O modus operandi das forças repressivas estatais faz cair a máscara democrática e igualitária do regime político brasileiro. Este, em realidade, trata de maneira desigual cidadãos, tendo como uma dos principais marcadores de desigualdade a cor, isto é, um odioso sistema racista. Um estudo recente realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) comprova esse fato.
O estudo Entrada em Domicílio em Caso de Crimes de Drogas: geolocalização e análise quantitativa de dados a partir de processos dos tribunais da Justiça estadual brasileira tomou por base um estudo do perfil dos presos por tráfico de drogas que analisou manso de 5 mil processos no país em 2019. O enfoque do estudo recente é a entrada em domicílio para busca de drogas por parte dos agentes da repressão com ou sem mandato. A pesquisa analisou cinco capitais representativas de cada região do país, sendo Brasília no Centro-Oeste, Curitiba no Sul, Manaus na região Norte, Fortaleza no Nordeste e Rio de Janeiro na região Sudeste.
Dos casos analisados, revelou-se que, das 307 entradas nas cinco cidades, 84,7% foram em bairros predominantemente negros e 91% em bairros com renda mensal per capita de até um salário mínimo. Não houve nenhum registro de entrada em bairros com renda superior a dez salários mínimos.
A pesquisa mostrou ainda que a motivação alegada foram:
“… o patrulhamento de rotina ou a abordagem com base em comportamento suspeito (indicado em 32,5% dos processos) e a denúncia anônima (30,9% dos processos). Em menor proporção, foram registradas como motivação para a abordagem a existência de denúncia não anônima (7,2%) e o cumprimento de mandados de busca e apreensão (6,0%)”.
E ainda:
Em mais da metade dos casos em que houve entrada não foram encontrados registros sobre o consentimento para sua ocorrência; em cerca de um terço havia alguma informação sobre ter havido o franqueamento; apenas em 3% havia registro da negativa de autorização; e em 7% dos processos houve versões conflitantes sobre a autorização para a entrada em domicílio
O estudo conclui afirmando existir uma “seletividade sociorracial e geográfica” na busca domiciliar contra a população negra e pobre, existindo também uma imunidade absoluta dessa busca em bairros mais ricos e brancos. O direito constitucional da inviolabilidade do lar é, via de regra, respeitado pelas forças de repressão quando se trata da população branca de classe média e, sobretudo, rica. Esse mesmo direito constitucional da cidadania é eliminado, quando se trata da população negra e pobre, cujas buscas, no contexto da chamada guerra às drogas, recai quase que exclusivamente sobre si.
Outro detalhe importante é que as buscas não são motivadas por sólida investigação, quase inexistente no País, e autorização judicial, mas por patrulhamento de rotina ou abordagem com base em comportamento suspeito (32,5%) e denúncia anônima (30,9%) – isto é, sustentam-se apenas com base na palavra do agente policial. Sendo a entrada sem autorização judicial um crime que fere o direito constitucional de inviolabilidade do lar, salvo em flagrante delito, as entradas policiais têm necessariamente que apresentar posteriormente algo de ilícito para justificar tal entrada como flagrante delito.
A pesquisa corrobora, uma vez mais, com a compreensão de que o negro e o pobre tem seus direitos sistematicamente negados, sendo perseguidos pelo estado nacional, principalmente por meio das instituições repressivas, assim como o palestino é perseguido pelo Estado de “Israel”. Esse fato denuncia também a política identitária que camufla a perseguição política do negro, como se esse fosse oprimido, não pelo Estado, órgão de classe da burguesia, mas por uma ideologia racista que as pessoas compartilham, um meio de camuflar a real situação do negro como oprimido e as tarefas políticas para derrotar seus opressores, que não são outros que o Estado burguês e a burguesia nacional e internacional.





