Recentemente, o Supremo Tribunal Federal iniciou o julgamento dos manifestantes que estiveram presentes nos atos de oito de janeiro. Apesar do caráter individual que o julgamento aparenta ter, assim como todo o teatro armado, não passa de uma farsa. Os manifestantes estão sendo julgados coletivamente em um malabarismo da suprema corte brasileira chamado “crime multitudinário”.
Como até os tratados internacionais rejeitam a criminalização coletiva, considerando essa um crime contra a humanidade, houve um malabarismo do judiciário para enquadrar os manifestantes no crime multitudinário, isto é, um crime que envolve delitos praticados em contexto de massa, com participação difusa, de grande quantidade de pessoas, muitas das quais sem qualquer inter-relação prévia. Na prática, não passa de um malabarismo da Procuradoria Geral da República que foi acatado pelo STF, revelando ainda mais o caráter farsesco do julgamento dos manifestantes.
O primeiro condenado, Aécio Lúcio, era funcionário da SABESP, tendo sido considerado por amplos setores da esquerda como um “perigoso terrorista”, quando o maior terror que ele poderia ter cometido seria cobrar os preços abusivos que a SABESP, em vias de ser privatizada, cobra pelos seus serviços. Seguindo os passos de Aécio Lúcio, o próximo manifestante julgado era um ambulante.
O motivo disso é claro: o julgamento não passou de um teatro cujas sentenças já estavam prontas. Todos os princípios básicos do direito foram subvertidos: condenação sem provas de que o acusado tivesse feito algo além de participar da manifestação; negação do direito de ampla defesa; crime coletivo; crime político; crime de intenção e não de fato ao dizer que queriam subverter o estado de direito. “Não ficou nada em pé”, como destacou o companheiro Rui Costa Pimenta, presidente nacional do PCO. “Infelizmente, Zanin votou por toda essa bandalheira.”
No entanto, como destacado pelo próprio companheiro, fica evidente, pelos quatro julgamentos realizados, que o truque do STF é um tiro que já está saindo pela culatra, pois até as pessoas mais ingênuas estão enxergando que não é normal prender um funcionário da SABESP e um ambulante, respectivamente, por 17 e 15 anos, sem terem sequer provado que cometeram algum dos crimes de fato. Outra questão enxergada até pelos setores ingênuos da esquerda é que, se o objetivo do esquerdista era que os generais ou articuladores fossem presos, as duras e “educativas”, que de nada educam, sentenças enfrentadas pelos “bagrinhos”, como apelidou Breno Altman, revelam que nenhum articulador enfrentará sequer o banco dos réus. Como destacou o companheiro Rui, “todo mundo está sabendo que quando se dá a pena de 15 anos para um vendedor de pipoca, nenhum general pegará sequer 15 segundos”.
Por conta da farsa não ter agradado a todos, apenas aos setores mais histéricos e emocionados, o próprio Supremo Tribunal Federal já tomou duas decisões. Na primeira, o julgamento passará para a primeira instância do poder judiciário, o que piora ainda mais a situação, pois o que será feito dos quatro que já foram julgados pela instância máxima, não cabendo recurso? Neste ponto, há a problematização, também, da seguinte questão: se a instância máxima não só indicou o posicionamento, mas já chegou a votar em quatro casos, abrindo processos autoritariamente inclusive contra os advogados dos réus, levar o assunto para as instâncias mais baixas fará apenas com que o processo de alongue e gere maior desgaste tanto nos réus, quanto na esquerda chave-de-cadeia que defende o encarceramento indiscriminadamente.
Na segunda decisão, portanto, propõem um acordo para que os réus reconheçam que são culpados e tenham sua pena reduzida, o que não passa de uma evidente demonstração de que o tiro saiu, de fato, pela culatra. “Na minha opinião, fizeram essa lambança e não vão conseguir consertar, o que é um problema para a esquerda de forma geral, pois grande parte da esquerda está apoiando essa barbaridade que está sendo feita.”
Por fim, é preciso ter claro que, além de apoiar a farsa judicial que está sendo montada e se indispondo com os trabalhadores, que sofrem com o jogo de cartas marcadas da justiça brasileira, ao adotar a postura chave-de-cadeia que setores da esquerda adotaram e defender a prisão indiscriminadamente, chancelam o encarceramento diário de centenas de trabalhadores. Chancelam as centenas de milhares de brasileiros que estão privados de liberdade aguardando por julgamento, vítimas de um bárbaro crime de Estado. Chancelam o povo negro ser morto nas ruas e nas favelas, esmagado dia após dia pela ditadura do judiciário.
Defender um julgamento e uma execução dura e extra-legal dos atos de 8 de janeiro, tidos pelos histéricos ou oportunistas como uma tentativa de golpe de Estado, fará única e exclusivamente com que o STF e o judiciário de forma geral tenham mais poder para perseguir, condenar e encarcerar seja quem for. A esquerda, ao chancelar as ações ditatoriais do sistema judiciário, coloca a munição dentro da arma que se voltará contra a sua própria cabeça, além de ser a arma que já se vira, dia após dia, contra a classe trabalhadora.