Este Diário vem publicando uma série de matéria analisando os principais artigos do Projeto de Lei nº 2.630/2020, vulgo PL das “Fake News”, demonstrando que se trata de uma norma que irá aprofundar a censura contra a Internet, em especial contra as redes sociais e os aplicativos de mensagens. Até o momento, foram expostos os artigos mais obviamente prejudiciais ao povo brasileiro.
Contudo, há aqueles que podem passar despercebidos, e que valem também ser analisados, a fim de mostrar que o diabo mora nos detalhes, como diz o ditado popular.
Nesse sentido, segue a análise do Capítulo VIII – Da Atuação do Poder Público, que abrange os artigos 33 a 37 do PL das “Fake News”. Não serão comentados todos esses artigos, apenas alguns deles. Seguem abaixo os textos:
“CAPÍTULO VIII
DA ATUAÇÃO DO PODER PÚBLICO
Art. 33. São consideradas de interesse público, as contas mantidas em redes sociais indicadas como institucionais pelos integrantes da Administração Pública Federal, Estadual e Municipal, direta ou indireta, e pelos seguintes agentes políticos:
I – detentores de mandatos eletivos dos Poderes Executivo e Legislativo da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;
II – ocupantes, no Poder Executivo, dos cargos de:
a) Ministro de Estado, Secretário de Estado, Secretário Municipal ou equiparados; e b) Presidente, Vice-Presidente e Diretor das entidades da Administração Pública indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;”
[…]
§4º As demais contas referidas no § 3º serão consideradas como de interesse público, ainda que não representem oficialmente o agente político, caso contenham, predominantemente, manifestação oficial própria do cargo destes agentes.”
O que quer dizer o texto acima? Que as contas de todas as autoridades públicas (inclusos funcionários públicos), em suas respectivas redes sociais, serão de interesse público.
A princípio, tudo bem. Contudo, ao caracterizar essas contas como sendo de interesse público, o PL das “Fake News” concede uma ampla gama de direitos e garantias às contas das autoridades públicas para diminuir o prejuízo que poderão sofrer com as medidas arbitrárias criadas pela própria PL das “Fake News”. Nesse sentido, vejamos o parágrafo segundo:
§2º As decisões de provedores que constituam intervenção ativa ilícita ou abusiva em contas de interesse público autorizam o ajuizamento de ação judicial para a sua restauração, devendo o Poder Judiciário obrigar os provedores as restabelecerem, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, nos casos em que fique comprovada a sua operação em conformidade com direitos fundamentais e com os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.
De fato o parágrafo segundo é uma garantia contra arbitrariedades das big techs (dos monopólios imperialistas da Internet). Contudo, deve ser lembrado que essas arbitrariedades estão sendo impulsionadas justamente pelo PL das “Fake New” (sem levar em conta que esses monopólios já são arbitrários em censurar e vigiar os seus usuários). Além disso, essa garantia contra a censura deveria ser dada a todos os cidadãos brasileiros, e não apenas a políticos e a autoridades públicas.
Por que então só é dada a parlamentares e membros do Estado brasileiro? Pois, tendo em vista que as maiores organizações da esquerda não está fazendo nada para mobilizar os trabalhadores contra o avanço da censura, da ditadura, do PL das “Fake News”, o único real obstáculo para a aprovação do projeto são os parlamentares e determinados setores da burocracia estatal.
Então, essa garantia é uma colher de chá para eles, para facilitar a aprovação do Projeto de Lei nº 2.630/2020.
Essa garantia deveria ser dada a todo o povo brasileiro. Mais do que isso, o PL das “Fake News” sequer deveria ser aprovado, pois é um passo para destruir por completo o direito à liberdade de expressão, instituindo um regime de censura sobre a Internet.
Prossigamos, analisando o artigo 35:
“Art. 35. A Administração Pública não destinará recursos públicos para publicidade em sítios eletrônicos e contas em redes sociais que promovam, recomendem ou direcionem a discursos destinados aos ilícitos de que trata o caput do art. 11.”
Em um governo de esquerda, isto é muito negativo, pois será utilizado contra os trabalhadores e contra o povo em geral. Afinal, não será possível ao governo fazer uma propaganda no sentido de se dialogar com a população a respeito de um programa de governo realmente democrático (que se ponha contra a política de censura, contra o sistema prisional, contra a política), nacionalista (que se ponha a favor da exploração do petróleo, da criação de uma malha ferroviária, de hidrelétricas, da reversão das privatizações), anti-imperialista (que se ponha a favor da Palestina, contra a intervenção imperialista na Ucrânia).
Para esclarecer melhor essa questão, um exemplo prático: caso haja uma “mentira” em uma conta do governo, ele não poderá destinar recursos para continuar utilizando essa conta e mesmo expandi-la. E o mesmo vale para qualquer outra conta em redes sociais ou sítios.
Como o alvo da burguesia e, consequentemente, da maioria dos juízes, é a esquerda, o governo não poderia destinar recursos públicos para publicidade em sítios que falem a verdade sobre o genocídio que “Israel” comete diariamente contra os palestinos; sobre a necessidade de se explorar o petróleo para desenvolver o país e tirar o povo da miséria; sobre como o ambientalismo e o identitarismo são políticas do imperialismo; sobre como o governo ucraniano foi colocado lá por um golpe imperialista. Pois, por meio do PL das “Fake News“, todas essas coisas seriam consideradas, pelo Judiciário, mentiras.
Isto é mais uma medida para tirar poder do Executivo (uma instância eleita) e colocar no Judiciário (não eleito), mas de uma forma ainda mais direta (afinal, o judiciário poderá ativamente impedir o governo de atuar nas redes sociais, podendo determinar a que a publicidade do governo será destinada).
Por fim, o artigo 37:
“Art. 37. Constitui ato ilícito, punível penal e administrativamente, qualquer punição disciplinar ou ato praticado por superior hierárquico que cause prejuízo a servidor público civil em função de conteúdo lícito por ele compartilhado em caráter privado, fora do exercício de suas funções.”
É um artigo contraditório com o restante do PL das “Fake News”, pois diz ser ilegal punir alguém por ter falado algo. Como explicar essa contradição? Bem, é um agrado para conseguir a aprovação do projeto de lei. Um agrado para evitar oposição dos parlamentares bolsonaristas e da massa dos servidores públicos (e de seus sindicatos e federações).
Contudo, novamente, o diabo está nos detalhes.
Por detrás, está mais uma medida ditatorial, que será utilizada contra aquele que afrontar os interesses da burguesia e do imperialismo. Afinal, está dando poder para um juiz decidir sobre a demissão de um membro do governo, se essa demissão é legal ou não é. Para decidir se o superior hierárquico que praticou a demissão cometeu ato ilícito.
Assim, é mais um artigo do PL nº 2.630/2020 que serve para exemplificar como o Brasil caminha para uma censura total na Internet e para uma ditadura no País.