Avançam as negociações do governo do Iraque com os EUA para a expulsão completa das tropas norte-americanos do país. Qasim al-Araji, conselheiro de segurança nacional do Iraque, afirmou: “há um consenso sobre a retirada das forças estrangeiras. O governo iraquiano assinará acordos bilaterais de segurança com os países que fazem parte da coalizão contra o grupo terrorista Estado Islâmico”. Mas se as declarações do lado iraquiano são positivas, o governo dos EUA ainda não se pronunciou declarando sua derrota em mais um país do Oriente Médio.
A ocupação militar do Iraque pelos EUA existe desde 2003, ela, no entanto, sofreu uma modificação ao ser derrotada pela luta armada do povo iraquiano. Os EUA usaram o Estado Islâmico como justificativa para manter suas bases militares no Iraque. A justificativa sempre foi uma farsa, mas agora o Iraque já está muito bem organizado, possui as Forças de Mobilização Popular, o exército regular, apoio logístico do Irã, etc. e, portanto, é capaz de impedir o crescimento do EI. Os EUA mesmo assim mantém sua posição, afirmam ser cruciais para o combate do EI.
A crise atual se abriu com a guerra em Gaza. As FMP atacaram bases norte-americanas em retaliação ao apoio de Biden ao genocídio, os EUA retrucaram bombardeando Bagdá, foi a linha vermelha. Desde então a principal questão política do país é a retirada das tropas norte-americanas do território. Isso já deveria ter acontecido em 2020, após o bombardeio em Bagdá que matou Qassem Soleimani e Abu Mahi al-Muhandis, líder das FMP. Naquele momento o parlamento do Iraque votou pela expulsão dos EUA, mas as condições políticas ainda não eram tão favoráveis. Agora essa situação mudou e a tendência é de guerra contra os EUA ou sua retirada do território.
Governo do Iraque enfrenta Joe Biden
Al-Araji comentou ainda sobre a retirada dos EUA do país: “nossas forças de segurança evoluíram muito e adquiriram grande experiência ao lidar com os desafios do terrorismo,”. Ele então afirmou que a missão dos EUA de “treinar, aconselhar e auxiliar” o exército do Iraque, que substituiu (no papel, mas não, na prática) sua missão de combate armado no final do ano de 2021, não é mais necessária. O órgão chefiado por al-Araji é responsável por coordenar a segurança nacional, inteligência e estratégia de política externa do país, e é subordinado diretamente ao primeiro-ministro Mohammed Shia al-Sudani.
Essa foi uma de muitas declarações de membros importantes do governo do Iraque contra a presença dos EUA no país. O próprio primeiro-ministro declarou que a presença norte-americana ia chegar ao fim. Em suas palavras: “pedimos à coligação internacional que encerrasse a sua missão no Iraque, que durou 10 anos, à luz da prontidão e eficiência dos serviços de segurança iraquianos” Anteriormente, o chefe das forças armadas também declarou que o exército iria tomar atitudes caso os EUA não respeitassem as decisões do país. Mas ao que tudo indica a ação militar real será feita pelas FMP, nome oficial da resistência iraquiana, e não pelo exército regular.
A resistência iraquiana é o setor mais combativo no país, ela atua não só na luta armada mas também tem os seus partidos, assim como o Hesbolá. São diversos grupos que têm relações com o Irã e com todo o Eixo da Resistência. Um encontro interessante aconteceu entre uma dessas organizações e o embaixador da Rússia. O xeique Qais al-Khazali recebeu Elbrus Kutrashev para uma reunião. Ele fez questão de abordar a questão militar, destacando o grande potencial que a Rússia tem de armar o exército do país e também as FMP. O acontecimento é importante, pois a Síria, país vizinho e em situação semelhante à do Iraque, já tem uma base militar russa.
Outro acontecimento importante que foi revelado em um relatório do portal saudita Al Arabya foi a visita do líder da Força Quds do Irã, o sucessor de Soleimani, ao Iraque. Ele encontrou diversos grupos da resistência, o que claramente resultou em uma trégua parcial. Os ataques que aconteciam diariamente às bases norte-americanas diminuíram drasticamente. O relatório afirma que houve uma orientação para segurar os ataques após o bombardeio à base dos EUA na Jordânia que matou três soldados norte-americanos, o mais mortal dos últimos anos.
A participação direta do Irã e da Rússia nas discussões com a resistência indica que há muitos desenvolvimentos políticos acontecendo por detrás das cortinas. Esse mesmo relatório afirmava que a trégua estabelecida era muito frágil e que a qualquer momento ataques constantes aos EUA poderiam recomeçar. Ao mesmo tempo, organizações como o al-Nujaba não concordaram com essa posição e continuaram os seus ataques aos EUA.
O desenvolvimento da luta no Iraque não se expressa apenas de forma política. No dia 23 de fevereiro foi reaberta a refinaria de petróleo Baij. Sudani afirmou na inauguração: “com essa conquista, estamos próximos de garantir todas as necessidades do país em derivados, o mais tardar até o meio do próximo ano”. Isso demonstra que o nacionalismo se fortalece no país e que seu principal inimigo é a ocupação dos EUA.
Ainda não é possível saber como essa crise se resolverá, mas um fator é certo: enquanto houver a guerra na Faixa de Gaza, a luta política no Iraque tende a avançar a passos largos. Após a derrota no Afeganistão, a derrota no Iraque e na Síria aparentam ser questão de tempo.