Nesta quinta-feira (7), o jornal O Globo, um dos porta-vozes da burguesia brasileira e também do imperialismo, publicou em seu sítio coluna intitulada “Brasil precisa de Lei de Responsabilidade Fundiária”. O subtítulo? “Não se pode mais aceitar que políticos cheguem a postos eletivos carregados nos braços da invasão de terras”.
Já pelo subtítulo resta claro que uma proposta reacionária está para ser feita. Provavelmente uma proposta direcionada contra Lula, afinal, o apoio do MST foi fundamental para a eleição do presidente. Mas a mensagem que a burguesia quer passar é mais ampla.
Apesar da clareza do subtítulo, a matéria é escrita de forma muito abstrata e confusa, parecendo, ao olhar desavisado, apenas a defesa de uma regulação fundiária para resolver o problema da terra no campo brasileiro.
Por meio de uma leitura atenta, no entanto, percebe-se que é uma declaração de intenções da burguesia em relação à questão fundiária brasileira. Uma declaração contra a soberania do Estado brasileiro sobre o território nacional. Uma declaração pró-imperialista.
Logo ao início, é afirmado o seguinte: “desde o Brasil Colônia, a questão fundiária alimenta-se de um círculo vicioso, baseado em invasões de terra, que levam ao desmatamento e, finalmente, a terrenos ‘regularizados’”.
À primeira vista, esse trecho aparenta, como já dito, apenas uma defesa de que a questão fundiária no Brasil seja definitivamente regulamentada a fim de acabar qualquer tipo de ocupação ilegal da terra. Contudo, tratando-se de uma imprensa cuja política está alinhada com o imperialismo, a mensagem das entrelinhas é outra.
Esse setor da burguesia mais diretamente vinculado ao imperialismo está declarando que quer impedir ocupações de terras por parte dos movimentos camponeses (MST, FNL, LCP etc.). Da mesma forma, quer evitar aquela grilagem de terra que se mostra insustentável para o imperialismo.
A posição pró-imperialista começa a clarear com a passagem seguinte:
“Nessa dinâmica de ocupação, florestas nativas são derrubadas e leis ambientais atropeladas”.
Vê-se, já no começo, a política ambientalista do imperialismo sendo utilizada como justificativa para a regularização fundiária proposta pelo Globo.
É algo que estará presente no restante do texto.
Relembrando, os Estados Unidos e a Europa Ocidental utilizam-se da preservação do meio ambiente e dos índios para impedir que países oprimidos explorem seus recursos naturais. Igualmente, ao se colocarem o desmatamento, querem apenas que as riquezas dessas terras sejam reservadas para os monopólios do capital imperialista, para quando delas precisarem.
A floresta amazônica é o seu principal alvo. Afinal, as terras sob a floresta guardam riquezas minerais e energéticas inestimáveis.
Tanto é assim que a matéria não demora a mencionar a Amazônia, expondo que 118 milhões de hectares de seu território (1/4) correspondem a terras públicas vulneráveis a uma ocupação predatória, por serem terras sem destinação específica. O jornal, então, diz que o Estado é omisso, pois deveria destinar essas áreas à proteção ambiental e ao uso de quem produz para viver.
Não se pode deixar enganar por essa suposta defesa daquele que utiliza a terra para produzir (normalmente o campesinato sem-terra, e os pequenos e médios camponeses). A burguesia e o imperialismo não estão interessados nessas pessoas.
Tanto é assim que a proposta do Globo é que mais da metade dessas terras (59,4 milhões de hectares) sejam transformados em unidades de conservação, de forma que “o território protegido na região — entre Unidades de Conservação, Terras Indígenas e Territórios Quilombolas — saltaria dos atuais 171 milhões para mais de 230 milhões de hectares”.
Já sendo notório que o imperialismo se utiliza da proteção ao ambiente e aos indígenas para controlar as terras dos países oprimidos e a exploração dos recursos naturais nela existentes (vide casos da usina Belo Monte e da exploração do petróleo na Margem Equatorial), o Globo basicamente propõe que as terras sob o controle dos imperialistas aumente para 230 milhões de hectares.
Além disto, a lei proposta nessa coluna d’o Globo imporia ônus a todos os beneficiados pela regularização fundiárias. Ônus ambientais:
“Essa regularização […] obrigaria os novos proprietários a resolver os passivos ambientais, recuperando o que foi desmatado além do previsto em lei. Eles passariam, ainda, a ser responsáveis legais pela proteção de uma parcela desses terrenos equivalente a 39,7 milhões de hectares de vegetação — entre Reservas Legais e Áreas de Preservação Permanente”.
Obviamente, o capital imperialista jamais seria sujeito a tais ônus.
Assim, esta seria uma medida para flanquear e expulsar os proprietários de terra mais ligados ao mercado interno brasileiro e, por conseguinte, que possuem maiores contradições com os interesses do imperialismo sobre o território nacional.
A imposição desses ônus tornaria extremamente onerosa a atividade produtiva e econômica sobre as terras, para inviabilizar a atividade no decorrer do tempo. Os camponeses pobres, os pequenos e os médios seriam os mais atingidos.
O fim último seria a monopolização da terra. Nas mãos de um o governo nacionalista ou de burgueses nacionalistas? Não. Nas mãos do capital imperialista e de seus aliados no território nacional.
Assim, ao propor uma regularização fundiária tendo como principal finalidade a proteção do meio ambiente, por meio de medidas como a criação de mais unidades de conservação, a burguesia brasileira quer, na verdade, uma regularização para diminuir o controle do Estado brasileiro sobre o território nacional e, por conseguinte, aumentar o controle do imperialismo sobre nossas terras.
Qualquer “regularização fundiária” que seja feita no Brasil só pode ser favorável ao povo se promover a reforma agrária em toda sua extensão. A parcela dos latifúndios que representam majoritariamente modos de produção pré-capitalistas deveriam ser expropriados, com as terras sendo distribuídas para o camponês sem-terra. Por sua vez, as grandes propriedades em que já existem um significativo desenvolvimento capitalista, deveriam ser nacionalizadas pelo Estado brasileiro, expulsando o capital privado, empregando novos trabalhadores rurais e, inclusive, atraindo parte da massa desempregada das cidades.
O problema da terra no Brasil jamais será resolvido sem o desenvolvimento econômico no país. E esse desenvolvimento só pode ocorrer através da reforma agrária e da nacionalização da terra. Sem espaço para o controle do capital imperialista, o qual é contrabandeado através do ambientalismo.
A proposta feita nessa coluna da imprensa burguesa é uma declaração de intenções reacionária, e teria como resultado a abdicação da soberania do Estado brasileiro sobre o nosso território. Contudo, não é uma mera intenção; já é também uma tentativa de pressionar Lula a ir mais à direita, renunciando a qualquer aspecto popular de seu governo.