Na última semana, a Polícia Federal lançou uma operação contra o núcleo do bolsonarismo, batizando-a com o nome pomposo em latim Tempos Veritatis, traduzido como “Hora da Verdade”. O nome, por si só, já levanta expectativas, mas será que toda a verdade virá à tona sobre o que realmente aconteceu?
Um dos primeiros problemas que surgem está ligado às interpretações dos eventos. As interpretações, quando corretas, mantêm uma certa coerência geral. No entanto, quando incorretas, tornam-se incoerentes. A própria operação da Polícia Federal e do Supremo Tribunal Federal (STF) lançou dúvidas sobre a versão de que teria havido uma tentativa de golpe de Estado em 8 de janeiro de 2023.
Segundo relatos da imprensa norte-americana no Brasil, do STF e de várias autoridades públicas, incluindo o Partido dos Trabalhadores (PT), houve uma suposta tentativa de golpe em 8 de janeiro de 2023. Mas, segundo a operação da PF, outra tentativa teria ocorrido em julho de 2022, antes das eleições. No entanto, a confusão se estabelece quando não fica claro que são eventos distintos. Vale ressaltar que julho de 2022 precedeu as eleições e ocorreu seis meses antes de 8 de janeiro.
As notícias divulgadas até o momento sugerem que Bolsonaro teria convocado os comandantes militares e outros indivíduos para planejar um golpe em julho de 2022, antes das eleições. No entanto, teria desistido da empreitada quando os militares se recusaram a participar. Em 2022, Bolsonaro estava no poder, sendo o comandante-em-chefe das Forças Armadas. Ele chamou os militares para o suposto golpe, mas estes teriam negado sua participação, alegando que a ideia era absurda e impraticável. Pelo menos é essa a história apresentada.
No entanto, surge a questão: se ele não conseguiu realizar o golpe quando estava no poder, por que tentaria fazê-lo depois de perder as eleições, sabendo que os militares não o apoiariam e que não possuía mais o respaldo da presidência? A história de golpe de Estado é, portanto, incongruente e incoerente, exigindo uma análise mais aprofundada com base em todos os documentos disponíveis.
É crucial ressaltar que 8 de janeiro não foi um golpe de estado, ponto que precisa ser absolutamente claro. Há um desacordo da esquerda pequeno-burguesa em relação a esta análise. Entretanto, é preciso examinar os fatos de forma imparcial, evitando qualquer manipulação para atender a objetivos políticos.
A campanha excessiva do golpe de Estado, nesse sentido, pode gerar confusão, lembrando a fábula do menino que gritava “lobo”. Ele chamava atenção para um perigo inexistente tantas vezes que, quando o lobo finalmente apareceu, ninguém acreditou nele e ele acabou em apuros.
Isso é relevante porque, na política, é crucial manter a clareza para os cidadãos, ativistas e militantes. A confusão apenas prejudica. Se é preciso denunciar um golpe de Estado, então é necessário precisão, pois o uso indiscriminado dessa história pode obscurecer eventos genuinamente preocupantes.
Além disso, é importante questionar por que os principais críticos do suposto golpe de Estado de Bolsonaro são aqueles que efetivamente fizeram o golpe de 2016. Como é possível que aqueles que deram um golpe de Estado agora se apresentem como defensores da democracia? Essa é uma questão que merece reflexão e que não é respondida pela esquerda.
Finalmente, a abordagem atual para combater o golpe de Estado, focada na prisão de Bolsonaro através do sistema Judiciário e no apoio aos golpistas de 2016 como supostos defensores da democracia, apresenta graves problemas. Primeiro, implica uma aliança com o imperialismo e os golpistas para derrubar Bolsonaro, uma situação semelhante a usar o lobo para proteger o galinheiro da raposa. Confiar nos golpistas de 2016 como defensores da democracia é uma ilusão perigosa.
Em segundo lugar, essa abordagem paralisa o povo, desencorajando a mobilização popular e colocando toda a esperança na Justiça, algo arriscado dado o cenário de falta de confiança nas instituições judiciárias.
Terceiro, essa abordagem elimina outras alternativas políticas, reduzindo a luta contra o bolsonarismo a uma batalha judicial que inclusive fortalece aqueles que realmente fizeram o – verdadeiro – golpe de Estado em 2016.