Para a política internacional, o ano de 2023 fica marcado, sem dúvidas, pela acentuação da crise do imperialismo, com exemplos importantes de povos oprimidos se rebelando contra o seu domínio global, como no caso do Níger, do Gabão e, agora, de forma ainda mais contundente, da Palestina. Apesar de tudo isso, nem todo mundo na esquerda compreende que o imperialismo está se esfarelando cada vez mais. E há ainda quem veja as coisas de forma ainda mais grave, como se o que está por vir seria ainda pior.
Um artigo do sítio Esquerda Online, intitulado “2024, o ano em que viveremos perigosamente” e assinado por Valério Arcary, apresenta um cenário catastrófico e sem qualquer perspectiva de luta para 2024.Na maior parte do tempo, o que o autor busca é fazer uma análise técnica dos problemas enfrentados pelo capitalismo, o que é insuficiente para mobilizar a classe trabalhadora.
Logo no primeiro parágrafo lemos a seguinte constatação: “Quando, em 2008, o sistema financeiro nos EUA e nos países centrais esteve ameaçado de falência, seriamente, pela primeira vez, desde 1929, ficaram expostos os limites do capitalismo. Mas nunca existiram crises econômicas sem saída para o capitalismo” – grifo nosso.
Ainda que afirme que “A superação de crises econômicas nunca foi, indolor. Exigiu destruição massiva de capitais, um aumento do patamar de exploração da força de trabalho, uma intensificação da concorrência entre monopólios, e da rivalidade entre Estados”, temos ainda a afirmação de que o capital sempre encontra uma saída e, pior, “estamos diante de um período histórico de aceleração da decadência do sistema. (…) da crescente influência da extrema-direita: uma estratégia contrarrevolucionária para salvar o capitalismo, e preservar a liderança dos EUA”.
O clima de velório continua quando Arcary afirma que “não há, na escala internacional, uma articulação das esquerdas, moderadas ou radicais, que possa oferecer a resistência necessária ao que está por vir, (…) o inimigo se unifica no mundo … Milei (venceu) na Argentina”. Uma verdadeira tragédia, ainda mais porque, segundo ele, Trump pode vencer no ano que vem nos EUA. Não podemos nos esquecer que boa parte da esquerda brasileira festejou a vitória de Joe Biden.
Outro dado curioso no texto de Arcary é o fato de ele considerar que o capitalismo tenha se recuperado, pois há quem diga que a economia mundial ainda não se recuperou da crise de 2008. Quando, no início deste ano, uma ameaça se abateu sobre os bancos domésticos dos Estados Unidos, Joe Biden avisou que não haveria socorro. A derrota no Afeganistão, a dificuldade de produzir munições para a Ucrânia, a rebelião de países africanos, o fortalecimento do BRICS, o ataque palestino a Israel; tudo isso prova que o imperialismo, longe de uma recuperação, dá sinais cada vez mais claros de debilidade, mesmo que ainda possa provocar muitos estragos.
Arcary diz que “A burguesia norte-americana procura preservar sua supremacia política-militar estreitando o bloco histórico com o Reino Unido dentro da OTAN, arrastando a França e Alemanha para o apoio incondicional ao governo Zelensky na Ucrânia contra a Rússia, consolidando Tratados com Japão, Austrália e Coreia do Sul contra a China no Pacífico e, reafirmando a aliança com Israel na invasão da Faixa de Gaza”, mas é justamente aí que a coisa anda mal. A Ucrânia está à beira de um colapso. O imperialismo precisa escolher entre ajudar os ucranianos ou os sionistas. E a invasão a Gaza tem provocado um desgaste sem precedentes na imagem de “Israel”.
Como era esperado, Valério Arcary denuncia sua adesão às políticas do imperialismo, pois diz que “não fosse o bastante, o crescente aquecimento global, que precipita desastres ambientais extremos, coloca a urgência de uma transição energética que permanece à deriva”. A “transição energética” é uma preocupação dos países ricos, que, esperando se apossar dessa riqueza no futuro, estão utilizando o clima para impedir que países atrasados, como o Brasil, Venezuela, por exemplo, utilizem usas reservas de petróleo, que estão principalmente nas mãos dos países do chamado “Sul Global”.
Não há porque se desesperar
Valerio Arcary afirma que “as últimas crises confirmam que os limites históricos do capitalismo estão mais estreitos. Estes limites não foram, não são, não poderiam ser fixos. Eles resultam de uma luta política e social, ou seja, evoluem função da correlação social e política de forças”. Mesmo assim, já que, segundo ele, “nunca existiram crises econômicas sem saída para o capitalismo”, não há muito com o que se preocupar.
O texto de Arcary passa por parágrafos intermináveis sobre conversibilidade do dólar, financeirização, endividamentos estatais, derivativos etc. Mas não toca no problema fundamental que é a luta contra o imperialismo. Mas, não podemos esperar que Valério Arcary, que esteve no PSTU, partido que apoiou o golpe contra Dilma, tenha uma bandeira de lutas. Seu partido atual, o PSOL, condena a Rússia, o Talibã, condena o Hamas, aqueles que estão efetivamente lutando contra o imperialismo.
O autor do texto diz que “o desfecho do que virá não parece animador. Sem um choque que altere, de forma qualitativa, a correlação de forças entre capital e trabalho, no Brasil e em escala internacional, há que esperar uma situação pior”. Mas quem vai dar esse choque? Por acaso estão esperando por uma intervenção divina?
É uma grande choradeira o texto de Valério Arcary, praticamente um convite para que a esquerda fique em casa e aproveite o resto da vida, pois ele não tem nada a propor, apenas espera que “venha 2024, e nos surpreenda com boas notícias”. Porém, como diz a música Bom Conselho, de Chico Buarque, “Está provado, quem espera nunca alcança”.