Em artigo publicado pelo jornal O Globo, um tal José Eduardo Agualusa, que se apresenta como “jornalista, escritor e editor”, expõe suas perspectivas para o ano de 2024. O que vem aí, anuncia o artigo em seu título.
Segundo Agualusa, o ano vindouro estaria ameaçado por várias “tragédias”. Tragédias que, segundo ele, seriam “consequência direta da ação humana” e que, portanto, estaria “na nossa mão evitá-los”. O que o jornalista, de forma dramática, considera como “tragédia”, contudo, não passa da campanha histérica feita pelos grandes capitalistas para empurrar a opinião pública mundial em direção à sua política genocida e criminosa. Vejamos:
“Em 2023, uma dessas tragédias imprevisíveis foi o criminoso ataque do grupo terrorista Hamas a Israel, a que se seguiu a resposta, ainda mais criminosa, do governo de Netanyahu.”
Pouca importância tem o fato de que Agualusa critica a resposta de Benjamin Netanyahu, chamando-a de criminosa. Ao criticar à Operação Dilúvio al-Aqsa, coordenada pelo Hamas, o jornalista está corroborando o principal aspecto da propaganda sionista: que “Israel” tem o direito de se defender. Ainda que implicitamente critique os “excessos” de Netanyahu, o que o jornalista faz é criticar o direito de um povo oprimido a reagir contra os seus opressores. É negar, portanto, o direito de um povo de lutar por sua libertação. A “tragédia” deste caso foi o Hamas não se contentar em ser cúmplice do silêncio hipócrita de O Globo e de toda a imprensa imperialista sobre os crimes que vêm sendo cometidos por “Israel” há 75 anos.
Passemos, então, à segunda “tragédia”:
“Sabemos, por exemplo, quem ganhará a guerra entre a Rússia e a Ucrânia; ou entre o atual governo israelita e o Hamas. Essas guerras, como todas, serão ganhas pela indústria armamentista, em particular por uma série de poderosas empresas americanas.”
O jornalista, então, lamenta que a indústria armamentista estaria lucrando com os conflitos pelo mundo. Ora, mas como fazer uma guerra sem armas? E como fazer armas sem uma indústria? O que Agualusa deveria analisar é: a guerra entre “Israel” e os palestinos ocorre apenas por uma necessidade da indústria armamentista dos Estados Unidos e do enclave sionista? E a guerra entre a Rússia e a Ucrânia?
Por mais que haja o interesse desse poderoso setor da economia dos países imperialistas, o fato é que o fator decisivo para que haja essas guerras não é o impulso da indústria bélica. Tanto a guerra da Ucrânia quanto a resistência palestina são o resultado de um processo de libertação nacional, um processo de características revolucionárias. O que motivou a guerra da Ucrânia foi a decisão do governo de Vladimir Putin de se aproveitar da fraqueza demonstrada pelo imperialismo norte-americano em sua expulsão do Afeganistão para desmantelar uma ameaça iminente ao seu país e libertar a população do Donbas. O que motivou a Operação Dilúvio al-Aqsa foi a decisão da resistência palestina de deflagrar uma guerra dos povos árabes pelo fim do Estado de “Israel”.
A incompreensão de Agualusa sobre os processos políticos pelos quais o planeta passa é tão grande que ele usa a mesma tese da onipotência da indústria armamentista para analisar as eleições norte-americanas:
“Sabemos igualmente quem vencerá as eleições nos EUA, agendadas para 5 de novembro: as mesmas empresas armamentistas americanas que referi atrás.”
Trata-se exatamente do oposto. Ao que tudo indica no momento, o próximo a chefiar a Casa Branca será Donald Trump, uma vez que Joe Biden se mostra cada vez mais impopular e cada vez mais incapaz de governar o país mais importante para a dominação imperialista. Uma das “tragédias” mais previsíveis de 2024 é que a Ucrânia será derrotada pela Rússia – caso aconteça, Biden será o único presidente norte-americano a perder duas guerras. Se Biden for derrotado, será uma derrota da indústria armamentista.
