Oitenta e dois anos driblando tudo o que via pela frente. Driblando a imprensa abutre e mentirosa, driblando os zagueiros açougueiros, driblando os chatos de plantão que exigiam que ele, que nasceu para ser artista, agisse como se fosse um santo da Igreja Católica. Edson Arantes do Nascimento, homenageado com o nome do inventor norte-americano Thomas Alva Edison, não conseguiu driblar o último de seus adversários: o câncer de cólon.
E assim perdemos Pelé, num 29 de dezembro que hoje já foi arrancado do calendário. Há exatamente um ano, o mundo inteiro se calava diante da morte dele, do insuperável Rei Pelé. Há exatamente um ano, essa palavrinha de quatro letras, tão brasileira, tão negra, aparecia nos jornais franceses, italianos, africanos e até japoneses.
“Como se soletra Pelé?” perguntou, uma vez, Malcolm Allison, técnico do Manchester City na época. “Fácil”, respondeu, então, Pat Crerand, ídolo do Manchester United e da Escócia. “D-E-U-S”. Todos sabiam como soletrar e como pronunciar “Pelé”. No início dos anos 1990, a Organização das Nações Unidas (ONU) fez uma pesquisa para saber quais eram as palavras mais conhecidas no mundo. Três foram as que mais se destacaram: Pelé, Coca Cola e Papa!
O futebol mundial nunca sofreu tanto quanto naquele fatídico 29 de dezembro. Semanas antes da morte de Edson, a imprensa, sensacionalista como sempre, e com toda licença do mundo para veicular suas “fake news“, afirmou que o Rei estaria sob cuidados paliativos – isto é, que não respondia mais a nenhum tratamento. A família, na época, negou: “quando ele melhorar, ele vai para casa de novo”, prometeu sua filha Kely Nascimento.
O mundo respirou aliviado. Ainda havia esperança! Para um homem que deu quatro chapéus seguidos em uma partida contra o Juventus, que imortalizou a camisa 10, que driblou um goleiro sem sequer tocar na bola, que conquistou o mundo três vezes, que seria se livrar de um câncer? Ele vai vencer – torcíamos -, apesar de que todos os sinais que vinham da biologia indicassem o contrário.
Foi implacável. O câncer nos tirou Edson Arantes.
Sua morte não foi esquecida. Quando ainda estava no hospital, as várias homenagens durante a Copa do Mundo, que ocorria no Catar, foram prestadas ao Rei. “Pelé, fique bem logo”, dizia um dos bandeirões agitados pelos torcedores. Mas desejar melhoras era pouco. “Obrigado, Pelé, por fazer do futebol o que é hoje”. Era o mínimo que deveria ser dito. Mas não foi, porque hoje, assim como também era na época do Rei, o futebol brasileiro é perseguido, atacado e caluniado.
E isso só aumenta o brilho do Rei. Pelé, o moleque de Três Corações, negro e pobre, se tornou a majestade de bilhões, mesmo com todo o preconceito e a arrogância dos países imperialistas para com o povo brasileiro. Pelé era uma unanimidade: ao partir, foi homenageado por Joe Biden, Donald Trump e Vladimir Putin!
Mas os elogios mais importantes não vieram de chefes de Estado, como a Rainha da Inglaterra, cujo único interesse era utilizar a imagem do Rei para fazer demagogia. Pelé impressionou homens como o artista italiano Paolo Pasolini, que disse: “no momento em que a bola chega aos pés de Pelé, o futebol se transforma em poesia”.
Quando Pelé tinha apenas 17 anos, o cronista Nelson Rodrigues certa vez disse: “Pelé podia virar-se para Miguel Ângelo, Homero ou Dante e cumprimentá-los, com íntima efusão: — ‘Como vai, colega?'”.
Após a conquista do mundo na Copa da Suécia, em 1958, Pelé já era comparado aos grandes artistas da história da humanidade. Na época, não poderia cumprimentar Homero, Miguel Ângelo nem Dante, visto que esses já se foram há séculos. Que hoje Sua memória, junto com a dos artistas que lhe antecederam, sirva de inspiração para nosso futuro.
Viva o Rei Pelé, eterno na mente dos oprimidos!