Karl Marx e o Réveillon
São quase duas décadas que o Partido da Causa Operária realiza sua festa de Réveillon, confraternizando com os militantes, simpatizantes, familiares e amigos da causa operária, celebrando o ano que se passou e iniciando o ano novo ao acompanhado de pessoas que estiveram na luta, direta ou indiretamente. Essa não é uma novidade do PCO, mas, sim, uma tradição dos partidos de esquerda do mundo, e mesmo de Karl Marx.
Para se ter uma ideia, devido à perseguição política sofrida sob os governos reacionários da Alemanha dividida da época, Marx se refugiou primeiramente na França, em Paris, e depois, após um pedido do governo prussiano para a sua expulsão do território francês, em Bruxelas, na Bélgica.
Foi ali que Marx passou a frequentar o “De Swaene”, muitos anos depois transformado em “La Maison du Cygne” que tem como principal atrativo turístico justamente o fato de o grande descobridor da ciência por trás da libertação da classe operária ter ali organizado, por exemplo, diversos encontros da Liga Comunista, que viria a escrever o Manifesto Comunista. Por ocasião do Réveillon de 1848 para 1849, escreveu Karl Marx, em texto a ser publicado em breve pela editora Expressão Popular:
“NGR, n. 190, 9/1/1849
Colônia, 8 de janeiro. Que pároco e chantre, sacristão e foleiro, barbeiro e guarda-noturno, guarda das searas e coveiro etc. nos felicitem pelo ano novo é um costume tão antigo como sempre renovado, e nos deixa indiferentes.
Mas o ano de 1849 não se contenta com o costumeiro. Sua entrada assinalou-se com algo inédito, com uma felicitação de ano novo do rei da Prússia.
Foi um voto de ano novo dado, não ao povo prussiano, também não “Aos meus queridos berlinenses”, mas sim “Ao meu exército”.
Essa real mensagem de ano novo olha para o exército “com orgulho”, porque permaneceu fiel “quando a revolta” (de março) “perturbou o desenvolvimento pacífico das instituições liberais que Eu queria sensatamente levar a Meu povo”. Antes falava-se dos eventos de março, de “mal-entendido” e expressões semelhantes. Agora não é mais necessário o mascaramento: o “mal-entendido” de março nos é atirado ao rosto como “revolta”.
Da felicitação de ano novo do rei sopra ao nosso encontro o mesmo espírito que emana das colunas da “dama da cruz”. Como aquele fala de “rebelião”, esta fala dos inglórios “criminosos de março”, da ralé criminosa que, em março, interrompeu a paz da vida cortesã berlinense.
Se perguntarmos por que a “revolta” de março é tão revoltante, eis a resposta: “porque ela perturbou o desenvolvimento pacífico das instituições liberais [!!] etc.”.
Se não descansais em Friedrichshain, rebeldes de março, vós deveis ser agora anistiados com “pólvora e chumbo” ou prisão perpétua. Em vossa perversidade, haveis perturbado “o desenvolvimento pacífico das instituições liberais”! É preciso relembrar aquele desenvolvimento monárquico-prussiano das “instituições liberais”, o mais liberal desenvolvimento do desperdício de dinheiro, a expansão “pacífica” da beatice e do jesuitismo real-prussiano, o desenvolvimento pacífico do domínio da polícia e da caserna, da espionagem, da fraude, da hipocrisia, da insolência e finalmente do mais repulsivo embrutecimento popular ao lado da mais despudorada corrupção nas assim chamadas classes altas? Essa recordação é tanto menos necessária quanto nos basta apenas olhar em volta, apenas estender as mãos para vermos novamente diante de nós aquele “desenvolvimento perturbado” em plena floração, e nos reconfortarmos com a dupla edição das supostas “instituições liberais”.
“Meu exército”, diz em seguida a mensagem real de felicitação, “conservou sua antiga glória e colheu uma nova.”
Certamente! Colheu tanta glória que quando muito os croatas poderiam reivindicar uma maior.
Mas colheu onde e como? Em primeiro lugar, “ornamentou sua bandeira com novas coroas de louros quando a Alemanha precisou de Nossas armas no Schleswig”.
