Em artigo traduzido e publicado pelo Estado de S. Paulo, o professor da Universidade da Califórnia e especialista em Brasil, Albert Fishlow, faz um panorama da acentuada crise imperialista em todos os continentes, intitulado “Este é o momento para os divergentes?” (Tradução de Renato Prelorentzou, 20/1/2024). No texto, Fishlow apresenta três conclusões do “panorama tão limitado e desanimador” da atual conjuntura: “cuidar do clima”, “lidar com o colonialismo histórico” e “lidar com a rápida evolução da inteligência artificial”.
Publicado pelo Estadão, o teor do artigo não poderia ser outro, mas a solução imperialista para a conjuntura especialmente hostil à ditadura global, ficando evidente quando o autor destaca que:
“A primeira [conclusão a ser tirada da crise mundial] é a importância de cuidar do clima. Esta questão deve envolver necessariamente todas as nações, e não apenas os grandes países industrializados [grifo nosso]. É preciso considerar a natureza compensatória desse processo. Fazer grandes promessas não é a resposta. O gelo está desaparecendo a um ritmo muito mais rápido do que se previa. O Brasil é um ator central, juntamente com outros países em expansão na África e na Ásia. A água ainda não foi reinventada. Os Estados Unidos precisam participar.”
A centralidade dada à suposta questão climática é revelador. Suposta porque, dado as suspeitas que rondam o tema, há muito tempo a demagogia ambiental revelou-se uma arma do imperialismo para intervir nos países atrasados. Esse caráter fica reforçado no artigo de Fishlow, no trecho destacado, onde o autor enfatiza que as nações atrasadas “necessariamente” devem “cuidar do clima”.
Alguém poderia perguntar, “mas o que seria ‘cuidar do clima’?” Fishlow não é taxativo, mas dá pistas concretas ao citar o atrito anterior entre Marina Silva e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, durante o primeiro governo petista (2003 a 2005):
“Sua renúncia [de Marina Silva em 2005] reforçou a percepção de que Lula está mais preocupado com o desenvolvimento econômico do que com a conservação ambiental.”
Ao opor “desenvolvimento econômico” à “conservação ambiental”, Fishlow evidencia que a política defendida visa manter os países atrasados submissos, incapazes de superar o atraso e a enorme pobreza das amplas massas dessas nações. Elas permaneceriam, desta forma, como um campo de caça para o deleite da burguesia imperialista mundial.
Como compensação pela miséria, doenças e todas as aflições provocadas pela pobreza, a fauna e a flora, estariam preservadas, sabe deus para que e até quando, porque como mostra a exploração mineral na Guiana Francesa pela metrópole europeia, “cuidar do meio ambiente” é tão somente uma desculpa esfarrapada para controlar os países atrasados. Não é para ser levado a sério.
Os demais pontos levantados pelo autor são ainda menos sérios:
“A segunda conclusão é a necessidade de esforços de paz para lidar com o colonialismo histórico. Os esforços para reduzir a violência religiosa precisam continuar e se ampliar. As pessoas não podem mais ser compradas e vendidas como ocorria com frequência no passado. O poder das armas aumentou muito, e suas consequências se tornaram mais graves. Os países racionalizaram seu envolvimento em guerras até ao final da Segunda Guerra Mundial. Depois disso, várias populações lutaram com sucesso para conquistar a liberdade. Vimos esse processo se distorcer e diminuir nos últimos anos devido, em certa medida, ao processo de agravamento das mudanças climáticas. É aqui que a democracia desaparece.”
Em 2023, as insurreições africanas e o 7 de Outubro na Palestina mostram o total compromisso do imperialismo com a manutenção do que o autor chama de “colonialismo histórico”. A presença de tropas francesas nos países do Sahel, região central da África subsaariana, e o esforço para manter o enclave imperialista no Oriente Médio de “Israel”, uma colônia de europeus em meio a árabes e outros povos da Ásia Menor.
Em ambos os casos, os únicos “esforços de paz” verificados são os que permitem a dominação violenta dessas regiões, o que se observa pelos esforços em manter soldados europeus e americanos no Sahel, e no desarmamento da resistência palestina. Não é a paz o objetivo do imperialismo, mas a submissão. O autor reconhece que essa tarefa está cada vez mais distante, haja visto o desenvolvimento da capacidade de reação militar pelos países oprimidos. Em resposta a isso, novamente, aparece a coação por meio da demagogia ambiental como uma carta tirada da manga pelos articuladores políticos do imperialismo para manter o sistema de opressão global funcionando.
Por fim, temos a evolução tecnológica como grande problema a ser equacionado pelo imperialismo. Fishlow que:
“A terceira é um esforço internacional para lidar com a rápida evolução da inteligência artificial. Os países investiram substancialmente para adquirir informações completas sobre o comportamento individual que possam ser incorporadas a tais modelos. As nações têm limitações diferentes. Não é provável que os tribunais produzam controles adequados. Na atual situação, estamos entrando em um mundo onde há muitas tolices, mas também um grande potencial para avanços em muitas áreas.”
O que as abstrações deixam evidente, é que as redes sociais estarão na mira da ditadura global com mais ênfase do que estiveram até aqui. Fishlow deixa em aberto, inclusive, o uso de uma política mundial para controlar não apenas a inteligência artificial, mas as comunicações de conjunto. Vindo do imperialismo, “lidar com a rápida evolução” significa, na prática, censurar a internet.
Se em décadas anteriores, a rede mundial foi importante para desmentir a máquina de propaganda do imperialismo, nos anos mais recente e particularmente no genocídio horrendo realizado por “Israel” na Faixa de Gaza, a internet e as redes sociais tornaram-se uma arma fundamental para que o mundo tivesse uma dimensão da monstruosidade sionista contra os palestinos. Mesmo sob uma severa censura dos monopólios da internet, redes alternativas difundiram registros em vídeo de barbaridades atrozes cometidas pelos israelenses.
Por outro lado, as mesmas redes sociais demonstraram que se “Israel” consegue uma eficiência macabra no ataque à população palestina desarmada, contra a resistência armada liderada pelo Hamas, a história é completamente diferente. Pululam nas mais diversas redes registros do sucesso da guerrilha árabe contra militares israelenses, tornando claro para o mundo que apesar de tanto horror, a resistência palestina se mantém ativa e capaz de infligir grandes derrotas aos invasores sionistas.
“Se alguém conseguisse fazer esse tipo de progresso, talvez pudéssemos ter um mundo verdadeiramente democrático”, conclui Fishlow, em sua defesa velada da censura na internet. O mundo “verdadeiramente democrático”, no entanto, não virá da estabilização da ditadura imperialista, mas do aprofundamento da crise desse sistema de opressão até a sua extinção completa. Felizmente, tal como ocorre na Palestina, os horrores são imensos, mas este é o sentido geral do desenvolvimento da situação mundial.