiburi

Como uma boa diletante, Tiburi analisa o bolsonarismo, ou melhor, o fascismo, a partir de um amontoado de conceitos extraídos de áreas e correntes acadêmicas diferentes. Tem-se aqui uma colcha de retalhos de conceitos, um conjunto eclético de termos e noções, que guardam relação apenas na cabeça da alquimista, mas não ajudam em nada a entender a realidade.

Tiburi fala que os fascistas são um “não sujeito”, “um corpo esvaziado de subjetividade”. Com isso, ela quer dizer que os fascistas em geral, e os bolsonaristas em particular, são pessoas incapazes de uma atuação racional e autônoma. São, na verdade, como ela pontua, pessoas sujeitas à manipulação das massas e às “codificações estéticas”. Ela exemplifica:

“há tempos, as cores verde e amarela vêm sendo elementos de adesão mimética. A mimetização tem a principal função psicopolítica no processo, pois todo sujeito fascista está morto de medo e busca um lugar para se sentir seguro. Assim, mimetizar-se à massa na qual busca se proteger, é o caminho.”

Tiburi fala, fala, fala, e não explica nada. Sujeitos à manipulação estão praticamente todo o conjunto das massas, tanto a parte bolsonarista quanto a não bolsonarista. Na sociedade capitalista, a classe dominante, em especial a burguesia imperialista, manipula, na maior parte do tempo, o conjunto das massas. Não se trata, portanto, de nenhum traço distintivo dos fascistas ou bolsonaristas. 

Na miscelânea de conceitos a que a alquimista Tiburi recorre, “adesão mimética” e “codificações estéticas” igualmente não explicam absolutamente nada. Todo fenômeno político de massas, mesmo os da esquerda, que estão no espectro oposto ao do bolsonarismo, apresenta determinados padrões estéticos e de comportamento. Será que podemos concluir que o movimento dos trabalhadores, o movimento socialista e comunista, com a sua tradição ligada à cor vermelha, também são compostos por “não-sujeitos”, reduzidos à “adesão mimética” e submetidos a “codificações estéticas”. 

Tiburi é uma acadêmica pequeno-burguesa sem vínculos com as correntes reais da luta de classes. É um indivíduo avulso, para quem o movimento de massas, tanto o fascista quanto o dos trabalhadores, é um enigma. Sua “análise” do fascismo mostra muito mais do que uma incompreensão sobre o fenômeno político mencionado, mas uma incompreensão geral sobre a luta de classes e sobre a evolução da sociedade. Fica exposta, em tudo o que diz, a total falta de sintonia com a luta política real na sociedade.

Ela identifica o fascismo com a mera “personalidade autoritária”. O fascismo, nesse sentido, seria um mero autoritarismo. A partir dessa caracterização poderíamos dizer que qualquer ditadura, por definição um regime autoritário, se enquadraria no conceito de “fascismo”. Diluindo o fenômeno fascista no simples autoritarismo, Tiburi acaba jogando na lata do lixo o alerta inicial para não amenizar o fascismo, identificando-o com uma de suas manifestações particulares (o bolsonarismo). O autoritarismo de Hitler e Mussolini seria idêntico ao autoritarismo de Napoleão Bonaparte? Não é preciso ir muito longe para ver como falar em “autoritarismo” é totalmente insuficiente para apreender o fascismo.

O coquetel alquímico de Tiburi não termina ainda nessas noções “pouco” científicas. Uma dose de sentimentalismo barato é adicionada ao caldeirão. “Fascistas precisam odiar e atacar quem odeiam, porque não conhecem o amor”, diz. Tiburi afirma que a falta de uma “experiência densa” com o amor é um traço comum do conservadorismo e do autoritarismo. Não se pode negar que o conservadorismo e o autoritarismo não criam as melhores condições para a “experiência amorosa”. A pergunta que fica é como isso figuraria como um traço fundamental do fenômeno fascista. A verdade é que Marcia Tiburi não tem condições de realizar qualquer análise objetiva da questão, já que seu campo de atuação é o mesmo daqueles que, na Idade Média, buscavam o elixir da vida e a transmutação dos metais em ouro. 

E o que fazer?

Da “análise” de Tiburi, o que se extrai em termos de atuação prática? O que fazer para enfrentar o fascismo?

Tudo o que a alquimista escreve no artigo sobre esse problema é: “o perigo fascista segue e o governo deveria se responsabilizar minimamente por isso”. Ela não explica o que significa essa mencionada responsabilização do governo. A partir de suas opiniões anteriores, podemos concluir que ao fenômeno fascista só cabe a repressão estatal. “Cadeia neles” é o que tende a sugerir as ideias de Marcia Tiburi.

Isso porque o “fascismo” de Tiburi é um “monstro” vindo de algum lugar do universo que não o Planeta Terra. Ele não mantém relações com as classes sociais da sociedade, não é estimulado e financiado por setores da burguesia, não se apoia nos setores de massas da pequena-burguesia (pequenos empresários, integrantes do aparato policial e militar etc.), não ataca (efetivamente e em potencial) os direitos e as condições de organização da classe operária e das massas populares. O “fascismo” de Tiburi não encontra correspondência na realidade, não responde a nenhuma necessidade da sociedade, das suas classes sociais fundamentais. É algo vindo do aquém e do além. Ele é fruto de simples abstrações da filósofa: “falta de amor”, “autoritarismo”, “adesão mimética”, “codificação estética”, e assim por diante. 

Verdadeiro antípoda da alquimia de Tiburi, o revolucionário e materialista Trótski analisava o fascismo com base em coordenadas bem concretas. Vejamos:

O regime fascista viu a sua vez chegar quando os meios ”normais”, militares e policiais da ditadura burguesa, com a sua cobertura parlamentar, não bastam para manter a sociedade em equilíbrio. Através dos agentes do fascismo, o capital mete em acção as massas da pequena-burguesia enraivecida, as bandas de lumpen-proletariado desclassificados e desmoralizados, todos esses numerosos seres humanos que o próprio capital financeiro mergulhou na raiva e no desespero. A burguesia exige do fascismo um trabalho acabado: dado que ela admitiu os métodos da guerra civil, ela quer ter a tranquilidade por muitos anos. E os agentes do fascismo utilizando a pequena-burguesia como aríete destruído todos os obstáculos sobre o seu caminho, levarão o trabalho até ao fim. A vitória do fascismo faz de modo que o capital financeiro apanhe directamente nas suas tenazes de aço todos os órgãos e instituições de dominação, de direcção e de educação: o aparelho de Estado com o exército, as municipalidades, as universidades, as escolas, a imprensa, as organizações sindicais, as cooperativas. A fascisação do Estado não implica somente a ”mussolinisação” das formas e métodos de governo – nesse domínio as mudanças jogam no fim um papel secundário – mas antes de tudo e sobretudo, o esmagamento das organizações operárias: é preciso reduzir o proletariado a um estado de apatia completa e criar uma rede de instituições penetrando profundamente as massas, para evitar toda cristalização independente do proletariado. É precisamente nisso que reside a essência do regime fascista.

A diferença entre uma abordagem e outra é brutal e por demais evidente. De Tiburi só decorre impotência. De Trótski a luta contra o fascismo cai sob responsabilidade, não do governo de plantão no regime burguês, mas da classe operária e suas organizações de luta. 

Em pleno século XXI, não podemos deixar de reconhecer que, definitivamente, a alquimia pertence a eras há muito ultrapassadas pela história, e que o nosso tempo pertence à ciência.

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