Nessa terça (03), o presidente da Câmara Baixa (equivalente à Câmara dos Deputados brasileira) foi derrubado, em razão de seu papel na aprovação de lei que estendeu o orçamento do governo em 45 dias, até 17 de novembro.
Pela segunda vez nesse ano, os EUA se viram diante de um impasse em relação ao seu orçamento federal. O impasse deu-se no âmbito do Congresso, que até o dia 29 de setembro não havia chegado a um consenso sobre lei que estenderia o orçamento.
As contradições sobre o que deveria constar da lei orçamentária eram inúmeras. Dentre os destaques, estava a destinação de parte do orçamento para que o governo dos EUA continuasse a financiar a guerra na Ucrânia.
No presente momento, já não é segredo para mais ninguém que a guerra vem sendo um fracasso retumbante do imperialismo. De forma que a própria população dos países imperialistas já se manifesta contra o envio de armas e dinheiro para o país do Leste Europeu. Afinal, enquanto bilhões são gastos, a crise social e econômica do imperialismo se aprofunda, recaindo principalmente sobre os trabalhadores e as classes médias.
Contudo, a crise recai também sobre aquele setor da grande burguesia norte-americana que não configura o setor no comando do capital financeiro imperialista. Esse outro setor, mais fraco, é vinculado ao mercado interno, de forma que a política do capital financeiro de exportar a maior parte da indústria dos EUA para países atrasados, em função de mão de obra barata e vantagens tributárias, o prejudica profundamente.
A exportação da indústria, por óbvio, também afeta a classe operária norte-americana. Isto, somado à falência da esquerda, que segue a reboque do Partido Democrata, acaba por permitir o surgimento de um movimento, em que representantes políticos dessa burguesia mais vinculada ao mercador interno façam gravitar em torno de si o apoio de grande parte, senão da maioria da classe operária. Nos EUA, esse fenômeno é encabeçado por Trump.
No impasse que se deu no Congresso Nacional, a respeito do orçamento, a ala de extrema-direita do Partido Republicano, ou seja, os trumpistas, foi a principal força a rejeitar que a nova lei orçamentária continuasse a destinar parte do orçamento federal para o financiamento da guerra na Ucrânia.
Como já dito, essa questão foi uma das fundamentais que estava dificultando a aprovação de nova lei.
Mas houve outras questões. Deixando claro que mesmo essa ala trumpista dos republicanos continua sendo representantes da burguesia, estavam propondo que na nova lei orçamentária estivesse incluso corte de gastos sociais do governo em cerca de 30%. Propunham também restrições à imigração.
Tendo em vista que o governo Biden foi eleito com base em uma demagogia democrática, movimentando quase todo o aparato de imprensa norte americano para propagandeá-lo como alguém progressista, que se preocupa com o povo, os democratas na Câmara não podem aceitar os cortes propostos pelos republicanos e a proposta contra os imigrantes. Por que? Pois, servia para desmanchar a farsa em torno de Biden.
A primeira proposta feita por Kevin McCarthy foi rejeitada por 232 votos a 198, mostrando a divisão existente no seio da burguesia norte-americana e, consequentemente, o acirramento da crise política.
Contudo, havia urgência na situação, tendo em vista o ano fiscal norte-americano finalizar no dia 30 de setembro,
Assim, se a lei estendendo o orçamento não fosse aprovada, as agências federais norte-americanas ficariam desamparadas financeiramente, paralisando a prestação de serviços de saúde, segurança pública, assistência alimentar, dentre outros. Ademais disto, poderia resultar na dispensa de milhões de servidores federais. Os que não fossem dispensados, seriam forçados a trabalhar sem remuneração até uma solução do impasse.
Diante desse fato, nova proposta foi feita pelo presidente Câmara, Kevin McCarthy. Apontado pela imprensa burguesa como uma pessoa moderada, a nova proposta sacrificou a ajuda financeira à Ucrânia. Para que o negócio não ficasse tão ruim para o governo Biden, foi incluído no orçamento espaço para a assistência federal a catástrofes, no montante de US$16 bilhões. Em relação às propostas dos republicanos, ficou de fora o corte de gastos. Com isto, McCarthy esperou contar com o apoio dos democratas e, também, da ala não trumpista dos republicanos.