Tanto é assim que a vitória de Donald Trump em 2016 foi o resultado justamente da revolta de um setor da população norte-americana com a política do Partido Democrata, que é voltada para a sabotagem da própria economia em função do enriquecimento dos bancos e da indústria armamentista. Trump, diga-se de passagem, foi um dos raros presidentes norte-americanos a não iniciar uma guerra.
Agora, a terceira tragédia:
“Também sabemos que em 2024 teremos terríveis inundações, um pouco por todo o planeta. Leremos, de novo, notícias de grandes danos provocados por ciclones, tornados e furacões. Aqui e ali ocorrerão secas espantosas, que, todavia, não merecerão tanto espaço nos jornais. Os desastres climáticos deixaram de ser uma possibilidade; agora, são uma certeza.”
Desastres naturais sempre aconteceram. Em 1755, um terremoto na capital de Portugal, Lisboa, destruiu a cidade quase por completo, deixando pelo menos 10 mil mortos. Mas o objetivo do jornalista em trazer esses dados é apontar que, supostamente, haverá novas tragédias por causa da ação do homem. Fato é, no entanto, que nunca foi comprovado que a ação humana seja a causa de qualquer desastre natural de grande magnitude. No máximo, pode-se creditar à ação humana desastres como deslizamento de terra, que ocorrem porque os bancos saqueiam os cofres públicos e impedem o investimento mínimo em infraestrutura.
A preocupação com as “tragédias” ambientais – isto é, com um suposto aumento de desastres causados pela ação humana – só tem como objetivo mudar a ação humana. E que ação seria essa? A de explorar petróleo, a de desenvolver a indústria – em resumo, tudo aquilo que permitiria um país como o Brasil se tornar verdadeiramente independente de seus opressores. Toda a demagogia ambientalista hoje está a serviço de políticas como a “eliminação de combustíveis fósseis”, uma política que cumpre um papel militar, econômico e estratégico para o imperialismo: impedir que os países oprimidos se desenvolvam.
No fim do artigo, Aqualusa cita “Tasmânia”, um romance de um escritor italiano em que é apresentada a seguinte ideia:
“Imagine que um parafuso se solte de um satélite. Deve acontecer a toda a hora, não é? Os parafusos soltam-se. Bom, esse parafuso viaja a cerca de 30 mil quilômetros por hora, é um projétil. Imagine agora que o parafuso embata noutro satélite, e que esse se estilhace e dispare em volta uma quantidade de outros projéteis metálicos. (…) Uma reação em cadeia. No fim, o que será de todo esse material? Poderá até precipitar-se para a Terra. É uma ameaça real.”
A alegoria mostra bem a loucura e a mentalidade apocalíptica de figuras como José Eduardo Aqualusa. O jornalista de O Globo não apenas vê tudo como tragédia, mas vê toda tragédia como o gatilho para que uma grande tragédia se estabeleça. Aqualusa é um cidadão amedrontado, com medo do fim iminente – medo semelhante ao que a Igreja Católica estabeleceu sobre seus fiéis, em tempos mais sombrios, em que tudo poderia ser visto como heresia. Um medo semelhante àquele que se estabeleceu durante a ditadura militar no Brasil, em que ninguém sabia mais o que poderia ou não ser dito, sob pena de ir parar nos porões do DOPS.
José Eduardo Aqualusa não passa de mais um trouxa que caiu exatamente na campanha dos grandes capitalistas de que o mundo estaria próximo de sua extinção – uma campanha que tem o mesmo objetivo da Igreja Católica da Idade Média ou da ditadura militar: validar a política impopular, reacionária e injustificável das autoridades.
Nosso jornalista não entende que a metáfora da grande tragédia iminente não retrata o mundo, mas sim a dominação mundial. Para os Estados Unidos, qualquer novo levante, como a Operação Dilúvio al-Aqsa, poderá levar a um estágio irreversível da luta dos oprimidos contra seus opressores.