O caso Ana Moser mostra que o identitarismo é uma faca no permanentemente no pescoço do presidente Lula e têm servido como pressão tanto da esquerda quanto da direita, que se uniram, por exemplo, para pressionar pela indicação de uma mulher negra para o Supremo Tribunal Federal (STF). Houve campanha tanto de golpistas como Folha de São Paulo, Globo e Estadão, bem como de “esquerdistas” como o humorista Gregório Duvivier.
A burguesia sabe que uma ministra negra não vai mudar em nada a condição do negro no Brasil, muito menos das mulheres, mas usa o identitarismo para tentar domesticar o governo.
A ex-jogadora da Seleção Brasileira de Vôlei foi retirada de seu cargo, pois Lula está negociando cargos com a oposição para ter algum respiro em sua gestão. No lugar de Ana Moser entrará o deputado André Fufuca, do Progressistas (PP).
Despolitização
Uma das características do identitarismo é a despolitização do debate, tudo acaba caindo no campo da moralidade. Uma prova disso é o disse a própria Ana Moser: “É fato, não tem como negar: o poder é masculino, o esporte é masculino”, ou “Não é uma questão de identidade, é uma questão de equilíbrio”.
Como se vê, se recorre ao machismo, ‘patriarcado’, esses conceitos que os identitários tanto gostam e não se cansam de repetir. Porém, em vez de insinuar que Lula seria apenas mais um homem branco que coloca homens brancos no poder, a esquerda deveria refletir do porquê as coisas estarem acontecendo dessa maneira.
O fato é que o governo não tem nenhuma base no Congresso. Se não tem base, praticamente não tem como governar. Para buscar um mínimo de governabilidade, Lula está negociando cargos. É claro que essas medidas são incipientes, não vão resultar em nada. A política do governo deveria ser outra.
O grande erro do PT é não ter ser mexido ainda para conseguir base popular. A população, a classe trabalhadora, o setor que elegeu Lula, é quem de fato pode mudar a correlação de forças entre o governo e a oposição.
A aposta nas instituições, nas negociações, não vão conseguir nenhuma fidelidade do Centrão. Ou melhor, pode resultar em um apoio esporádico ou para a assuntos secundários. Naquilo que for fundamental para a burguesia, ou que contrarie seus interesses, o governo Lula vai se ver completamente abandonado.
Cinismo
Uma matéria no jornal golpista Estadão, assinada por J. R. Guzzo, mostra o quando a burguesia é cínica. Pressiona o governo para trocar ministros, e quando a mudança acontece aproveita para criticar, como se lê no trecho a seguir: “Mal se completaram oito meses de governo e o presidente da República manda para o público pagante a fatura da sua primeira “reforma ministerial”. Já? Para quem quer ficar oito anos no Palácio do Planalto, pelo menos, o mercadinho de secos e molhados movido com dinheiro do erário parece estar abrindo cedo demais – nesse ritmo, quanta gente ainda vai ter de subir no bonde? Não há reforma nenhuma, é claro. Reforma ministerial é mudança nas opções, prioridades e projetos do governo – e para isso é preciso que haja opções, prioridades e projetos. O que acaba de ser feito é uma operação de compra e venda (…)”.
O que fazer?
Em vez de ficar discutindo as tais “pautas identitárias”, o patriarcado, o mundo masculino, a esquerda deveria pensar seriamente em como montar uma base sólida para dar sustentação ao governo para os programas sociais e outros assuntos de interesse dos trabalhadores. Até o momento, Lula não conseguiu aprovar nada de relevante e precisa se mexer, caso queria se reeleger ou fazer um sucessor.
A direita tem sabido controlar, Arthur Lira reina absoluto na Câmara, a única maneira de confrontá-lo é se entrarem em cena os trabalhadores e suas entidades de classe, como os sindicatos, por exemplo.
Em vez de se movimentar nesse sentido, de mobilizar a classe trabalhadora, a esquerda tem se ocupado em tentar colocar Bolsonaro na cadeia, como se isso fosse o suficiente para deter o bolsonarismo.
A direita está se virando muito bem sem Bolsonaro, tirá-lo de cena, além de ser uma forma de livrar de um problema potencial, tem a vantagem de manter a esquerda ocupada com questões laterais. Tudo o que a direita não quer é a classe trabalhadora organizada.
Embora a economia se recupere timidamente, o que é pouco para uma reeleição, ainda temos a questão do Banco Central estar nas mãos dos banqueiros. O governo não consegue avanços significativos e isso servirá não apenas para a direita atacar, mas também a esquerda, como vimos em 2016, quando Guilherme Boulos foi escalado pela burguesia para criticar a política econômica do governo de Dilma Rousseff. Desta vez não será diferente.
A tarefa principal da esquerda é fortalecer os comitês de luta e formar quanto antes uma base de apoio para o governo, ou corre-se o risco de começarem a pipocar greves e ataques de todos os lados contra a gestão de Lula.