No dia 3 de dezembro de 2024, duas bombas foram detonadas durante uma procissão em homenagem ao general iraniano Qassem Soleimani, assassinado pelos Estados Unidos quatro anos antes. As explosões resultaram no assassinato de mais de 103 pessoas, deixando, além disto, pelo menos 171 feridos. Apesar de o grupo Estado Islâmico ter assumido a autoria, as suspeitas pelo ataque repousam sobre os Estados Unidos e, especialmente, “Israel”. Afinal, o Irã é o principal país a conformar o eixo da resistência, prestando valoroso auxílio aos palestinos, através do Hesbolá, dos Ansar Alá (Hutis, do Iêmen) e das milícias xiitas no Iraque e na Síria.
Especula-se que o ataque possa ter sido realizado por “Israel” para forçar o Irã a declarar uma guerra aberta contra o Estado sionista e, com isto, obrigar os EUA intervir abertamente no Oriente Médio. Afinal, tratou-se do assassinato de civis iranianos, logo durante a procissão em homenagem ao general Qassem Suleimani, mártir não só do povo iraniano, mas também dos árabes em geral, inclusos os palestinos.
Assim, vale lembrar quem foi o general iraniano.
Nascido em 11 de março de 1957, o primeiro contato com o movimento revolucionário iraniano foi através Hojjat Kamyab, um pupilo de ninguém menos que Ali Khamenei, o atual aiatolá. Isto se deu em 1975, quando Soleimani tinha apenas 18 anos. Com a revolução, no ano de 1979 juntou-se ao Corpo da Guarda Revolucionária Islâmica (IRGC), o mais importante órgão dentro das Forças Armadas Iranianas. Apesar do pouco treinamento que possuía, avançou rapidamente, de forma que ajudaria a evitar uma revolta de curdos no nordeste do Irã, logo após o triunfo da Revolução.
Pouco depois, Soleimani participaria da guerra Irã-Iraque, quando o imperialismo impulsionou Saddam Hussein a invadir o país vizinho, em 1980. Iniciando no conflito como líder de um batalhão, Soleimani chegou a ser comandante de divisão, sempre participando das principais operações. Segundo declaração do próprio, dada ao jornalista Dexter Filkins, da revista The New Yorker:
“Eu entrei na [Guerra Irã-Iraque] em uma missão de quinze dias e acabei ficando até o final… Éramos todos jovens e queríamos servir à revolução”.
A guerra duraria até o ano de 1988, resultando na morte de um a dois milhões de pessoas. Estima-se que, do lado iraquiano, morreram entre 100 mil e 500 mil militares. Já do lado iraniano, o número de mortes seria entre 200 mil e 600 mil. Civis que perderam a vida, seriam mais de 100 mil. O resultado de uma guerra provocada pelo imperialismo norte-americano, que se utilizou de um país oprimido (Iraque, no caso) para tentar conter uma Revolução em outro (o Irã). Apesar de certos veículos de informação do imperialismo propagaram que o resultado da guerra foi inconclusivo, o fato é que a Revolução Iraniana não foi derrotada e continua firme até os dias atuais, travando a luta anti-imperialista no Oriente Médio.
Os feitos de Qassem Soleimani no decorrer do conflito serviram para consolidá-lo como o grande líder militar que foi.
A exemplo, lutou na Batalha de Tariq al-Quds (Caminho para os Quds), uma operação militar desatada pelo Irã para libertar a cidade de Bostan, na província de Khuzestan, que havia sido capturada pelo exército iraquiano. Deu-se entre 29 de novembro de 7 de dezembro de 1981, e resultou em vitória iraniana. Nela, Soleimani foi ferido gravemente, mas mostrou abnegação e bravura como combatente revolucionário na luta contra o imperialismo, que utilizava-se do exército iraquiano como peão.
Menos de um ano depois, entre 22 e 28 de março de 1982, participaria novamente de outra importante batalha, a de Fath-ol-Mobin (Vitória Manifesta). Considerada por historiadores iranianos com o ponto de virada na guerra, a batalha resultou na completa expulsão das tropas iraquianas da província de Khuzestan. Soleimani tem essa batalha como a mais importante da qual já participou, conforme entrevista datada de 1990.
