No dia 21 de dezembro, a editora de Forward, jornal sionista norte-americano, Jodi Rundeoren, apresentou, em entrevista de rádio concedida ao apresentador Brian Lehrer, sua defesa peculiar do Estado de “Israel”. Segundo ela, a tradição de “uma pessoa, um voto”, que seria a “tradição norte-americana”, seria uma proposta antissemita!
Disse ela:
“A solução de um Estado único é a Palestina, como você disse, não é um Estado judeu. Certamente entendo por que alguns palestinos veem isso como o cumprimento de suas aspirações nacionais de ter um estado que seja majoritariamente palestino, e também entendo ideologicamente as pessoas que estão muito focadas em direitos civis e direitos humanos e que se opõem a uma etnocracia e acham que o princípio de uma pessoa/um voto é o caminho a seguir. Mas isso não é Israel, não é um Estado judeu e democrático, é um Estado muito mais parecido com o nosso, certo? Onde diferentes pessoas terão suas próprias etnias e origens, mas haverá um caldeirão cultural e uma democracia eleita, etc., e isso não é para o que Israel foi fundado em 1948. Foi fundado para ser um Estado judeu e democrático.”
Tornando mais clara sua posição: para Jodi Rundeoren, não é possível chegar a qualquer tipo de negociação em torno da construção de um Estado palestino porque o Estado de “Israel” nunca se propôs a ser um Estado multinacional, mas sim um Estado puramente judeu.
Ela então argumenta que:
“Não sou uma pessoa que acredita que todo antissionismo seja antissemitismo de forma alguma”, continuou Rudoren. “Mas acho que Deborah Lipstadt e outros fizeram um ponto inteligente… sobre a diferença entre ser antissionista em 1947, quando há um debate sobre se deve haver um Estado judeu, e sê-lo agora, 75 anos depois, pedindo a eliminação do estado judeu… É uma coisa diferente, e nem sempre fica claro se os ativistas no campus que estão pedindo isso realmente entendem como isso é sentido pelos judeus israelenses e pelos judeus no mundo todo que veem isso como parte de sua identidade, que há uma pátria judaica”.
As declarações da editora do Forward são bastante reveladoras. Em primeiro lugar, ela mostra o papel que hoje cumprem as acusações de “antissemitismo”. O “antissemitismo” virou um espantalho contra praticamente qualquer política que contrarie os interesses do Estado de “Israel” e, por extensão, do imperialismo. Não há hoje uma discussão séria sobre o antissemitismo: absolutamente qualquer pessoa, incluindo os judeus e os palestinos (que também são semitas) pode ser levianamente acusado de “antissemitismo”.
O antissemitismo, antigamente, tinha um conceito muito mais bem definido. Ele era a expressão de um movimento que vinha das classes dominantes de Estados políticos em crise. Os grandes promotores do antissemitismo foram regimes como o Império Russo czarista, a Alemanha Nazista e a França do final do século XIX: todos eles, regimes que necessitavam de um bode expiatório para levar adiante uma política que de choque contra as massas.
O antissemitismo deste período consistia, portanto, em uma perseguição. Eram práticas do antissemitismo desde os famigerados campos de concentração, como linchamentos e até legislações antijudaicas. Hoje, não existe mais esse movimento. Por isso, o “antissemitismo” perdeu também o seu conteúdo: hoje é uma palavra vazia, que serve para acusar qualquer pessoa, por qualquer prática, mas cujo objetivo é compará-la aos mais monstruosos soldados dos destacamentos nazistas.
O segundo aspecto das declarações de Jodi Rundeoren é que ela, ao reafirmar que “Israel” é e deve permanecer sendo um Estado judeu, ela deixa claro o caráter do enclave imperialista. Por definição, não é possível que “Israel” seja um Estado “judeu” e democrático ao mesmo tempo. Afinal de contas, se estamos falando um Estado judeu, as populações de outras etnias terão os mesmos direitos?
O caso da Palestina é a demonstração, pela própria experiência histórica, que falar em Estado judeu hoje é o mesmo que falar em apartheid, em segregação. Há vários povos habitando o território palestino, de tal forma que instituir um Estado judeu é o mesmo que defender a supremacia de um determinado “povo”. Naquele território, há pessoas de várias nacionalidades diferentes, que falam línguas diferentes, que são de ascendências étnicas diferentes. O Estado judeu será necessariamente um Estado discriminatório e racista.
A consideração da editora de Forward também explicita o caráter truculento do sionismo. Afinal, quando ela fala que a política de “uma pessoa, um voto” não seria válida, está reconhecendo que o Estado de “Israel” só pode ser estabelecido por meio de uma ditadura. Isto é, que para alguém não ser chamado de “antissemita”, essa pessoa teria de abrir mão do direito representação no país em que vive, teria de se transformar em um cidadão de segunda categoria, em um oprimido, em um ser excluído da sociedade.
É por tudo isso que argumentar que ser sionista hoje seria diferente de ser sionista em 1947 não faz sentido algum. A única diferença entre um caso e outro é que, de 1947 para cá, milhões de palestinos já foram expulsos de suas terras. Mas o povo palestino continua habitando o território, continua reivindicando o território, e o Estado de “Israel” continua sendo a expressão de um Estado de segregação.