Na última sexta-feira (1º), a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) divulgou uma nota alertando sobre os riscos que a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que responsabiliza jornais por declarações feitas por entrevistas para a liberdade de expressão.
A associação afirmou que a decisão utiliza termos “genéricos e imprecisos”. De acordo com a Abraji, os trechos podem “ampliar o cenário de censura e assédio judicial contra jornalistas e comunicadores”.
Nesse sentido, a organização disse que espera que o STF “traga parâmetros mais concretos sobre o que entende como ‘indícios concretos’ da falsidade das informações divulgadas” no acórdão do julgamento e apresente “quais atos de cuidado deverão ser observados pelos veículos para que não sejam responsabilizados por informações ditas por terceiros, respeitando os preceitos da liberdade de imprensa que não podem ser restringidos ou afetados”.
“Esperamos que os tribunais brasileiros apliquem a tese considerando a sua especificidade e condições, e evitem decisões que resultem no cerceamento do trabalho jornalístico exercido com ética e responsabilidade”, escreveu a entidade.
Além da Abraji, outras sete organizações assinam o texto: Repórteres Sem Fronteiras (RSF), Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), Associação de Jornalismo Digital (Ajor), Associação Brasileira de Imprensa (ABI), Instituto Vladimir Herzog, Associação de Jornalistas de Educação (Jeduca) e Instituto Palavra Aberta.
Leia, abaixo, a nota em questão na íntegra:
“O STF concluiu na tarde de 29.nov.2023 o julgamento do Recurso Extraordinário 1075412 definindo a tese de repercussão geral sobre as circunstâncias em que um veículo de imprensa pode ser responsabilizado civilmente por declarações de terceiros feitas em entrevistas, especialmente quando estas imputam a prática de crimes e atos ilícitos a terceiros.
O caso em questão chegou ao STF recentemente, mas teve início em 1995, quando o jornal Diário de Pernambuco publicou em sua versão impressa uma entrevista na qual o ex-deputado federal Ricardo Zarattini Filho era acusado de ter praticado um atentado a bomba no aeroporto de Guararapes, em 1968, no auge da ditadura militar. A acusação carecia de provas, e o veículo acabou condenado a indenizar a família do parlamentar, já falecido. No caso, o entrevistado alegou no processo não ter feito tal declaração e que já não havia mais gravações da entrevista para comprovar seu teor.
Em agosto deste ano, durante o julgamento do caso, foram apresentadas quatro sugestões de teses, propostas pelos ministros Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso e Marco Aurélio. A tese aprovada incorporou as sugestões dos ministros Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso, além de alterações propostas pelos ministros Cristiano Zanin e Cármen Lúcia.
As organizações abaixo assinadas expressam preocupação com o teor da tese definida, especialmente em relação ao emprego de termos genéricos e imprecisos, que podem ampliar o cenário de censura e assédio judicial contra jornalistas e comunicadores.
A tese admite a análise e responsabilização dos veículos de imprensa por conteúdo proferido por entrevistados nos casos de ‘informações comprovadamente injuriosas, difamantes, caluniosas, mentirosas, e em relação a eventuais danos materiais e morais’, além de permitir a remoção de conteúdos sub judice.
Ainda serão passíveis de responsabilização casos em que o entrevistado imputar falsamente crime a terceiro quando, à época da divulgação, houver “indícios concretos” da falsidade da imputação e o veículo deixar de observar o “dever de cuidado” na verificação da veracidade dos fatos e na divulgação da existência de tais indícios. Embora reduzam o escopo de aplicação da tese, os termos utilizados são imprecisos e trazem riscos para a liberdade de imprensa.
Esperamos que o Supremo, na redação do acórdão do julgamento, traga parâmetros mais concretos sobre o que entende como ‘indícios concretos’ da falsidade das informações divulgadas e quais atos de cuidado deverão ser observados pelos veículos para que não sejam responsabilizados por informações ditas por terceiros, respeitando os preceitos da liberdade de imprensa que não podem ser restringidos ou afetados.
Ao mesmo tempo, esperamos que os tribunais brasileiros apliquem a tese considerando a sua especificidade e condições, e evitem decisões que resultem no cerceamento do trabalho jornalístico exercido com ética e responsabilidade.”