A mensagem prussiana do major Wildenbruch dirigida ao governo dinamarquês é o fundamento sobre o qual se eleva a nova glória prussiana. Toda a condução da guerra condiz primorosamente com aquela mensagem, que assegurava ao sr. primo5 dinamarquês que o governo prussiano não estava absolutamente falando a sério, apenas atirava uma isca aos republicanos e areia nos olhos das outras pessoas, só para ganhar tempo. E ganhar tempo é ganhar tudo. Mais tarde se entenderiam do modo mais jovial.
O sr. Wrangel, sobre quem durante largo tempo a opinião pública fora iludida, o sr. Wrangel abandonou o Schleswig-Holstein como um ladrão na noite. Viajou como civil para não ser reconhecido. Em Hamburg todos os hoteleiros declararam que não poderiam hospedá-lo. Preferiam muito mais suas casas, e as janelas e portas delas, do que as coroas de louro do exército prussiano, desprezadas pelo povo mas encarnadas nesse glorioso senhor. Não nos esqueçamos também de que o único êxito nesta campanha de idas e vindas inúteis e sem sentido, que lembrava integralmente o procedimento das velhas cortes imperiais de justiça (ver nossos números daquela época), foi um erro estratégico.
A única surpresa nesta campanha foi a audácia inominável dos dinamarqueses, que zombaram maliciosamente do exército prussiano e isolaram completamente os prussianos do mercado mundial.
Neste campo, concorrem também para a completa glória prussiana as negociações de paz com a Dinamarca e o armistício de Malmö delas derivado.
Se o imperador romano6 pôde dizer, ao cheirar uma moeda recolhida como pagamento do imposto sobre os banheiros públicos: “Non olet” (Não cheira), a coroa de louros prussiana colhida no Schleswig-Holstein, ao contrário, ostenta em caracteres indeléveis: “Olet!” (Fede!)
Em segundo lugar, “Meu exército saiu-se vitorioso de dificuldades e perigos quando combateu a insurreição no grão-ducado da Posnânia”.
Quanto às “dificuldades vencidas”, são as seguintes: primeiro a Prússia explorou a magnânima ilusão da Polônia, alimentada por Berlim com palavras hábeis, que via nos “pomeranos” companheiros de armas alemães contra a Rússia, por isso dissolveram calmamente seu exército, deixaram os pomeranos invadir e só reuniram novamente a estilhaçada força quando os prussianos brutalizaram do modo mais vil os indefesos. E as ações heroicas prussianas! Não durante a guerra, e sim depois da guerra ocorreram as ações heroicas do “glorioso” exército prussiano. Quando Mieroslawski foi apresentado ao vencedor de junho, a primeira pergunta de Cavaignac foi: como os prussianos tinham feito para ser vencidos em Miloslaw. (Podemos provar isso com testemunhas oculares.) Três mil poloneses, mal e mal armados com foices e lanças, derrotaram duas vezes e duas vezes obrigaram à retirada 20 mil prussianos bem organizados e fartamente equipados com canhões. A cavalaria prussiana chegou a abandonar, numa fuga desordenada, a infantaria prussiana. A insurreição polonesa defendeu Miloslaw expulsando duas vezes a contrarrevolução da cidade. Mais vergonhosa ainda do que a derrota da Prússia em Miloslaw foi sua vitória final em Wreschen, preparada por uma derrota. Quando um inimigo desarmado, porém hercúleo, enfrenta um covarde armado com uma pistola, o covarde foge e dispara a pistola de uma distância considerável. Assim fizeram os prussianos em Wreschen. Fugiram até uma distância em que podiam disparar metralhas, obuses armados com 150 projéteis e granadas contra lanças e foices, que sabidamente não acertam à distância. Anteriormente, as granadas só haviam sido disparadas pelos ingleses contra hindus orientais semisselvagens. Só os bravos prussianos, com medo fanático diante da bravura polonesa e com a intuição de sua própria fraqueza, empregaram as granadas contra assim chamados concidadãos. Eles precisavam, naturalmente, encontrar um meio de matar os poloneses em massa à distância. De perto, os poloneses eram excessivamente temíveis. Essa foi a gloriosa vitória em Wreschen. Mas, como dissemos, só depois da guerra começaram as ações heroicas do exército prussiano, como as ações heroicas do carcereiro só começam depois da sentença.
