Em artigo publicado no jornal norte-americano The New York Times, o jornalista gringo Jonathan Weisman defende a seguinte tese:
“Se o anti-sionismo há um século significava se opor ao esforço internacional para estabelecer um estado judeu no que então era um território controlado pelos britânicos chamado Palestina, agora sugere a eliminação de Israel como a pátria soberana dos judeus. Isso, afirmam muitos judeus em Israel e na diáspora, é indistinguível do ódio aos judeus em geral, ou antissemitismo.” (“Is Anti-Zionism Always Antisemitic? A Fraught Question for the Moment”, 11/12/2023).
Trata-se de uma manobra tipicamente sionista, de unir coisas tão distintas quanto um movimento político, uma crença religiosa e uma etnia para, através da confusão, defender-se de responder pelos crimes perpetrados contra o povo palestino por “Israel”. Weisman prossegue em sua argumentação reforçando que “o sionismo, como conceito, era antes claramente compreendido como a crença de que os judeus, que sofreram perseguições por milênios, precisavam de refúgio e autodeterminação na terra de seus ancestrais”, argumento que já traz um dos primeiros problemas da questão: quem tem direito à autodeterminação?
Autodeterminação significaria que um povo de uma determinada região terá seu autogoverno. Ocorre que os colonos não tinham terras na Palestina, em sua quase totalidade eram europeus sem nenhuma relação com o Oriente Médio.
Por essa razão, não existe “autodeterminação israelense”. Quem tem esse direito são os palestinos, que tiveram suas terras invadidas.
Se é válido o argumento de que os judeus habitavam aquela região há mais de mil anos e por isso os sionistas de hoje podem invadir a Palestina e roubar os árabes que encontraram, países como os EUA, do autor, e o Brasil estariam em sérios apuros diante de uma eventual reivindicação de ingleses e portugueses sobre os territórios dessas nações. Muitas gerações se passaram desde todos os eventos citados, inviabilizando o argumento seja para ingleses, seja para portugueses, seja para judeus.
Percebendo essa falha em sua argumentação, o autor usa de uma malandragem retórica para colocar judeus e palestinos sob uma igualdade inexistente e desmerecer a reivindicação dos árabes de que o país lhes pertencia. Conforme o sionista, havia então “um território controlado pelos britânicos chamado Palestina”. Primeiro que o protetorado britânico sobre o território teve menos de 50 anos de duração, invalidando a tese – francamente picareta – de que não havia Palestina ou palestinos nas terras colonizadas.
Segundo, nem o mais descarado dos sionistas nega a existência de conflitos anteriores à fundação do Estado de “Israel”. Ora, com quem os invasores israelenses guerrearam para se impor no território?
O argumento da autodeterminação de “Israel” ignora também o problema de que havia um povo no local escolhido como “pátria soberana dos judeus”, povo este que foi vilipendiado, perdendo as suas casas, suas terras e, em inúmeros casos, perdendo suas vidas das maneiras mais brutais e sanguinolentas possíveis.
A reivindicação de uma nação judaica nunca veio da própria comunidade, mas de banqueiros e do imperialismo. É possível, contudo, atender à reivindicação de um país judeu, supremacista e o que mais os sionistas acharem democrático e representativo dos anseios dos judeus. Aventou-se, no século XIX, que a nação judia fosse estabelecida nos EUA. Porque não fazê-la nesse país, portanto?
O próprio autor lembra em seu artigo que os EUA seriam o país perfeito para essa operação:
“Pode-se responder perguntando o que significa sugerir que a política americana deve se concentrar em garantir um refúgio seguro para os judeus no exterior, quando a Primeira Emenda garante que os Estados Unidos sejam um refúgio seguro [grifo nosso].”
Finalmente, marxistas e sionistas concordam. Por que então insistir em colocar a nação sionista na Palestina? Sendo já uma nação de desenvolvimento capitalista avançado no final do século XIX, os EUA sempre foram um atrativo maior para os judeus da Europa do que no Oriente Médio. No Mundo Árabe, inevitavelmente, “Israel” será uma colônia aos moldes de tantas outras do período mais selvagem do colonialismo, onde o racismo era parte integral de sua manutenção política.
Qualquer discussão séria sobre o tema da autodeterminação teria que ser feita à luz do retorno dos palestinos expulsos e mediante a devolução de todas as propriedades roubadas por “Israel”. Sem isso, o resto é irrelevante.
O problema para os sionistas é que acontecendo isso, os judeus seriam uma minoria muito inexpressiva no território, o que terminaria revelando o quão fictícia é a revindicação da autodeterminação. Assim como faria ruir todo o plano originalmente estabelecido de organizar uma colônia na Ásia Menor, tal como idealizado pelo “pai” do sionismo, Theodor Herzl, que queria um apartheid igual ao das colônias inglesas do sul da África.
Como o fundamental para o imperialismo é o controle do Oriente Médio, muito mais do que as bobagens escritas por Weisman ou qualquer outro sionista, não espere o leitor que a ideia prospere. “Israel” nunca foi projetada para ser segura a ninguém, mas para ser a desgraça que não cansa de chocar o mundo pela sua desumanidade.
A menos que o autor considere todos os judeus do mundo cúmplices dos crimes de Israel, há sim uma distinção entre sionismo e semitismo, o que é sempre defendido pelos marxistas. Insistir no contrário, como faz Weisman e tantos sionistas que usam o povo judeu como escudo, é o mesmo que colocar um alvo sobre eles, evidenciando como os sionistas simplesmente não ligam para os judeus, a despeito de tudo o que dizem.
Uma hora, a revolta que se expressa em todo o planeta contra as monstruosidades cometidas por “Israel” será cobrada e será preciso um esforço enorme para reforçar o que dizem os marxistas, e os sionistas negam: que sionismo e semitismo são, sim, coisas muito distintas.