Iêmen

Como a revolução dos Hutis derrotou o imperialismo

O movimento revolucionário Ansar Alá, fundado em 2004, tomou o poder após 10 anos de luta armada e lutou por mais 8 anos uma guerra de libertação nacional, até a vitória

O Iêmen, governado pelo Ansar Alá (também conhecidos como Hutis devido ao seu dirigente), se tornou um dos países mais importantes do mundo ao entrar em guerra contra “Israel”. O país mais pobre do Oriente Médio se demonstrou como o mais poderoso na luta contra o imperialismo justamente por ser governado por um partido nacionalista revolucionário. Mas o poder do Iêmen se dá justamente porque para eles a guerra não começou em 2023, ela se iniciou em 2014 e foi uma das mais brutais do século XXI. A verdade é que, em outubro de 2023, o Iêmen já havia derrotado o imperialismo e, por isto, teve tanta força para atacar o sionismo.

O primeiro passo para a compreensão da tomada do poder pelo Ansar Alá é diferenciar o Iêmen dos demais países árabes. Ele, de certa forma, é um país único. Não faz parte do grupo de países do norte da África (do Marrocos ao Egito). Não faz parte do grupo de países ao norte na península arábica (Palestina, Jordânia, Líbano, Síria e Iraque). Também não faz parte do grupo das monarquias da península arábica, pois não tem acesso ao golfo pérsico; ou seja, não tem petróleo. Sendo assim, enquanto todos os países da península se mantém governados por monarquias ultra reacionárias, o Iêmen possuiu um movimento de luta nacionalista.

Na década de 1960, um movimento revolucionário derrubou a monarquia, tornando o Iêmen a única república na península arábica. No entanto, o país se dividiu em dois, vindo a se reunificar apenas em 1990, com a queda da União Soviética, que era aliada do Iêmen do sul, a República Democrática Popular do Iêmen. Contudo, a situação do país nunca se estabilizou de fato. Inclusive hoje, sobre o governo do Ansar Alá, apenas metade do Iêmen é controlado pelo governo central. A fim de compreender a conjuntura atual, é necessário saber que os Hutis aparecem na história em 2004, quando Hussein Badreddin al-Huti, uma liderança xiita da população nas montanhas do norte lança uma guerrilha contra o governo. Ele foi assassinado em 2004, acabando por dar nome ao movimento, que depois se consolidaria no partido Ansar Alá.

Entre 2004 e 2010 a guerra já teve um impacto gigantesco. A respeito dela, o Washington Institue for Near East Policy publicou um relatório: “O conflito, segundo relatos, causou entre 20.000 e 30.000 vítimas, incluindo combatentes e não combatentes. Distinguir entre essas duas categorias é frequentemente difícil porque tanto os Hutis quanto as milícias tribais apoiadas pelo governo lutam de dentro das populações civis. Estima-se que o número de pessoas deslocadas internamente gire em torno de 150.000, e mais de 3.000 pessoas estão, segundo relatos, sob detenção governamental no norte”. Desde o princípio o governo era apoiado pela Arábia Saudita, o principal aliado dos EUA na região na época. O que demonstra que o caráter da guerrilha sempre foi anti-imperialista.

O governo Obama também entrou na guerra contra o Ansar Alá, bombardeando o país com drones a partir de 2009. O ano da virada foi 2011, a Primavera Árabe. A mobilização popular, que se tornou uma revolução, derrubou o presidente Ali Abdula Salé, que governava o Iêmen desde a unificação em 1990. No entanto, o regime político não foi derrubado: com o vice-presidente Abdrabu Mansur Hadi assumindo o governo, as eleições seriam apenas em 2014. Institucionalmente não havia caminho para a derrota do governo pró-imperialista. Assim, a luta armada, dirigida pelo Ansar Alá, cresceu exponencialmente.

A revolução dos Hutis tomou o poder em 2014, quando a capital do Iêmen, Sana, foi conquistada. O governo pró-imperialista, surgido em 1990 com “nova ordem mundial” de Bush pai, havia finalmente sido derrubado. Nesse momento o imperialismo organizou a resposta mais violenta possível. Os EUA montaram uma coalização liderada pela Arábia Saudita e com a participação de Egito, Marrocos, Jordânia, Sudão, Emirados Árabes, Omã, Cuaite, Catar, Barém, Jibuti, Eritreia e Somália. Todos os regimes reacionários árabes, apoiados pelo imperialismo dos EUA, da Inglaterra e da Franca, tentaram derrubar o governo revolucionário do Iêmen. No entanto, falharam.

A guerra de libertação nacional do Iêmen, por estimativas da ONU, levou à morte 377 mil pessoas até o ano de 2021. Apenas 150 mil foram por ações militares, ou seja, a maioria foi pela gigantesca crise humanitária gerada pelo bloqueio violentíssimo imposto ao país. Com um processo semelhante ao que está sendo feito na Palestina, o imperialismo realizou uma punição coletiva ao povo do Iêmen na tentativa de derrubar o governo. O país se tornou o palco da maior crise humanitária do século XXI. Cerca de 80% da população ficou em situação de fome. O país teve uma das maiores epidemias de cólera da história da humanidade, com 2,5 milhões de casos entre 2016 e 2021. No auge da crise, 540 mil crianças estavam em fome severa, na iminência da morte.

Mas os bombardeios e o bloqueio genocidas não foram capazes de derrotar a revolução. O Ansar Alá cresceu e se tornou cada vez mais organizado e armado. A grande crise aconteceu quando as forças armadas do Iêmen adquiriram a capacidade de destruir refinarias sauditas e dos Emirados Árabes. Em 2019 os iemenitas atingiram duas refinarias sauditas; em 2022 também conseguiram atingir outras. Com isto, a Arábia Saudita, diante dos avanços do Iêmen, poderia ter toda sua economia paralisada dado que o país depende completamente do petróleo. Após 8 anos de guerra brutal, o Iêmen demonstrava que não seria derrotado.

Dada a mudança na conjuntura, a Arábia Saudita aparenta ter aceitado a derrota na guerra em 2022, quando aceitou uma trégua acertada com a ONU no mês de abril, um mês após o bombardeio da refinaria. O quadro virou ainda mais para o lado do Iêmen em 2023, quando a China costurou o acordo histórico entre Arábia Saudita e Irã. A partir desse momento começaram conversas de cessar-fogo permanente entre sauditas e iemenitas. Pela primeira vez na história, o governo do Ansar Alá mandou representantes para Riade, capital da Arábia Saudita, para conversas diplomáticas. Foram 5 dias de discussão em setembro, que encaminhavam para o fim da guerra. A nova etapa se abriu poucos dias depois, em 7 de outubro, quando o Hamas lançou a Operação Dilúvio de al-Aqsa contra o Estado de “Israel”.

Neste momento, após 9 anos de guerra contra uma coalização enorme de países árabes e imperialistas, já está comprovado que o governo do Ansar Alá não será derrotado. A guerra de libertação nacional do Iêmen está praticamente vencida. Esse é o motivo que o imperialismo não consegue deter os iemenitas. Já são quase 20 anos tentando derrotar os Hutis, e o movimento apenas cresce. O imperialismo tentou jogar novamente os sauditas contra o Iêmen, mas o príncipe Bin Salman recusou. Agora o Iêmen é dos iemenitas, e, portanto, o Mar Vermelho não é do imperialismo.

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