Durante os anos 80, ainda na conjuntura da Guerra Irã-Iraque, Soleimani adquiriu experiência na guerra irregular, o que lhe seria de grande valia no futuro para combater os ataques vindos dos Estados Unidos e de “Israel”, fossem diretos ou indiretos.
Certamente Soleimani conquistou muitos outros feitos militares durante aquela década, mas não cumpre aqui listar todos eles.
O que deve ser frisado é que foi graças à sua atuação no conflito que ele foi progressivamente crescendo como um verdadeiro líder militar das forças revolucionárias do Irã. Assim, ao final dos anos 1990, graças às suas conquistas militares dos anos anteriores, Soleimani foi nomeado comandante da renomada Força Quds.
E o que é a Força Quds? É um dos cinco ramos do Corpo da Guarda Revolucionária Islâmica do Irã (IRGC) especializado em guerra não convencional e operações de inteligência militar. De todos os ramos, é o encarregado pelas operações militares extraterritoriais desatadas pelo Irã, em apoio à luta dos povos oprimidos do Oriente Médio contra o imperialismo (em especial o norte-americano) e o Estado sionista. Assim, é o comando central no Irã encarregado de coordenar as ações militares do IRGC com o Hesbolá, os Ansar Alá (Hutis), o Hamas, Jiade Islâmica, milícias xiitas no Iraque e Síria dentre outros grupos.
Qassem Soleimani foi seu comandante por 21 anos e 288 dias, tendo assumido o posto em 21 de março de 1998 e permanecido nele até 3 de janeiro de 2020, momento em que foi assassinado pelos Estados Unidos.
Segundo o major-general Gholam Ali Rashid, um dos comandantes seniores das Forças Armadas do Irã e comandante do Quartel-General Central de Khatam-al Anbiya, em entrevista dada para o órgão de imprensa Tehran Times:
“O General Soleimani […] comandante da Força Quds […] foi capaz de criar uma transformação significativa no apoio às forças revolucionárias no Líbano, Iraque, Palestina, Iémen e Síria”.
O militar, que atuou com Soleimani desde os anos da Guerra Irã-Iraque, também explica o papel que o líder revolucionário teve na luta contra a ocupação do Afeganistão e do Iraque pelos Estados Unidos durante os anos 2000, assim como contra as guerras perpetradas por “Israel” contra os povos árabes nessa mesma década. Ao explicar, destacou que o papel de Soleimani foi essencial para solidificar os laços entre os povos oprimidos do Irã, Iraque e Afeganistão, que, durante anos, haviam sido estimulados ao conflito pelo imperialismo:
“No início da década de 2000, o Exército dos EUA ocupou inicialmente o Afeganistão e depois o Iraque, impondo novas condições à região. Enfrentar a agressão do Exército dos EUA e do exército do regime sionista tornou-se um requisito crucial entre as nações.
[…]
Desde o início, a presença extensa do exército dos EUA no Afeganistão e no Iraque foi considerada uma grande ameaça não só para o Irão, mas também para outras nações da região. No entanto, graças aos esforços dos nossos irmãos da Força Quds, que estavam sob o comando do General Soleimani, as forças revolucionárias da região conseguiram transformar esta ameaça numa oportunidade. Como resultado da ocupação no Afeganistão, o grupo Taliban foi afastado do governo. [Mas] com a assistência da Força Quds aos nossos irmãos Mujahid afegãos, os Estados Unidos não conseguiram estabelecer um governo da sua preferência em Cabul. As forças Mujahid e as forças populares, incluindo os sunitas, os xiitas e os povos de língua farsi, que eram todos amigos do Irão, criaram a parte principal do governo e, nas últimas duas décadas, a parte oriental do Irão não enfrentou qualquer Problemas maiores. As vitórias alcançadas no Iraque foram consideravelmente mais substanciais […]”
Embora o entrevistado não mencione, vale lembrar que, no ano de 2006, “Israel” sofreu uma catastrófica derrota militar para o Hesbolá, ao tentar invadir o Líbano, em uma continuidade política da guerra que havia iniciado nos ano 70. Em razão da derrota, o grupo libanês xiita, que é aliado do Irã e da Força Quds, saiu grandemente fortalecido. Não apenas do ponto de vista militar, mas politicamente: o Hesbolá tornou-se o mais popular partido político do Líbano, e continua o sendo desde então. Atualmente, presta essencial auxílio à resistência palestina atacando a fronteira norte de “Israel”, mantendo as tropas sionistas ocupadas na fronteira norte, agravando a crise entre a população israelense e seu Estado. Soleimani, como comandante da Quds durante todos esses anos, teve papel fundamental nesses eventos, pois esteve pessoalmente envolvido em coordenar a defesa do Hesbolá contra a invasão sionista.
