Há quase 30 anos, em 25 de fevereiro de 1994, Baruch Goldstein, um médico das Forças de Defesa de Israel (FDI), colono norte-americano israelense e membro do partido Kach, entrou armado na mesquita localizada na Caverna dos Patriarcas, em Hebron, na Cisjordânia, em meio às celebrações do Ramadã, mês sagrado para os islamitas, marcado por jejuns e orações durante o dia. Na Caverna, cerca de 800 palestinos faziam suas orações quando Goldstein invadiu o local trajando seu uniforme militar sionista, abrindo fogo indiscriminadamente, parando apenas após a reação dos fiéis, que lincharam o sionista, matando-o. Segundo a obra “Jewish Terrorism In Israel” (Ami Pedahzur & Arie Perliger, Columbia University Press, New York, 2009), até mesmo uma granada de mão fora lançada pelo médico da FDI. Oficialmente, 29 pessoas – incluindo seis crianças de até 14 anos – morreram e pelo menos 125 ficaram feridas (“Settlers remember gunman Goldstein; Hebron riots continue”, Avi Issacharoff, Chaim Levinson, Haaretz, 3/10/2010), porém uma matéria do jornal norte-americano The New York Times informa números maiores:
“Alguns palestinos disseram que quase 50 foram mortos e talvez 250 feridos. Outras estimativas do número de mortos estão na casa dos 40. No fim de semana, a Associated Press informou que conduziu sua própria investigação e contou 30 mortos dentro da mesquita e 4 em outros lugares de Hebron.” (“Israeli Army Says Security Was Lax At Massacre Site”, Clyde Haberman, 1/3/1994).
Primeiro-ministro à época, o trabalhista Yitzhak Rabin classificou o ato como “hediondo” e no Knesset (o parlamento israelense), atacou Goldstein e seus correligionários, declarando sentir “vergonha pela desgraça imposta a nós por um assassino degenerado”. Dirigindo-se, então, aos demais partidários do campo político do médico morto, disse em seu pronunciamento:
“Vocês não fazem parte da comunidade de Israel, vocês não fazem parte do campo democrático nacional ao qual todos nós pertencemos nesta casa, e muitas pessoas desprezam vocês. Vocês não são parceiros no empreendimento sionista. Vocês são um implante estrangeiro. Vocês são uma erva daninha errante. O judaísmo sensato os cospe. Vocês se colocaram fora da parede da lei judaica. Vocês são uma vergonha para o sionismo e um constrangimento para o judaísmo.” (“West Bank Massacre: The Overview; Rabin Urges the Palestinians To Put Aside Anger and Talk”, Clyde Haberman, 9/3/1994).
Adotando uma linha similar, mas já dando pistas da demagogia por trás das declarações, o então líder da oposição e do Likud, o atual primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, declarou: “Este foi um crime desprezível. Expresso minha condenação inequívoca.” (The Jewish Chronicle, 4/3/1994)
O partido em que Goldstein militava, Kach, acabaria sendo declarado uma organização terrorista e proscrito da vida pública israelense. Apesar de a responsabilidade pelo massacre ter recaído inteiramente contra norte-americano, a supracitada matéria do The New York Times dá detalhes que apontam para um envolvimento do governo “esquerdista” de Rabin:
“De acordo com o relato do general Yatom hoje, às 5h20 da manhã em 25 de fevereiro, o Dr. Goldstein entrou na mesquita usando seu uniforme militar, informando a um oficial que o reconheceu que estava em serviço de reserva. Na seção do complexo conhecida como Salão Isaac, entre 400 e 500 muçulmanos estavam começando suas orações de sexta-feira do Ramadã, disse o general, enquanto no Salão Abraão adjacente, 13 judeus recitavam orações para o feriado de Purim.
O Dr. Goldstein, que morava no assentamento vizinho de Qiryat Arba, provavelmente entrou no Salão Isaac pela primeira de três portas, informou o general Yatom, e então disparou contra os fiéis ajoelhados e agrupados, vindos de diferentes locais na parte de trás do salão.
No local, seis soldados e policiais israelenses deveriam estar de serviço, disse ele.
Mas três policiais de fronteira chegaram apenas depois que tudo terminou – aparentemente, disse ele, porque alguém esqueceu de acordá-los. Um policial regular também não estava lá, e um soldado havia sido enviado por um oficial superior para trocar de lugar com outro soldado do lado de fora – um erro de julgamento, disse o general Yatom.
Assim, de acordo com seu relato, quando o Dr. Goldstein entrou no Salão Isaac, apenas um dos seis israelenses designados para a segurança estava no local. E quando esse único oficial ouviu os tiros, foi empurrado pela multidão que se esforçava para escapar, disse o militar.
Finalmente, o oficial chegou ao Salão Isaac, testemunhou o general Yatom, mas era tarde demais. Ele encontrou o Dr. Goldstein morto em um canto, aparentemente espancado por palestinos que superaram seu pânico inicial.”(“Israeli Army Says Security Was Lax At Massacre Site”, Clyde Haberman, 1/3/1994).
A inacreditável sequência de coincidências concorrendo para facilitar o caminho para Goldstein realizar o massacre e matar uma quantidade absurda de palestinos, só pode ser aceita por uma pessoal irremediavelmente disposta a crer em qualquer idiotice. Finalmente, não custa lembrar, estamos falando de forças militares em uma zona de conflito.
Ou as forças sionistas equiparam-se às do clássico filme italiano “O Incrível Exército de Brancaleone” (1966) em trapalhadas e falhas grotescas na disciplina, ou o general sionista é um membro do regime colonial que consegue se destacar pela desfaçatez e o cinismo muito acima do nível normal de seus pares, já bastante elevados. Obviamente, o segundo caso está muito mais próximo da realidade do que a ideia absurda de um exército de trapalhões, onde soldados dormem demais e toda sorte de loucuras acontece.
Assim que a notícia do massacre se espalhou, manifestações palestinas eclodiram nos territórios ocupados pelos invasores sionistas, levando a confrontos com as forças de repressão. No dia seguinte (26), pelo menos três palestinos seriam mortos na Cisjordânia e outros 50 ficariam feridos, no que foi destacado como o dia mais sangrento da ocupação na região até então (“West Bank Massacre; Palestinians Battle Israelis To Protest Hebron Massacre”, Clyde Haberman, New York Times, 27/2/1994). Ao todo, mais 20 palestinos seriam mortos nos confrontos com os sionistas, enquanto 120 ficariam feridos (Ami Pedahzur & Arie Perliger).
Ocorrido poucos meses após a assinatura dos Acordos de Oslo que puseram fim à Primeira Intifada (palavra árabe que significa “levante” ou “agitação”), o Massacre de Hebron evidenciaria para o povo palestino que nenhum acordo os protegeria do genocídio realizado por “Israel”, nem tampouco que o imperialismo estava disposto a respeitar qualquer termo mínimo. Começava a surgir ali, em meio ao sangrento massacre e na subsequente reação sionista, os desenvolvimentos que levariam à Segunda Intifada, seis anos depois, e ao surgimento de uma nova força política, menos comprometida com os israelenses e o imperialismo do que a já irremediavelmente decadente Organização para Libertação da Palestina, o Movimento Resistência Islâmica, mundialmente conhecido por sua sigla em árabe: Hamas.