O jornal golpista Estado de S. Paulo publicou na edição do último dia 25 um interessante editorial intitulado “Contra Bolsonaro, nada além da lei”, defendendo que “diante do modo como a Justiça tem aplicado a prisão preventiva, no espírito do lavajatismo, não seria surpresa uma eventual detenção. Mas a lei não autoriza antecipação de pena”. De fato, a lei não autoriza e é dever daqueles que prezam pelas conquistas civilizatórias que o Estado não faça nada além do que a lei estabelece. Chama atenção, no entanto, a guinada editorial do Estadão, que agora defende o rígido cumprimento da lei por parte do Estado (no que está certo), mas quando a vítima da perseguição judicial era o atual presidente Lula, defendia algo diferente.
“Lula, enfim, preso”, publicou o agora “garantista” jornal burguês em 7 de abril de 2018, quando celebrava a rendição do petista. Antes que alguém tenha a estranha ideia de achar que os editores do Estadão foram “tocados” pela legalidade, é importante destacar que todo esse apego à observância estrita da lei por parte do Estado veio após um fenômeno específico: o veto dos generais em relação a prisão de Bolsonaro. O próprio jornal publicou a informação de que a perseguição da justiça ao ex-presidente estava causando uma irritação entre os generais.
Desde o golpe de 2016 os militares atuam como eminências pardas, isto é, como os poderosos que atuam nas sombra, por trás das figuras públicas. O regime brasileiro tornou-se tutelado pelos generais, que tanto determinam as mais absurdas arbitrariedades, ora demandam a legalidade, conforme os interesses políticos próprios. Exemplos do primeiro caso foram dados na campanha da direita pela prisão de Lula e também no surreal episódio do julgamento do habeas corpus, negado após um golpe militar virtual dos generais.
Por outro lado, em favor de Bolsonaro, toda sorte de loucuras foram cometidas, inclusive o uso da Polícia Rodoviária Federal e do Exército para impedir a população pobre de votar. Isso inclusive desmoralizou o Judiciário, que determinou o impedimento da realização das barreiras rodoviárias. A ordem dos “guardiões da democracia” fora, à época, solenemente ignorada pelos bolsonaristas, que naturalmente, só o fariam caso fossem respaldados por um poder maior.
Lembrar o que realmente defende o Estado de S. Paulo é vital para que a esquerda não caia em contos da carochinha. A defesa das limitações da atuação estatal pela lei é mero pretexto para defender o que os militares querem: livrar o principal líder da extrema-direita do País das arbitrariedades, que devem ser reservadas aos inimigos da burguesia.
Se dentro da rigorosa observância dos parâmetros legais não é possível condenar um cidadão, quem quer que seja, tal indivíduo não pode ser condenado, claro. Conquista da revolução francesa, o retrocesso a um estado de coisas análogo à Idade Média só pode ser defendido por um bárbaro. Mas quem defende e se interesse pelo progresso civilizatório não é a burguesia, como fica evidente no vai-e-vem interessado do Estado. São os trabalhadores.
Ainda que verdadeiros malucos digam o contrário, a classe trabalhadora e a esquerda classista não podem defender arbitrariedades, mas exigir o fiel cumprimento da lei por parte do Estado, com a clareza de que toda repressão estatal inevitavelmente recairá sobre os trabalhadores. O vai-e-vem do Estadão não deve ser entendido como algo além de cinismo dos porta-vozes de uma classe nem um pouco interessada nos direitos democráticos da população. Diferente dos trabalhadores, que dependem dessas conquistas para se organizar e por isso mesmo, devem defendê-las sempre, não importando quem seja a vítima do momento da repressão, se de esquerda ou de direita.