O sítio Esquerda Online publicou uma tradução de um artigo escrito por Michael Roberts, traduzido pelo portal brasileiro e publicado na edição do último dia 13. Com o título “Israel: a falência de um sonho”, o autor ironiza uma caracterização apresentada pelo britânico “The Economist”, que ao comemorar os 75 anos da fundação do Estado sionista, diz que na ocasião (maio deste ano) “Israel é enormemente rico, mais seguro do que foi durante a maior parte de sua história, e democrático.” Para o autor, contudo, as colocações do semanário inglês “parecem agora uma piada de mau gosto”, não pela brutalidade dispensada aos palestinos, mas pela capitulação de Israel a uma direita que teria liquidado “a verdadeira história do Estado israelense”, apresentada de maneira romantizada e totalmente fora da realidade:
“Essa história é a dos imigrantes judeus que vieram para a Palestina com o grande objetivo de estabelecer um estado de refúgio para os judeus em sua terra natal junto com os habitantes árabes que os habitavam”, diz o autor. “Muitos desses sionistas sonhavam que Israel se tornasse um modelo de sociedade socialista, com propriedade comunal e administrada por meio de comunas locais ou kibutzim como uma alternativa democrática ao governo de xeiques e generais nos estados árabes.” Voltaremos ao absurdo do “modelo de sociedade socialista” mais para frente, por hora, iremos nos deter no quanto os sionistas desejava viver na Palestina em harmonia “com os habitantes árabes” que lá estavam há milênios.
“A realidade era que, na prática”, continua, “os imigrantes judeus que se estabeleceram na Palestina e estabeleceram o novo Estado socialista só poderiam fazê-lo expulsando violentamente centenas de milhares de árabes de suas casas e terras”, conclui, como que recuando da posição anterior e esclarecendo que buscar um “refúgio para os judeus junto com os árabes” nunca foi parte concreta do plano sionista. Antes que se argumente que houve alguma mudança de curso, é preciso analisar a gênese do movimento sionista.
Considerado “pai” do sionismo, o judeu austríaco Theodor Herzl escreveu a um expoente do imperialismo britânico, Cecil Rhodes, dizendo inspirar-se nele para o empreendimento político que desejava ver realizado:
“Você está sendo convidado a ajudar a fazer história. Isso não pode assustá-lo, nem você vai rir disso. Não está na sua linha habitual; não envolve a África, mas um pedaço da Ásia Menor, não ingleses, mas judeus. Mas se isso estivesse em seu caminho, você mesmo já o teria feito. Como, então, eu me dirijo a você, uma vez que esse é um assunto fora do caminho para você? De fato, como? Porque é algo colonial e porque pressupõe a compreensão de um desenvolvimento que levará vinte ou trinta anos. O senhor, sr. Rhodes, é um visionário tanto em termos políticos como práticos […] Quero tê-lo ao meu lado […] para carimbar a autoridade do plano sionista”.
O grande feito político de Rhodes enaltecido por Herzl foi uma abominação: a colônia britânica batizada à época como Rodésia (atual Zimbábue), onde o projeto colonial fundamentado no aparthaid seria implementado pela primeira vez. Embora tornado uma política oficial no começo do século XX, o sistema de dominação baseado em critérios raciais já era popular na África, especialmente a partir do século XIX. Na Rodésia, o “visionário” do sionismo estabelecera a lei Glen Grey, que obrigava os africanos a trabalharem para os colonos brancos ao mesmo tempo em que proibia os nativos de adquirirem terras.
Claro que um projeto político desta natureza só poderia ser sustentado por muita violência dos colonos contra os povos oprimidos. Aqui está a gênese do sionismo, desmascarando completamente a farsa de que os colonos judeus tiveram alguma intenção de coabitar a Palestina com os árabes que lá viviam. Há, além disso, a Declaração de Balfour. A carta trocada entre o secretário britânico dos Assuntos Estrangeiros, Arthur James Balfour, e Lionel Walter Rothschild (banqueiro sionista conhecido como Barão Rothschild), a carta do secretário declara taxativamente o apoio oficial do imperialismo britânico ao sionismo e à política de constituição de um Estado exclusivo à comunidade judaica na Palestina, então posse do cobiçado Império Otomano.