No que diz respeito ao Afeganistão e ao Iraque, o resultado do valoroso auxílio prestado pela Força Quds e por Soleimani ficou ainda mais evidente nos últimos anos. Basta recordar que, em 2021, o Talibã expulsou o exército norte-americano do país, em uma crise política pior do que a expulsão das tropas imperialistas do Vietnã, na década de 70. E agora, no Iraque, as milícias xiitas estão, desde meados de outubro, realizando ataques constantes contra as bases norte-americanas, em apoio à luta dos palestinos contra o Estado de “Israel”. Como resultado desses ataques, fica cada vez mais provável a retirada definitiva dessas bases. Novamente, um resultado (mesmo que póstumo) das ações de Soleimani frente ao comando da Força Quds.
O general iraniano também liderou duro combate contra o Estado Islâmico, organização também conhecida como ISIL (Estado Islâmico do Iraque e do Levante), ISIS (Estado Islâmico do Iraque e da Síria) ou mesmo Daesh. Trata-se de um grupo peão do imperialismo utilizado para lutar contra os povos oprimidos do Oriente Médio que, por sua vez, lutam por sua libertação nacional.
Combates contra o Estado Islâmico foram travados tanto no Iraque quanto na Síria. No Iraque, teve início em 2013. Apesar de combates ainda ocorrerem, a derrota territorial do Daesh se deu em 2017, com o fim formal da Guerra no Iraque.
O EI também foi utilizado pelo imperialismo contra o governo nacionalista de Bashar al-Assad, na Síria, durante a guerra de agressão imperialista contra o país (comumente conhecida contra Guerra Civil da Síria), que teve início em 2011. Embora surgido em 2006, a proeminência do Estado Islâmico deu-se em 2014, assim como a ofensiva contra o governo de Assad. De forma que, em 2015, Soleimani, no comando da Força Quds, coordenou uma coalizão para combater o grupo. A coalizão foi formada pela Rússia, Síria, Irã e Iraque. Após mais de uma década de guerra, a derrota definitiva do imperialismo na Síria mostra-se cada vez mais provável.
Sobre o papel de Soleimani no combate ao Daesh, novamente com a palavra o major-general Ali Rashid:
“O Daesh foi e é um grupo criado pela CIA, pelos serviços [de espionagem] britânicos, sauditas e Mossad. Este grupo foi criado com o apoio do governo dos EUA e de alguns países regionais e árabes, aproveitou os tumultos na Síria e a fraqueza do exército iraquiano e das forças de segurança iraquianas e conseguiu ocupar partes da Síria e do Iraque.
Com as medidas que tomou, o Mártir Soleimani deixou os governos do Iraque e da Síria optimistas quanto à possibilidade de derrotar o Daesh, e esta questão foi muito importante na primeira etapa da batalha.
Era necessário aproveitar a experiência do Irã na utilização de pessoas como forças Basij, que o General Soleimani empregou efetivamente na Síria e no Iraque.
No Iraque, na sequência de uma fatwa emitida pelo Aiatolá Sistani, começou uma onda de envio de jovens para lutar contra o Daesh. A formação e a organização adequadas eram imperativas para preparar estas forças para a batalha contra os militantes do Daesh.