A nova proposta foi aprovada nesse sábado (30), por 335 votos a 91, obtendo apoio da maioria dos republicanos e quase todos os democratas.
E a crise foi contida? Não. Pelo contrário, se aprofundou. Apesar das concessões, a aprovação da lei orçamentária desagradou a ala extrema-direita do Partido Republicano, que moveu uma moção contra McCarthy, nessa terça (3). A moção foi apresentada pelo deputado da Flórida Matt Gaetz, que garantiu ter “republicanos suficientes para que, a esta altura na próxima semana, uma das duas coisas aconteça: Kevin McCarthy não será o presidente da Câmara, ou será o presidente da Câmara, trabalhando ao prazer dos democratas”.
Em uma votação acirrada, por 216 votos a 210, o presidente da Câmara foi derrubado. Pela primeira vez na história dos EUA, esse órgão do parlamento está sem uma liderança. Isto mostra a força do trumpismo dentro do Partido Republico. Apesar de toda a perseguição a Donald Trump, o que movimento que ele encabeça simplesmente não arrefece.
Novamente uma demonstração da profunda crise entre os setores da burguesia que compõem a classe dominante dos EUA.
Enquanto não for escolhido um novo presidente, a pauta da casa legislativa ficará travada.
Embora ainda não se saiba quem será o substituto de McCarthy, os republicanos, em especial sua ala de extrema-direita já cogita Trump como futuro presidente.
Isto mesmo, Trump como presidente da Câmara dos Deputados e Biden como presidente dos EUA. É como se Lira fosse derrubado por Bolsonaristas e Bolsonaro fosse eleito presidente da Câmara, com Lula como presidente do Brasil (claro, guardadas as devidas proporções e o fato de que Lula não é um representante do imperialismo, como Biden). Algo que jogaria mais lenha na fogueira da crise norte-americana.
A fim de concretizar o plano de eleger Trump, os republicanos trabalham com uma brecha na Constituição dos EUA. A parte final da Seção 2 do Artigo 1 não determina que o líder da Câmara (House Speaker) seja escolhido necessariamente entre os deputados. Sendo a lei omissa, tecnicamente acaba permitindo que um não-parlamentar seja escolhido. A redação diz: “A Casa dos Representantes escolherá seu Orador (Presidente)”. Apenas isto.
O fato de Trump estar sendo cogitado para o cargo é outra amostra de sua força política. Apesar de toda a perseguição contra o ex-presidente, sua força aumenta. Aliás, a perseguição acaba impulsionando isto.
De forma que o Partido Republicano está sendo progressivamente tomado por aquele setor que apoia Trump. Uma situação anômala na história dos EUA, cujos Partidos Republicano e Democratas sempre representaram duas faces de uma mesma moeda, qual seja, a união do capital financeiro com complexo industrial militar, a indústria de guerra dos EUA, o imperialismo em carne e osso.
Assim, vê-se a crise política do imperialismo se aprofundando, na mesma medida de sua crise econômica e social. Aliás, sobre essa última, notícia recente do Washington Post expõe que a expectativa de vida dos norte-americanos vem declinando, de forma a ser a menor entre os principais países do bloco imperialismo. Conforme dados do CDC (Centro de Controle e Prevenção de Doenças), atualmente a expectativa de vida é de 76,4 anos.
Pesa nessa diminuição o aumento das mortes entre pessoas de 35 a 64 anos. Foi constatado que nesse grupo as mortes decorrentes de doenças crônicas ultrapassam o dobro das mortes decorrentes de overdose de drogas, homicídios, suicídios e acidentes de carro (combinados). O que é também uma manifestação da destruição neoliberal, que atinge também o povo norte-americano. Afinal, o país está privatizado quase que inteiro, de forma que sequer há acesso gratuito a saúde.
Enfim, os Estados Unidos vivem uma profunda crise. O segundo impasse em relação ao orçamento nesse ano, e a derrubada de McCarthy são passos largos em direção ao colapso do país do norte. O que é algo extremamente positivo para todos os povos oprimidos do mundo. Afinal, sendo o principal país imperialista, crises internas são janelas de oportunidade para que os países oprimidos avancem na luta por sua independência.