O conteúdo da carta esclarece que a criação do Estado de Israel respondeu ao interesse imperialista em ampliar o controle do Oriente Médio, principal região produtora de petróleo no planeta, além de importante canal de comunicação marítima entre a Ásia e a Europa. Um projeto 100% imperialista, criando por um dos mais notórios barões das finanças que já existiu e em conluio com o governo britânico, jamais poderia servir à constituição de “um modelo de sociedade socialista”. Seria um paradoxo, explicado apenas pelo desconhecimento aliado ao grau de confusão mental do autor.
Estabelecer “o novo Estado socialista” jamais foi nada além de um pretexto para o que seria de efetivamente realizado, sendo posto na sequência da frase escrita por Roberts: expulsar “violentamente centenas de milhares de árabes de suas casas e terras”. É o que fizeram desde os anos 1930 até os dias atuais. A tentativa de associar o sionismo a um projeto político socialista nada mais é do que uma operação cínica, uma tentativa de torná-lo palatável à esquerda. Na realidade, a esquerda judia da Europa, que de fato estava muito presente nos primórdios de Israel, foi usada como ferramenta do imperialismo para alcançar seu objetivo colonial na Palestina.
Finalmente, é completamente absurda a ideia de que havia em marcha um projeto político minimamente progressista em meio à barbárie da ocupação sionista e que ela tenha sido derrotada a partir dos anos 1970, como diz o autor:
“O chamado Estado socialista democrático de Israel tinha que desaparecer para que os capitalistas israelenses prosperassem. E assim, como em muitas outras economias capitalistas, os israelenses elegeram governos que buscavam acabar com o socialismo e abrir a economia ao capital sem restrições, enquanto reduziam o estado de bem-estar social de Israel e o apoio a coletivos como os kibutzim. Israel entrou na era neoliberal com força, que globalmente durou as próximas duas ou três décadas.” Nada mais falso do que essa percepção.
Ben-Gurion, um dos mais destacados sionistas “socialistas” e primeiro-ministro israelense número um, à época da fundação Estado, pelo partido Mapai (atual Partido Trabalhista), foi justamente o líder e responsável pela Nakba, um dos maiores crimes contra a humanidade. A milícia do seu partido era a famigerada Haganá, esta sim uma organização terrorista fundada em 1920 e que, desde então, participou de um incontável número de massacres contra os palestinos. Outras organizações de esquerda, como Palmach, também participaram dos massacres.
Outro destes esquerdistas notórios por sua desumanidade foi Levi Eshkol. Terceiro primeiro-ministro sionista, organizou durante a Guerra dos Seis Dias, quando Israel invadiu a Faixa de Gaza e a Península do Sinai (ambas do Egito), a Cisjordânia (então da Jordânia), as Colinas do Golã (Síria). Na ocasião, o governo Eshkol argumentou que os países árabes estavam prontos a invadir Israel, uma mentira desmascarada por evidências como o fato de 90% da força aérea egípcia ter sido destruída no asfalto, sem levantar voo.
Quarta liderança do Estado sionista, Golda Meir foi a primeira-ministra durante a Guerra do Yom Kippur, quando Egito e Síria desistiram de tentar uma solução negociada para a ocupação israelense da península do Sinai (pertencente ao Egito) e das colinas de Golã (território sírio). Os países árabes buscavam retomar o território roubado por Israel na Guerra dos Seis Dias, o que era negado pelo gabinete da “socialista” de Meir, que, fortemente apoiada pelo imperialismo, manteve os territórios e conseguiu fazer os países árabes recuarem. O impasse da guerra desencadearia o embargo do petróleo árabe ao imperialismo, o que culminaria na Crise do Petróleo.
O período dos governos ditos socialistas correspondem também à fase de maior expansão territorial de Israel. Foram os governos de esquerda que criaram leis para que colonos israelenses pudessem se apossar das terras palestinas “abandonadas”, o que tradicionalmente envolvia métodos nazistas. Os “esquerdistas”, longe de representarem um sonho socialista, como defende Roberts, foram o pesadelo nazista para os povos árabes, sendo os principais responsáveis pela consolidação do Estado de Israel, enquanto faziam demagogia com o stalinismo, que também os apoiava.
O infanticídio deliberado de mais de 4 mil crianças, as principais vítimas do massacre israelense contra o povo palestino, lembram que todo esse falatório não passa de um engodo criado para confundir a esquerda. Seja com Golda Meir, seja com Netanyahu, Israel tem o mesmo tanto de socialista que os nazistas, com o adendo de que estes tinham a palavra no nome do partido, ao passo que os sionistas, nem isso tem.