O General Soleimani e outros comandantes iranianos e iraquianos reuniram estas forças poderosas e lideraram-nas na guerra contra o Daesh. Hoje, o Hashd al-Sha’bi, que se tornou um exército experimentado e testado, é o resultado deste esforço.”
Esclarecendo, o Hashd al-Sha’bi, citado pelo militar, é um dos exércitos que lutam atualmente para expulsar do Iraque as bases norte-americanas.
Todos estes fatos servem para demonstrar que Qassem Soleimani não era apenas um militar, mas um verdadeiro líder revolucionário dos povos oprimidos do Oriente Médio.
Foi citado anteriormente seu papel na derrocada de “Israel” na luta contra o Hesbolá, em 2006. Sobre isto, Soleimani demonstrava a avançada consciência política de ter de derrotar o sionismo, como parte da luta pela libertação nacional dos povos oprimidos do Oriente Médio. Isto ficou claro em um discurso que fizera em 2008, como resposta ao assassinato de Imad Mughniyah, líder da Jiade Islâmica no Líbano e segundo em comando do Hesbolá:
“Algo que o inimigo (“Israel”) sabe, mas que precisa ser compreendido mais seriamente, é que a retaliação pelo sangue derramado de Imad Mughniyah não será o disparo de apenas um míssil. A retribuição pelo sangue de Imad não é será apenas o aniquilamento de apenas uma pessoa. A retaliação pelo assassinato de Imad e de todos os “Imads” que foram martirizados na Palestina e no Líbano”, e que foram martirizados no Irã e em qualquer outro lugar pelas operações sionistas, será a remoção e o desmantelamento das fundações do regime sionista, assassino de crianças. Isto é certo. E o inimigo saber que a cada martírio, todos os dias, dezenas de crianças com a mesma mentalidade nascerão, e seguirão o mesmo caminho, e tomarão os seus lugares”.
A clareza política de um líder militar como Soleimani, que travava a luta de vários povos oprimidos para libertarem-se da opressão do imperialismo e do sionismo, naturalmente o tornou um alvo. Daí seu assassinato no ano de 2020, pelos Estados Unidos, sob o governo Donald Trump. Nesse sentido, a explicação de Rui Costa Pimenta, presidente do Partido da Causa Operária, no programa Analise Internacional, que foi ao ar nesta segunda-feira (08):
“[Soleimani] era um general das forças especiais iranianas […] da Guarda republicana […] era o homem que articulava internacionalmente a resistência palestina; síria; iraquiana; dos Hutis e etc. Ele era uma peça chave nesse sentido. Por isto que ele foi eliminado […]”
Para finalizar, vale citar a declaração do Comandante Robinson Farinazzon, feita no mesmo programa, em que disse ser Soleimani o “personagem militar talvez mais importante do séc. XXI”:
“Eu acho o seguinte ele é o personagem militar talvez mais importante do século XXI. Ele inovou completamente na maneira de fazer forças especiais; de multiplicar forças e insurgentes; os métodos de guerrilha; de formação; de criação de quadros/lideranças por parte da Força Quds. Ele tem que ser estudado eu não tenho dúvida disso. Fala-se muito do Hesbolá, que é uma força considerável. Até então a força insurgente mais poderosa do Oriente Médio (até os Ansar Alá – Hutis ganharem essa repercussão toda). Temos que olhar assim: os Hutis receberam um treinamento muito grande por parte da dos Quds hoje eles interrompem 20% do tráfego marítimo . Então tudo isso é o legado do Soleiman. Eu não tenho a menor dúvida de que, no futuro, o Soleimani, vai ser estudado por todas as academias militares sérias. A única coisa que eu acho triste é que a gente acha pouca literatura a respeito do Soleimani no ocidente. É uma pessoa que tem que ser estudada. Ele era fantástico, uma cabeça assim é incrível. Até então no século XXI, na minha opinião, já é a figura militar mais importante desse século.”