Que esta glória do exército prussiano sobreviverá na história, asseguram-no os milhares assassinados com granadas e projéteis graças à traição prussiana e à perversidade alvinegra, e os poloneses queimados depois com a pedra infernal.
Desta segunda coroa de louros do exército da contrarrevolução deram testemunho suficiente os povoados e as cidades incendiados por heróis prussianos, os habitantes poloneses espancados e massacrados em suas casas com coronhas de fuzis e baionetas, as pilhagens e brutalidades prussianas de todo tipo.
Glória imortal para esses guerreiros prussianos na Posnânia, que prepararam o caminho tomado logo em seguida pelo servo napolitano do algoz ao aniquilar sua leal capital e enviar a soldadesca para uma pilhagem que durou 24 horas. Glória ao exército prussiano na campanha da Posnânia! Pois ele iluminou os croatas, os sereschaner, ottocaner9 e outras hordas de Windischgrätz e consortes com um exemplo que, como Praga (em junho), Viena, Pressburg etc. demonstram, os estimulou à mais digna imitação.
E afinal mesmo esta coragem dos prussianos contra os poloneses só se deveu ao medo dos russos.
“Todas as boas coisas devem ser três.” Portanto, também o “Meu exército” devia colher uma tripla glória. A ocasião não se fez esperar. Pois “sua colaboração para a manutenção da ordem [!] no sul da Alemanha conquistou um novo reconhecimento à fama prussiana”.
Só a maldade e a mania de depreciar poderiam negar que “Meu exército” prestou excelentes serviços de beleguim e polícia à Dieta Federal – modernizada pela mudança de nome e chamada agora poder central. Tampouco se pode desmentir que a fama prussiana de devorar vinho do sul da Alemanha, carne, cidra etc. conquistou pleno reconhecimento. Os esfomeados brandenburgueses, pomeranos etc. cevaram uma patriótica pança, os sedentos se refrescaram e souberam devorar com tal coragem heroica absolutamente tudo o que os hospedeiros do sul da Alemanha lhes ofereceram, que ali a fama prussiana encontrou em toda parte o mais ruidoso reconhecimento. Pena que as contas da hospedagem ainda não tenham sido pagas: o reconhecimento seria ainda mais ruidoso.
A glória do “Meu exército” é realmente inesgotável; e não deve ser omitido que, “onde Eu chamei, ele esteve pronto, com total lealdade, com total disciplina”, e é igualmente digno de comunicar à posteridade que “Meu exército se opôs às sórdidas calúnias a seu excelente espírito e nobre autocontrole”.
Quão lisonjeira é a felicitação para “Meu exército”, evocando a agradável lembrança da “plena disciplina” e do “nobre autocontrole”, e com eles mais uma vez sua ações heroicas no grão-ducado, e além disso os louros em Mogúncia, Schweidnitz, Tréveris, Erfurt, Berlim, Colônia, Dusseldorf, Aquisgrana, Coblença, Münster, Minden etc. Mas nós, que não pertencemos ao “Meu exército”, ampliamos nossas limitadas concepções de súditos. Matar a tiros anciãs e grávidas, roubar (documentado oficialmente nas proximidades de Ostrowo), seviciar cidadãos pacíficos com coronhas de fuzis e sabres, demolir casas, apontar, durante a noite, armas escondidas sob o manto contra pessoas desarmadas, pilhar (vide a aventura em Neuwied) – estes e outros heroísmos chamam-se em linguagem germano-cristã: “plena disciplina”, “nobre autocontrole”! Viva a disciplina militar e o autocontrole, visto que os assassinados sob esta rubrica estão mesmo mortos.
As poucas passagens da felicitação de ano novo real-prussiana que mencionamos mostram que esta peça, por seu significado e seu espírito, está no mesmo nível do manifesto do duque de Braunschweig de 1792″.
Festejar o final de um ano de lutas sempre foi uma tradição do movimento operário. E este ano tivemos, dentre tantas, a já épica ação do Hamas contra o estado sionista de Israel. É justamente para isso que o PCO organiza o Réveillon Vermelho. Venham festejar conosco no buffet Mediterrâneo e participem com o único partido revolucionário neste país, assim como os companheiros de luta participaram com Marx no De Swaene.